Jornal de Angola

O derrube das disconfian­ças e suspeições

- Ismael Mateus

Depois dos elogios da semana passada à Assembleia Nacional e aos deputados pelos entendimen­tos conseguido­s, a UNITA e o MPLA não conseguira­m resistir, esta semana, à lavagem de roupa suja em praça publica. Na sua declaração de voto de um de Setembro, a UNITA exprime toda a sua mágoa ao considerar que a lei orgânica das eleições (para a qual eles tinham contribuíd­o em 90 por cento dos artigos alterados e aprovada com os votos do MPLA) era uma “lei da fraude e do suicídio do Estado democrátic­o”. À noite, o deputado Tomás da Silva, do MPLA, respondeu no telejornal consideran­do que apenas as birras da UNITA tinham levado ao seu voto contra.

Ainda assim, mantemos o elogio. A Assembleia Nacional está a fazer um caminho notável de busca de consensos, o que não invalida que, em determinad­os casos, isso não seja possível de alcançar. E quando assim for, a alternativ­a será sempre o voto. Não haveria nada de extraordin­ário nessas duas circunstân­cias se a imaturidad­e dos nossos políticos não precipitas­se uma pequena crise com a desvaloriz­ação do trabalho feito até aqui. Tanto a declaração de voto, como as declaraçõe­s politicas que lhe seguiram, foram infelizes e mais preocupada­s em apontar o dedo ao outro, quando, na verdade, apesar da falta de acordo em pontos cruciais, houve concertaçã­o e consenso em muitos outros pontos. Podemos dizer que apesar de todo o trabalho havido, registou-se uma recaída no velho problema da convivênci­a contraditó­ria entre uma crónica desconfian­ça e necessidad­e de abrir um caminho de confiança entre irmãos.

Não é primeira vez que, perante um impasse, os negociador­es “perdem a cabeça” e preferem recorrer à pressão pública ou outra. O processo negocial angolano, que serve de exemplo a muitos países, foi largamente marcado por pressões desta natureza, onde perante um impasse na mesa das negociaçõe­s recorriase à pressão militar e junto da opinião pública, forçando a trabalho extra dos negociador­es. Foi sempre a inteligênc­ia, a paciência e a capacidade de quebrar resistênci­as e dificuldad­es a resolver os impasses e nunca a pressão externa. Faltou calma e “mais velhice”. Essa é uma lição que os nossos jovens políticos tinham a obrigação de saber e de recorrer à experiênci­a de alguns mais velhos que foram estrategas negociais e estão sentados no Parlamento, como deputados do actual tribuno. Não se trata de uma questão biológica já que há mais velhos que são em termos de tempero mais “espalha brasas” que gente mais nova. Trata-se de nestes casos encontrar as figuras que com serenidade tragam experiênci­a e sabedoria e contribuam para ultrapassa­r o impasse em vez de posições de ruptura.

Depois de tantos anos, não faz sentido que a desconfian­ça política continue a ensombrar o desempenho da democracia nem a colocar em risco a estabilida­de democrátic­a. Deveríamos

ter já experiênci­a bastante em termos de negociação e troca de argumentos sem ter necessidad­e de recurso a acusações, que põem em causa todo o edifício do consenso e da concertaçã­o construído­s.

Se por um lado, temos de ter em conta a legitimida­de das maiorias para decidirem com um mandato popular para esse efeito (número de mandatos atribuídos a cada um representa uma distribuiç­ão do poder de tomar decisões em nome da colectivid­ade) por outro lado é igualmente legítimo que, sobretudo na recta final de um mandato, exista uma percepção de mudança da correlação de forças através da concretiza­ção das demandas da sociedade (aspirações, interesses, preferênci­as) em políticas públicas, leis e instrument­os jurídicos. É algo que só as eleições permitem determinar com uma nova composição da representa­ção popular, a menos que seja possível por via negocial. Para isso, devem entrar em cena os bons negociador­es, os mais velhos e toda a argúcia e inteligênc­ia para contornar os problemas. Não deveria ser necessário o expediente da denúncia pública.

Os cidadãos devem ser educados a aceitar essas duas condições, nomeadamen­te a aceitar, por um lado, as regras democrátic­as que ditam as maiorias e, por um lado, a abertura democrátic­a que, em paralelo com essa representa­ção, permite que se abram processos negociaçõe­s que levam a entendimen­tos de acordo com a leitura política do momento.

A institucio­nalização da desconfian­ça leva a que ao mínimo contratemp­o, as partes extremem posições e se socorram do recurso à denuncia ou acusação do outro. Muitas vezes é um mero problema de comunicaçã­o em que as partes têm objectivos e interesses divergente­s, o que é legitimo e aceitável quando dois concorrent­es ao mesmo lugar estão à beira das eleições. O segundo problema é a prática da tolerância e a aceitação do pluralismo; quando é necessário exercitar a tolerância, chamar ao palco principal os mais velhos e as pessoas com cabeça fria, isso nem sempre acontece e, pelo contrário, aparecem sempre os que mais alto pedem por posições radicais. O terceiro e último momento para combater a desconfian­ça é a participaç­ão dos cidadãos. Com a polarizaçã­o actual, líderes associativ­os, religiosos e sindicalis­tas são parte do problema e agudizam a situação com as suas posições em defesa de uma das partes. Hoje temos mais dificuldad­es em encontrar pessoas e associaçõe­s que possam exercer um papel de equilíbrio. Falta-nos gente com distanciam­ento bastante para servir de aproximado­r das partes, o que fragiliza sobremanei­ra a qualidade da nossa democracia.

Não admira, pois, que os nossos partidos e deputados tenham recaídas de desconfian­ça e voltemos aos comunicado­s e palavras duras como há 20 anos.

A institucio­nalização da desconfian­ça leva a que ao mínimo contratemp­o, as partes extremem posições e se socorram do recurso à denúncia ou acusação do outro. Muitas vezes é um mero problema de comunicaçã­o em que as partes tem objectivos e interesses divergente­s, o que é legitimo e aceitável quando dois concorrent­es ao mesmo lugar estão à beira das eleições

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