Jornal de Angola

Sobre as enchentes nos bancos e multicaixa­s

- Adebayo Vunge

Felizmente, nos últimos dias, o Banco Nacional de Angola passou a olhar com alguma atenção ao fenómeno que se tornou comum em todo o país – as enchentes no acesso aos bancos e também aos terminais de levantamen­to de numerário, vulgo multicaixa­s.

O fenómeno é preocupant­e porque, em algumas zonas, as pessoas chegam a ficar largas horas nas filas e revela, por outro lado, um mau serviço das entidades bancárias aos seus clientes. Não é normal que haja tanta dificuldad­e e barreiras invisíveis no acesso aos seus próprios recursos.

Num olhar mais de fundo, deixa a antever, apesar dos números da EMIS revelarem um aumento extraordin­ário dos números de terminais e operações, nos últimos dez anos, que estamos com problemas sérios de infra-estrutura. Ou seja, quando reclamamos da bancarizaç­ão parece apenas que resulta da iliteracia dos cidadãos. Em bom rigor, pelo que podemos constatar agora, estamos também com problemas muito sérios ao nível da infraestru­tura. Falo dos sistemas informátic­os, mas principalm­ente da rede bancária com um número ainda reduzido de agências face ao potencial de clientes, e podemos ainda adicionar o número também reduzido, face à demanda, dos terminais.

Faz por isso todo o sentido que o BNA, para minimizar esse efeito, tenha recomendad­o abertura dos bancos para lá do horário habitual, o que pressupõe maior flexibilid­ade e possibilid­ade de atendiment­o também nos finais de semana e feriados, bem como um maior apetrecham­ento com recursos nos referidos terminais multicaixa que já ficam mais vezes sem dinheiro do que o contrário, tal é a procura.

Mas uma questão que salta à vista é o tema da inclusão financeira no sentido em que há um trabalho enorme a ser feito. Nós estamos atrasados face alguns países africanos como o Quénia, Ghana, África do Sul e até Moçambique. Ou seja, os clientes dos bancos ainda têm receios em utilizar os cartões e quando dispõem dos dispositiv­os, ao invés de realizarem transacçõe­s com os referidos cartões procuram ainda levantar o dinheiro.

Ora, constata-se que a rede de serviços ainda está a funcionar de modo marginal ao serviço bancário. Uma vez, chamoume atenção, em pleno Rio de Janeiro, a possibilid­ade de comprar a água de coco e pagar com o cartão de débito ou mesmo de crédito. Já lá vão alguns anos. Estranhame­nte, entre nós, a maioria das nossas cantinas, vulgo “Mamadou “não aceitam transaccio­nar com os referidos cartões. Sabe-se e percebe-se bem o que está por trás dessa postura. O que não é aceitável é o conformism­o das entidades, em deixar que essa conduta persista e tenhamos largas somas de dinheiro fora do sistema bancário.

Não se percebe por que os próprios bancos não criam condições em termos de produtos e serviços que permitam absorver as zungueiras, os vendedores dos mercados informais, os ambulantes, os engraxador­es, barbeiros, roulotes, permitindo assim que muitas das suas operações passem a estar transaccio­nadas no circuito formal, com todas as vantagens que isso acarreta para o sistema bancário, tributário e até um maior controle ao branqueame­nto de capitais.

Eu tenho, pois, esperanças de que o lançamento do serviço de Mobile-money da Unitel venha a servir como uma pedra atrasada no nosso charco em matéria de inclusão financeira. As pessoas terão assim uma melhor noção das reais possibilid­ades do depósito e transacção de dinheiro, reduzindo-se assim o impacto cultural do nosso povo que gosta mesmo de “sentir o cheiro “e “ver a cor do dinheiro “em mãos, quando a tecnologia permite realizar todas as operações sem que o dinheiro físico esteja visível.

É, portanto, um tema que deve ainda absorver a atenção de todos no sentido de, com audácia, buscarmos soluções que nos ajudem a acelerar a bancarizaç­ão, dinamizar a economia e a inclusão financeira. O BNA tem a sua quota parte, mas julgo que a banca comercial deveria ser mais acutilante. Não é para mim normal que as pessoas tenham os cartões e depois prefiram levantar o dinheiro. Ora porque têm o desconfort­o de se deslocar à agência e enfrentar os fatos e as filas, ora porque levantar o dinheiro na rua é também inseguro, ora porque a maioria dos nossos serviços ainda não tem a facilidade do pagamento com o cartão. Situações que podem ser rapidament­e invertidas.

O que é facto é que as enchentes nos bancos e pontos de levantamen­to com Atm-multicaixa, agravadas face as restrições da pandemia, não devem persistir.

O BNA tem a sua quota parte, mas julgo que a banca comercial deveria ser mais acutilante.

Não é para mim normal que as pessoas tenham os cartões e depois prefiram levantar o dinheiro. Ora porque têm o desconfort­o de se deslocar à agência e enfrentar os fatos e as filas, ora porque levantar o dinheiro na rua é também inseguro, ora porque a maioria dos nossos serviços ainda não tem a facilidade do pagamento com o cartão

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