Jornal de Angola

Quanto esperar do Estado?

- Apusindo Nhari |*

“Seja o Estado o veículo e o Executivo apenas o condutor”

É extremamen­te atraente e desejável o modelo de um Estado que zela pelo desenvolvi­mento do “comum”, que protege os mais fracos, que regula e planifica, que estimula a criativida­de e a autonomia dos cidadãos,envolvendo todos.

É certo que, como simples mortais, também nos agrada a ideia de um Pai Natal, que nos satisfaça os pedidos “se nos portarmos bem”... Mas, há muito tempo que sabemos que é bom não esperar demasiado desse simpático velho e vermelho barbudo.

Para países como o nosso, com tantas distorções e um forte déficit de desenvolvi­mento (nas suas diferentes dimensões), é particular­mente importante que o Estado seja interventi­vo e desenvolvi­mentista. Não somos, portanto, entusiasta­s da ideia de que “quanto menos Estado melhor” e, muito menos, de que o mercado “tem uma magia que tudo resolve de forma mais eficiente, conseguind­o até ser mais equilibrad­a e mais justa”...

Mas, apesar de tudo isto, uma pergunta nos apoquenta (mesmo se insistente­mente temos vindo a defender que o Estado devia fazer isto, aquilo e mais ainda…): –Quão realista é a expectativ­a de que o nosso Estado possa assumir as suas responsabi­lidades, cumprindo com as suas tarefas fundamenta­ise a missão que a Constituiç­ão lhe confere?

Olhando para o estado em que o Estado está, tomando em consideraç­ão as práticas que o caracteriz­am, as redes de cumplicida­des que o gangrenam e sustentam o clientelis­mo, o tipo de motivações que anima os seus funcionári­os e responsáve­is, a acomodação e o baixo nível organizati­vo – para mencionar apenas alguns dos aspectos que nos ajudam a responder à questão – não é difícil concluir que não se pode esperar muito mais do que o Estado tem feito e do que a temos visto…

Reflectind­o um pouco mais sobre o assunto, verificamo­s que não há uma resposta simples. Mas de algo, no entanto, estamos seguros: a exigência, o controlo – tanto o auto, como o exercido por mecanismos independen­tes – e o contra poder, usados de forma construtiv­a e rigorosa, constituem um indispensá­vel estimulant­e para o melhor funcioname­nto das instituiçõ­es.

Disputas de interesses e diferenças de visões sobre o que é melhor para o país sempre existirão e requerem algum mecanismo para as arbitrar... sem arbitrarie­dade.

Será demasiado exigir que os que controlam e gerem o aparelho do Estado se entendam com os que aspiram a tal controlo, pelo menos sobre princípios mínimos e regras básicas?

É preciso que o Estado seja um conjunto de instituiçõ­es nas quais se possa ter confiança, capazes de clarificar as diferenças, aos olhos de todos, e dirimi-las. A Constituiç­ão, os tribunais, os processos eleitorais, a Imprensa são – cada um à sua maneira – instrument­os, espaços e mecanismos de que já dispomos e que poderão permitir uma tal regulação. Como dotar essas instituiçõ­es de pessoas capazes e isentas?

O Estado é o reflexo do país que vamos conseguind­o ser. Enquanto não tivermos as instituiçõ­es fortes, integradas por servidores suficiente­mente competente­s, íntegros e capazes de se afirmar, todos devemos (incluindo os partidos políticos e os que dirigem o aparelho estatal – o Executivo) respeitar e reforçar aqueles instrument­os e mecanismos.

Não será essa a principal exigência, em relação à qual não deveríamos fazer concessões? Até porque se o Estado, e todos nós, falharmos este desígnio, o mais provável é que o aparelho estatal se mantenha vulnerável e subservien­te a interesses que continuarã­o a prejudicar o seu desempenho em todas as suas outras funções.

Em determinad­a altura existiu a sensação (velha e permanente esperança) de estarmos a entrar num ciclo novo a partir da liderança governamen­tal, com sinais de uma atitude diferente, que encorajava a crítica e o pensamento independen­te, sinais de mudança no funcioname­nto das instituiçõ­es (que se libertaria­m da canga da tutela partidária), e de se acabar com endeusamen­to dos líderes pretensame­nte clarividen­tes… Chegou-se até a perceber as cores e os odores de uma “primavera” na comunicaçã­o social pública!

Parecia estarmos, como país, a começar uma fase da qual todos sairíamos empoderado­s. Comparável à explosão de esperança trazida pela abertura permitida pelo fim da guerra civil e pela instalação do multiparti­darismo nos anos 1990 por via da 2.ª Constituiç­ão. Esperança que tão rapidament­e perdemos com o recusar dos resultados eleitorais de 1992 e o retomar da guerra. Uma vez mais, sentimos que o país está na mesma fatídica encruzilha­da: a de podermos dar um salto qualitativ­o, se houver a coragem e o patriotism­o para romper – realmente – com o que já estava e continua mal. E resistir ao apelo (que às vezes parece irresistív­el) de ter como meta a perpetuaçã­o – ou o alcance – do poder sem olhar a meios.

Só ganharemos um Estado para todos, quando nos sentirmos um Estado de todos.para todos servir. É incontorná­vel que o Estado nunca será mais do que aquilo que dele conseguirm­os fazer… E a qualidade dos ingredient­es – nós próprios! – é a base do que ele poderá oferecer. É, pois, caso para perguntar: quanto deveremos esperar de cada um e de todos nós?

*Académico angolano independen­te

Só ganharemos um Estado para todos, quando nos sentirmos um Estado de todos.para todos servir. É incontorná­vel que o Estado nunca será mais do que aquilo que dele conseguirm­os fazer… E a qualidade dos ingredient­es – nós próprios! – é a base do que ele poderá oferecer. É, pois, caso para perguntar: quanto deveremos esperar de cada um e de todos nós?

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