Preocupações de partida para a construção de um currículo
Uma viatura não se move pelas estradas apenas por ter motor e rodas. Para que se torne possível conduzi-la, há um conjunto de componentes em interacção sistémica. Caso contrário, só empurrando-a sai do lugar onde se encontra.
A ausência de um diagnóstico sério ao actual Sistema de Educação deveria inviabilizar a criação de novos planos de estudo e conteúdos de aprendizagem “ready-made”, pois só uma análise prévia permite avançar, de forma segura, participativa e abrangente, para novos reptos. Prescrições precipitadas e pouco sustentadas impedem sempre a optimização dos resultados que pretendemos alcançar. As sugestões valem muito ou pouco, consoante as políticas educativas que vierem a ser traçadas para o futuro, em consonância com o paradigma constitucional estabelecido e os recursos disponibilizados para as implementar.
Nem tudo o que é moderno é automaticamente recomendável e nem tudo o que é aparentemente antiquado é necessariamente desprezível. Ilma Alencastro Veiga, em «Escola fundamental, currículo e Ensino» afirma que a planificação do currículo está directamente ligada ao papel que a instituição deve assumir perante a sociedade como um todo. Um papel que implica na assumpção de compromissos políticos e sociais.
A experiência mostra-nos que uma das maiores dificuldades, conducentes ao descrédito da última reforma educativa, residiu precisamente na dificuldade de, a maioria dos docentes, não terem sido suficientemente sensibilizados para entenderem o espírito da reforma, nem capacitados para os desafios da nova filosofia de formação. Também, a visão redutora e fragmentada de escolas em salas de aula, impediu o cumprimento dos objectivos gerais e específicos a que o próprio sistema educacional reformulado se propunha atingir, através da sua primeira Lei de Bases do Sistema de Educação (Lei 13/01), deitando por terra os vários anos de estudo e de preparação para a mudança.
Uma nova filosofia de formação/educação, para um determinado espaço de tempo desejado, terá de estar associada às competências dos formadores, aos diferentes níveis de formação primária, secundária e terciária e à visão prospectiva de desenvolvimento económico e social. A planificação do currículo implica numa tomada de decisões educacionais, atendendo ao facto de o exercício da docência trabalhar com questões relacionadas com o processo de ensino-aprendizagem e com a produção de conhecimentos.
Nesta conformidade, a planificação curricular terá de se fundamentar numa concepção de educação que: pressupõe que o aluno é sujeito do seu processo de aprendizagem; privilegia, principalmente, o saber que deve ser produzido, sem relegar para segundo plano o saber que o aluno já possui; as actividades do currículo e ensino não são separadas da totalidade social e visam à transformação crítica e criativa do contexto escolar, e mais especificamente da forma de se organizar; essa transformação ocorre através do agravamento das contradições da acção, tendo em vista a superação das questões apresentadas pela prática pedagógica.
Elaborar uma nova proposta curricular implica: compreender o mundo, a sociedade e o homem a ser formado, com os olhos voltados para o futuro. Daí nascem as decisões daquilo que deve entrar no currículo específico de um curso de formação; i.e., a programação de conteúdos, as actividades e as experiências a serem cumpridas através do calendário estabelecido para formadores. Porém, tal proposta deve respeitar princípios de interdisciplinaridade e de transdisciplinaridade de modo a ser holística e, consequentemente, integrada.
Cardinet e Schmutz, em «Critères pour un Catalogue des Recherches Pédagogiques», citados por Adalberto Dias de Carvalho, em «Epistemologia das Ciências da Educação», referem que a interdisciplinaridade viabiliza uma intercomunicação efectiva entre os investigadores, o que, como consequência e pressuposto, acarreta adaptações com carácter de continuidade, devidamente planificadas nos métodos das várias disciplinas envolvidas.
Na transdiciplinaridade alcança-se um método comum que procura satisfazer prioritariamente as exigências específicas de um novo objecto. Anunciase e realiza-se a emergência de uma nova disciplina, de uma nova ciência, sem que isso aniquile os seus diferenciáveis matizes constituintes. É o que se passa com a ciência da educação. “Com efeito, a ideia de transdisciplinaridade traduz, de uma maneira exacta, a heterogeneidade constitutiva desta ciência em que a multiplicidade das suas vertentes se submete, contudo, à unidade complexa do seu objecto. Este não é mais um simples objecto – ou sub-objecto – comum, ele é antes o objecto único de uma única ciência”.
Quanto ao holístico ou holismo, (termos criados por Jan Smuts, em 1926) correspondem a uma abordagem centrada no todo. A uma visão do universo como uma teia de eventos inter-relacionados. Esta abordagem holística guia-se, em primeiro lugar pelos modelos vivos, levando em consideração a mudança e a interdependência sistémica entre eles. Opõe-se ao modelo de análise cartesiana de René Descartes (1596-1650), cujo princípio básico é dividir, separar, e entender cada parte como forma de conhecer a realidade e a concepção mecanicista do mundo, estabelecida a partir da mecânica celeste levada a cabo por Isaac Newton (1643-1727).
Por fim, a visão integral, colocado numa perspectiva de complementaridade entre o perfil exigido para o papel necessário, leva em consideração o que Michel Tozzi afirma, como sendo “o jogo, muitas vezes tumultuoso e contraditório, entre uma lógica epistemológica, uma lógica pragmática e uma lógica axiológica. A primeira, remetendo para planos do conhecimento, a segunda da eficácia e a terceira do sentido e dos valores.”
A visão integral, colocado numa perspectiva de complementaridade entre o perfil exigido para o papel necessário, leva em consideração o que Michel Tozzi afirma, como sendo “o jogo, muitas vezes tumultuoso e contraditório, entre uma lógica epistemológica, uma lógica pragmática e uma lógica axiológica. A primeira, remetendo para planos do conhecimento, a segunda da eficácia e a terceira do sentido e dos valores”
* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais