Jornal de Angola

A luta pelo sonho de ser artista

Jovem pretende criar uma escola de artes, mas as dificuldad­es extremas com que se defronta têm adiado este objectivo

- Rui Ramos

Olávio Sérgio Menezes Bumba nasceu no dia 17 de Março de 2001, no município de Viana, em Luanda. O pai é do Cuanza-sul e a mãe de Malanje, daí ter origens mistas.

Desde cedo, Olávio começou a ser consciente da realidade que o cercava. Por isso, enquanto criança, via que o seu lugar não era ao lado de quem estava bem, pois, sentia a dor dos outros e não gostava de magoar ninguém.

Olávio recorda-se de aos seis anos ter sido uma criança muito tímida e incompreen­dida, por ser diferente e humilde. “Quando estudei a 3ª classe, em 2009, por essa minha timidez, só consegui falar com os colegas no último dia de aulas”.

Detentor de dom artístico, Olávio já desenhava às escondidas aos oito anos. Por medo de ser visto, pintava às escondidas. Mas, nos estudos, o rapaz sempre foi, igualmente, dedicado.

“Lembro-me de, em 2009, a minha mãe, quando conseguiu o seu primeiro emprego, ter adoptado um método de ensino em que, depois do trabalho, às 18h00, fazia o jantar e, às 20h00, antes de comermos, ela abria o nosso livro de português, para o meu irmão mais velho e eu lermos um texto. Quem não conseguia apanhava”.

“Maria das dores” é o nome do chicote que ela usava. O irmão mais crescido lia sempre bem e não apanhava. “Ele tinha jeito para a língua”, refere, para avançar que, nessa altura, o pai viajava pelas províncias da Lunda-norte, Lunda-sul, Cuanza-norte e Cuanza-sul, onde fazia negócios para pôr comida em casa.

O pai viajava muito, o que terá motivado a ter filhos com outras mulheres. Mas, seguia, mesmo à distância, a educação de Olávio.

Aos oito anos, um dia Olávio foi descalço para a escola porque a tira do chinelo tinha rebentado. “Quando apareciam colegas, eu enfiava os pés de qualquer maneira, queria mostrar que era aplicado”.

Olávio recorda os chicotes da professora, em 2010, na 4ª classe. “Eu ainda não sabia ler, eu só ligava aos desenhos e ficava a desenhar em todas as aulas. Tive muita dificuldad­e com a Língua Portuguesa, aliás, ainda luto para vencer esta dificuldad­e”.

No meio do ano, uma menina muito linda, chamada Rosa, fora transferid­a para a sala de Olávio. Um dia, o rapaz chegou atrasado e a professora colocou-o de castigo, sentado no chão durante toda a aula, juntamente com a rapariga.

“Tirei o meu caderno e comecei a desenhá-la. Ela espreitou, sorriu e fez-me um elogio, dizendo que eu desenhava ‘bué’, e eu agradeci em voz baixa e com muita vergonha”.

Olávio só queria desenhar e pintar. Não atinava com a Língua Portuguesa. A professora punha-o sempre um aluno em pé para fazer a leitura. “Quando fosse a minha vez, eu não conseguia e apanhava umas chicotadas”.

Num certo dia, ele, mais uma vez, não pude ler e, quando a professora disselhe que não aprendia nunca, toda a sala riu-se dele. “Voltei para casa triste, comecei a esforçar-me e, depois das avaliações e provas passarem, eu comecei a soletrar melhor que muitos colegas”.

O desafio da leitura foi quase vencido. Mas, Olávio começou a ter mais dificuldad­es nos estudos, depois de terminar o 1º ciclo, em 2015. “O meu certificad­o só me foi dado no meio do ano e não consegui os documentos para a inscrição”.

Em 2017, tinha todos os documentos e foi fazer a inscrição ao IMIL (Makarenko) e na Escola Neves e Sousa, mas o nome não saiu, porque o tinham dito que não haviam vagas, quando no portão da instituiçã­o estava escrito o contrário.

Olávio era um jovem de 16 anos e ficou fora da escola por mais de um ano. “Eu pensava: será que vou virar marginal? Estive inseguro”.

Depois conseguiu entrar numa escola que funcionava numa unidade policial, na Maianga. E, fez o ensino médio sob dificuldad­es extremas, sem dinheiro para o transporte, muitas vezes com fome. Nessa caminhada, conta que chegaram a encerrar a escola no quartel da Polícia e foi transferid­o para o Instituto Médio Garcia Neto, onde fez o curso de Ciências Biológicas e Humanas.

Sempre que conseguia um serviço de pintura, Olávio fazia-o com muito amor e esse dinheiro servia para ajudar a mãe e a pagar a escola. Em 2019, conseguiu arrecadar alguns valores e pagou o certificad­o do ensino médio.

“Não quis parar por aí, tendo em conta que a minha mãe dizia-me para não depender só da arte, mas eu, cabeça dura com a paixão, decidi inscrever-me no ISART (Instituto Superior de Artes)”.

Estava sem dinheiro para pagar a inscrição e, por isso, logo que apareceu um serviço de pintura em paredes, fê-lo, conseguiu o dinheiro, pagou a inscrição e o transporte para ir à faculdade inscrever-se.

“Estou prestes a fazer a faculdade e, no ramo das artes, consegui realizar o meu sonho. Acredito que chegará a hora de abrir uma escola de desenho, onde almejo ter 30 a 40 alunos”, remata.

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CEDIDA Olávio Bumba é um jovem apaixonado pela arte de pintar
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