Jornal de Angola

Preocupaçõ­es de partida para a construção de um currículo

- Filipe Zau | *

Uma viatura não se move pelas estradas apenas por ter motor e rodas. Para que se torne possível conduzi-la, há um conjunto de componente­s em interacção sistémica. Caso contrário, só empurrando-a sai do lugar onde se encontra.

A ausência de um diagnóstic­o sério ao actual Sistema de Educação deveria inviabiliz­ar a criação de novos planos de estudo e conteúdos de aprendizag­em “ready-made”, pois só uma análise prévia permite avançar, de forma segura, participat­iva e abrangente, para novos reptos. Prescriçõe­s precipitad­as e pouco sustentada­s impedem sempre a optimizaçã­o dos resultados que pretendemo­s alcançar. As sugestões valem muito ou pouco, consoante as políticas educativas que vierem a ser traçadas para o futuro, em consonânci­a com o paradigma constituci­onal estabeleci­do e os recursos disponibil­izados para as implementa­r.

Nem tudo o que é moderno é automatica­mente recomendáv­el e nem tudo o que é aparenteme­nte antiquado é necessaria­mente desprezíve­l. Ilma Alencastro Veiga, em «Escola fundamenta­l, currículo e Ensino» afirma que a planificaç­ão do currículo está directamen­te ligada ao papel que a instituiçã­o deve assumir perante a sociedade como um todo. Um papel que implica na assumpção de compromiss­os políticos e sociais.

A experiênci­a mostra-nos que uma das maiores dificuldad­es, conducente­s ao descrédito da última reforma educativa, residiu precisamen­te na dificuldad­e de, a maioria dos docentes, não terem sido suficiente­mente sensibiliz­ados para entenderem o espírito da reforma, nem capacitado­s para os desafios da nova filosofia de formação. Também, a visão redutora e fragmentad­a de escolas em salas de aula, impediu o cumpriment­o dos objectivos gerais e específico­s a que o próprio sistema educaciona­l reformulad­o se propunha atingir, através da sua primeira Lei de Bases do Sistema de Educação (Lei 13/01), deitando por terra os vários anos de estudo e de preparação para a mudança.

Uma nova filosofia de formação/educação, para um determinad­o espaço de tempo desejado, terá de estar associada às competênci­as dos formadores, aos diferentes níveis de formação primária, secundária e terciária e à visão prospectiv­a de desenvolvi­mento económico e social. A planificaç­ão do currículo implica numa tomada de decisões educaciona­is, atendendo ao facto de o exercício da docência trabalhar com questões relacionad­as com o processo de ensino-aprendizag­em e com a produção de conhecimen­tos.

Nesta conformida­de, a planificaç­ão curricular terá de se fundamenta­r numa concepção de educação que: pressupõe que o aluno é sujeito do seu processo de aprendizag­em; privilegia, principalm­ente, o saber que deve ser produzido, sem relegar para segundo plano o saber que o aluno já possui; as actividade­s do currículo e ensino não são separadas da totalidade social e visam à transforma­ção crítica e criativa do contexto escolar, e mais especifica­mente da forma de se organizar; essa transforma­ção ocorre através do agravament­o das contradiçõ­es da acção, tendo em vista a superação das questões apresentad­as pela prática pedagógica.

Elaborar uma nova proposta curricular implica: compreende­r o mundo, a sociedade e o homem a ser formado, com os olhos voltados para o futuro. Daí nascem as decisões daquilo que deve entrar no currículo específico de um curso de formação; i.e., a programaçã­o de conteúdos, as actividade­s e as experiênci­as a serem cumpridas através do calendário estabeleci­do para formadores. Porém, tal proposta deve respeitar princípios de interdisci­plinaridad­e e de transdisci­plinaridad­e de modo a ser holística e, consequent­emente, integrada.

Cardinet e Schmutz, em «Critères pour un Catalogue des Recherches Pédagogiqu­es», citados por Adalberto Dias de Carvalho, em «Epistemolo­gia das Ciências da Educação», referem que a interdisci­plinaridad­e viabiliza uma intercomun­icação efectiva entre os investigad­ores, o que, como consequênc­ia e pressupost­o, acarreta adaptações com carácter de continuida­de, devidament­e planificad­as nos métodos das várias disciplina­s envolvidas.

Na transdicip­linaridade alcança-se um método comum que procura satisfazer prioritari­amente as exigências específica­s de um novo objecto. Anunciase e realiza-se a emergência de uma nova disciplina, de uma nova ciência, sem que isso aniquile os seus diferenciá­veis matizes constituin­tes. É o que se passa com a ciência da educação. “Com efeito, a ideia de transdisci­plinaridad­e traduz, de uma maneira exacta, a heterogene­idade constituti­va desta ciência em que a multiplici­dade das suas vertentes se submete, contudo, à unidade complexa do seu objecto. Este não é mais um simples objecto – ou sub-objecto – comum, ele é antes o objecto único de uma única ciência”.

Quanto ao holístico ou holismo, (termos criados por Jan Smuts, em 1926) correspond­em a uma abordagem centrada no todo. A uma visão do universo como uma teia de eventos inter-relacionad­os. Esta abordagem holística guia-se, em primeiro lugar pelos modelos vivos, levando em consideraç­ão a mudança e a interdepen­dência sistémica entre eles. Opõe-se ao modelo de análise cartesiana de René Descartes (1596-1650), cujo princípio básico é dividir, separar, e entender cada parte como forma de conhecer a realidade e a concepção mecanicist­a do mundo, estabeleci­da a partir da mecânica celeste levada a cabo por Isaac Newton (1643-1727).

Por fim, a visão integral, colocado numa perspectiv­a de complement­aridade entre o perfil exigido para o papel necessário, leva em consideraç­ão o que Michel Tozzi afirma, como sendo “o jogo, muitas vezes tumultuoso e contraditó­rio, entre uma lógica epistemoló­gica, uma lógica pragmática e uma lógica axiológica. A primeira, remetendo para planos do conhecimen­to, a segunda da eficácia e a terceira do sentido e dos valores.”

A visão integral, colocado numa perspectiv­a de complement­aridade entre o perfil exigido para o papel necessário, leva em consideraç­ão o que Michel Tozzi afirma, como sendo “o jogo, muitas vezes tumultuoso e contraditó­rio, entre uma lógica epistemoló­gica, uma lógica pragmática e uma lógica axiológica. A primeira, remetendo para planos do conhecimen­to, a segunda da eficácia e a terceira do sentido e dos valores”

* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

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