Patrick Gardiner e as “Teorias da História”
Hoje trago este texto ensaístico. Trata-se de um conspecto sobre a obra “Teorias da História” da autoria de Patrick Lancaster Gardiner (1922-1997), que foi professor de Filosofia em algumas instituições universitárias britânicas. Na realidade, Patrick Lancaster Gardiner debruçou-se sobre a interpretação do processo histórico e a identificação da natureza do conhecimento histórico com base nas ideias de alguns pensadores. Por isso, apresentou algumas ideias críticas sobre as teorias clássicas da história e a respeito da explicação histórica. Desta maneira, este texto apresenta questões relativas a filosofia da história e ao conhecimento histórico
As reflexões de Patrick Gardiner sobre a interpretação do processo histórico são esboçadas com base nas ideias de pensadores, filósofos, historiadores e autores de nomeada. Nesse leque de personalidades constam Giambattista Vico, Immanuel Kant, Johann Gottfried Herder, Antoine Nicolas Condorcet, G. W. F. Hegel, Augusto Comte, John Stuart Mill, Henry Thomas Buckle, Karl Marx, Georgi Plekhanov, Leão Tolstoi, Oswald Spengler, Arnold Toynbee, Wilhelm Dilthey, Benedetto Croce, Karl Mannheim e R. G. Collingwood. A selecção desse naipe de individualidades atesta que o processo histórico, ao longo dos tempos, tem vindo a ser interpretado de múltiplas maneiras. Além do mais, é indispensável ter bem presente as ideias dessas personalidades quando se coloca a questão de se fazer a interpretação do processo histórico.
Apesar da multiplicidade de pontos de vista, há que mergulhar nas ideias desses pensadores e reter o essencial para uma compreensão multifacetada do próprio processo histórico. Para compreender o processo relativo às novas interpretações do processo histórico, é essencial valorizar as mudanças operadas na Europa no século XVII. No período em referência, mudanças e choques de ideias tiveram lugar na Europa. E foi isso que deu lugar às novas formas de pensar e de interpretar o processo histórico.
A emergência de outra mentalidade sobre o entendimento dos processos societários, com destaque para a organização social, conduziu inevitavelmente à produção de uma teoria social explicativa, descritiva e prescritiva. Nessas circunstâncias, com base na produção filosófica dos pensadores do século XVII, emergiram a especulação e a teorização históricas nos séculos XVIII e XIX. Mas essa perspectiva histórica destinou-se a entender que a história não se resumia a um agregado de acontecimentos, bem como a explicar que esses factos históricos não tinham lugar devido ao acaso e às eventualidades da vida.
A nova perspectiva negou a ideia da “crença apocalíptica” e valorizou muito mais a “crença prática”. Também colocou de lado a ideia de modelos artificiais para entender os processos históricos e abandonou a ideia de se querer estudar as questões históricas com métodos e preconceitos das ciências da natureza. Partindo destas e de outras considerações, Patrick Gardiner destaca, em forma de advertência, que “é, de facto, enganador falar como se existisse um único ramo de estudo chamado ‘A Filosofia da História’, ao qual vários pensadores, em épocas diferentes, tivessem dado a sua contribuição”. No fim de contas, as novas posturas procuraram sobretudo explicar que era possível encontrar um “modelo coerente”, “técnicas científicas e métodos particulares” para investigar e explicar as coisas do passado. Assim surgiu a força propulsora das teorias da história.
Apesar dos esforços desses pensadoresdemodoaclarificar certos aspectos no domínio da história, Patrick Gardiner destaca que duas perspectivas distintas relevaram-se no domínio da filosofia da história. Uma voltada para a especulação e a sistematização e outra dirigida para a análise das categorias e terminologias históricas. Assim há que entender, por exemplo, alguns pontos de vista relativos a interpretação do processo histórico.
Nesse sentido, uma das contribuições é do pensador Giambattista Vico devido à sua obra “A Ciência Nova”. A sua contribuição tem que ver com a “teoria cíclica da história” porque as nações possuem fases de desenvolvimento e a natureza humana só pode ser compreendida pela história. Ou seja, a história é o resultado das manifestações da própria natureza humana e ela não pode ser construída de maneira artificial. A história tem de ser interpretada desse modo, porque ela é mutável. Além do mais, varia de período em período e resulta das “manifestações do espírito humano”.
Giambattista Vico também considerou que a história, para ser compreendida, exige imaginação, discernimento e espírito crítico, para que as fontes e as provas históricas se tornem transparentes. A compreensão histórica exige entender também que a vida das nações passa por diferentes fases de desenvolvimento e que a explicação sobre os acontecimentos históricos está expressa na própria conduta humana. Logo, isso não sucede devido a qualquer força transcendental.
Outro contributo do ponto de vista da interpretação do processo histórico é, entretanto, do filosófo Immanuel Kant. Este pensador era um filosófo por excelência e debruçou-se a estudar as questões históricas. Tendo escrito a obra: “A Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita”. Immanuel Kant partia do princípio que os actos humanos e os fenómenos da natureza eram regidos por “leis de carácter universal”. E, segundo ele, a tarefa central da história era encontrar explicações para os actos humanos individuais e colectivos. Entretanto, Immanuel Kant desenvolveu um conjunto de preposições explicativas sobre as leis da natureza e o homem, tecendo, para o efeito, explicações sobre as suas acções. Apesar disso, ele só aborda as questões históricas na sua “nona preposição”, onde coloca a ideia da vantagem de se estabelecer uma história universal na perpectiva do aperfeiçoamento da espécie humana.
Verdade e juízos claros
De seguida surge Joahann Gottfried Herder, pensador alemão, que se dedicou às causas religiosas e tratou de questões filosóficas, históricas, teológicas e linguísticas. A abordagem de Joahann Gottfried Herder, do ponto de vista histórico, é encaminhada no sentido de estabelecer a ruptura com alguns entendimentos sobre o processo histórico, nomeadamente a ideia de se querer estabelecer um “padrão uniforme” para os diferentes processos históricos e de se querer fazer a leitura das “idades passadas” à luz dos pontos de vista contemporâneos. Para ele, o ponto mais sublime da história são a “variedade e a individualidade” histórica de cada nação e povo. Também Joahann Gottfried Herder entendia que a história não tem nada que ver com manisfestações de certas “caractéristicas da natureza humana” nem tão-pouco ela se resume à ideia de aprender lições e evitar erros. Apesar disto, também entendia a história como uma escola no sentido de aperfeiçoar o devir.
No contexto da presente reflexão há que considerar que os acontecimentos históricos encontram-se associados às forças vivas e às suas especificidades. Significa dizer que há um conjunto de factores que directa ou indirectamente marcam a individualidade dos povos, dos Estados e das nações, bem como esses influenciam sobremaneira as suas condutas e acções. Por isso, eles determinam a marcha dos acontecimentos históricos. Também é importante reter que a narrativa histórica deve assentar sobre a verdade e sobre concepções e juízos claros, bem como há que explicar como as coisas se passaram. Outro aspecto importante é que a narrativa histórica não pode basearse de maneira nenhuma em crenças mágicas.
Nessa perspectiva, a “história é a ciência daquilo que é e não a ciência daquilo que poderia porventura ser, de acordo com os desígnios ocultos do destino”. Outro aspecto importante, no domínio do processo histórico, é que tudo possui um carácter transitório. Na história tudo é transitório. É assim que devemos entender a história dos povos ao longo dos tempos. Neste percurso no sentido de nós entendermos o processo histórico também despontou Antoine-nicolas Condorcet, que era um filosófo e matemático francês. Como erudito, produziu a obra “Esboço para um Quadro Histórico do Progresso do Espírito Humano”. Ele entendia a história como o registo de acontecimentos e desenvolvimentos, mas que devem ser compreendidos e avaliados.
Outro aspecto importante é que o processo histórico ensina a destruir o erro e as forças que desejam manter a errância como um modo de vida. Este aspecto é um traço intrínseco ao processo histórico. Condorcet valorizou as grandes massas humanas no processo histórico, em detrimento de figuras proeminentes. Prosseguindo, Friedrich Hegel também merece destaque. Ele foi professor de Filosofia na Alemanha e contribuiu sobremaneira para as questões filosóficas e da teoria social e política. Tanto mais que ele entendia a “realidade como um processo evolutivo e dinâmico”. Friedrich Hegel entendia a história como o “desenvolvimento progressivo em direcção à realização de um certo alvo aprovado”.
Nessa linha de pensamento, Friedrich Hegel considerou a nação como o elemento propulsor do desenvolvimento histórico, partindo dos aspectos idiossincráticos de cada nação de forma concreta. A par do lugar da nação no progresso histórico, os indivíduos também ocupam um lugar, mas as suas acções “devem ser julgadas dentro do contexto histórico”. Na interpretação do processo histórico e na análise do lugar dos indivíduos nessa situação, Hegel dá destaque a uma categoria de indivíduos, os quais apelidou de “indivíduos históricos-cósmicos”. À volta deste tipo de personagens, Hegel tece considerações muito específicas. Aliás, no mundo contemporâneo, já não existem tais personalidades, apesar da apetência de uns quantos.
Ainda assim, nas suas reflexões filosóficas, Friedrich Hegel colocou em destaque o problema da natureza do fim da história. O fim da história é o Estado devido às suas responsabilidades acrescidas no domínio das liberdades humanas. O Estado é responsável pela moralidade, concedendo espaço aos seus cidadãos para participarem “numa vida social e política justa e moral”. Partindo dessa perspectiva do Estado como o fim da história, Patrick Gardiner destaca o seguinte: “O Estado, as suas leis, os seus planos, constituem os direitos dos seus membros; as suas características naturais, as suas montanhas, ar e águas, são o seu país, a sua pátria, a sua propriedade material externa; a história deste Estado, os seus feitos; o que os seus antepassados realizaram pertence-lhes e vive na memória.”
Vimos, com base na obra de Patrick Gardiner, alguns pontos de vista de uns quantos pensadores sobre os processos históricos. Mas também é preciso reter que há outras perspectivas relativas aos processos históricos. No fim de contas, todas as contribuições são ricas e de elevado valor.
* Historiador