Quanto esperar do Estado?
“Seja o Estado o veículo e o Executivo apenas o condutor”
É extremamente atraente e desejável o modelo de um Estado que zela pelo desenvolvimento do “comum”, que protege os mais fracos, que regula e planifica, que estimula a criatividade e a autonomia dos cidadãos,envolvendo todos.
É certo que, como simples mortais, também nos agrada a ideia de um Pai Natal, que nos satisfaça os pedidos “se nos portarmos bem”... Mas, há muito tempo que sabemos que é bom não esperar demasiado desse simpático velho e vermelho barbudo.
Para países como o nosso, com tantas distorções e um forte déficit de desenvolvimento (nas suas diferentes dimensões), é particularmente importante que o Estado seja interventivo e desenvolvimentista. Não somos, portanto, entusiastas da ideia de que “quanto menos Estado melhor” e, muito menos, de que o mercado “tem uma magia que tudo resolve de forma mais eficiente, conseguindo até ser mais equilibrada e mais justa”...
Mas, apesar de tudo isto, uma pergunta nos apoquenta (mesmo se insistentemente temos vindo a defender que o Estado devia fazer isto, aquilo e mais ainda…): –Quão realista é a expectativa de que o nosso Estado possa assumir as suas responsabilidades, cumprindo com as suas tarefas fundamentaise a missão que a Constituição lhe confere?
Olhando para o estado em que o Estado está, tomando em consideração as práticas que o caracterizam, as redes de cumplicidades que o gangrenam e sustentam o clientelismo, o tipo de motivações que anima os seus funcionários e responsáveis, a acomodação e o baixo nível organizativo – para mencionar apenas alguns dos aspectos que nos ajudam a responder à questão – não é difícil concluir que não se pode esperar muito mais do que o Estado tem feito e do que a temos visto…
Reflectindo um pouco mais sobre o assunto, verificamos que não há uma resposta simples. Mas de algo, no entanto, estamos seguros: a exigência, o controlo – tanto o auto, como o exercido por mecanismos independentes – e o contra poder, usados de forma construtiva e rigorosa, constituem um indispensável estimulante para o melhor funcionamento das instituições.
Disputas de interesses e diferenças de visões sobre o que é melhor para o país sempre existirão e requerem algum mecanismo para as arbitrar... sem arbitrariedade.
Será demasiado exigir que os que controlam e gerem o aparelho do Estado se entendam com os que aspiram a tal controlo, pelo menos sobre princípios mínimos e regras básicas?
É preciso que o Estado seja um conjunto de instituições nas quais se possa ter confiança, capazes de clarificar as diferenças, aos olhos de todos, e dirimi-las. A Constituição, os tribunais, os processos eleitorais, a Imprensa são – cada um à sua maneira – instrumentos, espaços e mecanismos de que já dispomos e que poderão permitir uma tal regulação. Como dotar essas instituições de pessoas capazes e isentas?
O Estado é o reflexo do país que vamos conseguindo ser. Enquanto não tivermos as instituições fortes, integradas por servidores suficientemente competentes, íntegros e capazes de se afirmar, todos devemos (incluindo os partidos políticos e os que dirigem o aparelho estatal – o Executivo) respeitar e reforçar aqueles instrumentos e mecanismos.
Não será essa a principal exigência, em relação à qual não deveríamos fazer concessões? Até porque se o Estado, e todos nós, falharmos este desígnio, o mais provável é que o aparelho estatal se mantenha vulnerável e subserviente a interesses que continuarão a prejudicar o seu desempenho em todas as suas outras funções.
Em determinada altura existiu a sensação (velha e permanente esperança) de estarmos a entrar num ciclo novo a partir da liderança governamental, com sinais de uma atitude diferente, que encorajava a crítica e o pensamento independente, sinais de mudança no funcionamento das instituições (que se libertariam da canga da tutela partidária), e de se acabar com endeusamento dos líderes pretensamente clarividentes… Chegou-se até a perceber as cores e os odores de uma “primavera” na comunicação social pública!
Parecia estarmos, como país, a começar uma fase da qual todos sairíamos empoderados. Comparável à explosão de esperança trazida pela abertura permitida pelo fim da guerra civil e pela instalação do multipartidarismo nos anos 1990 por via da 2.ª Constituição. Esperança que tão rapidamente perdemos com o recusar dos resultados eleitorais de 1992 e o retomar da guerra. Uma vez mais, sentimos que o país está na mesma fatídica encruzilhada: a de podermos dar um salto qualitativo, se houver a coragem e o patriotismo para romper – realmente – com o que já estava e continua mal. E resistir ao apelo (que às vezes parece irresistível) de ter como meta a perpetuação – ou o alcance – do poder sem olhar a meios.
Só ganharemos um Estado para todos, quando nos sentirmos um Estado de todos.para todos servir. É incontornável que o Estado nunca será mais do que aquilo que dele conseguirmos fazer… E a qualidade dos ingredientes – nós próprios! – é a base do que ele poderá oferecer. É, pois, caso para perguntar: quanto deveremos esperar de cada um e de todos nós?
*Académico angolano independente
Só ganharemos um Estado para todos, quando nos sentirmos um Estado de todos.para todos servir. É incontornável que o Estado nunca será mais do que aquilo que dele conseguirmos fazer… E a qualidade dos ingredientes – nós próprios! – é a base do que ele poderá oferecer. É, pois, caso para perguntar: quanto deveremos esperar de cada um e de todos nós?