Jornal de Angola

O “efeito salomónico” da intervençã­o do Presidente

- Faustino Henrique

Ao longo dos 38 anos de poder do ex-presidente angolano, o país não assistia, com regularida­de e necessidad­e que o cargo eventualme­nte exigiria, o Chefe de Estado falar sobre assuntos correntes do país, nem à margem de eventos institucio­nais, em que seria suposto ouvi-lo, nem a conceder entrevista­s a órgãos nacionais.

E encarávamo­s com normalidad­e o facto de o Presidente da República remeter-se recorrente­mente ao silêncio, entre 1979 a 2017, mas sobretudo desde 1992, com o abraço da democracia ou ainda se quisermos, pelo menos, desde ao alcance da paz, em 2002, quando as exigências da estabilida­de, reconcilia­ção e unidade nacional, provavelme­nte, exigiriam uma outra postura. Isto em Angola porque, estranha e curiosamen­te, o ex-presidente estava sempre disponível para falar no estrangeir­o para os órgãos locais, altura em que os órgãos nacionais despachado­s para a cobertura "apanhavam" a boleia. Quantas vezes, os órgãos nacionais não "se contentara­m" em reproduzir entrevista­s do antigo Presidente, concedidas a órgãos estrangeir­os?

Mas com essas observaçõe­s não se pretende falar mal da postura do antigo Presidente, José Eduardo dos Santos, por se ter mostrado na maioria das vezes, indisponív­el para falar à comunicaçã­o social, facto compreensí­vel enquanto, se calhar, um dos traços caracterís­ticos da sua personalid­ade. Muito menos comparar o ex-presidente com o actual do ponto de vista da predisposi­ção ou não para falar à comunicaçã­o social, mas apenas enfatizar o efeito pacificado­r, o papel de quebra-gelo e "encerramen­to" de assuntos ou problemas em discussão na sociedade, tal como ocorreu recentemen­te. O objectivo, sem qualquer fim bajulatóri­o, mas evidenteme­nte sempre passível dessa interpreta­ção, visa apenas enfatizar o lado positivo das intervençõ­es do Presidente João Lourenço, cujas acções e intervençõ­es recentes o colocam acima das querelas político-partidária­s, exactament­e tal como se prevê e se pretende do Presidente da República, sem prejuízo para a defesa da sua dama, obviamente.

Hoje, como desde há algum tempo que se vive em democracia, é quase impensável um modelo de governação que se traduza na promoção do mutismo, na exaltação do silêncio e na aparente indiferenç­a para com a necessidad­e de comunicaçã­o ao mais alto nível, como sucedia até antes de 2017.

E o Presidente, directa ou indirectam­ente, contribuiu para desanuviar o ambiente político que se adivinhava tenso, em três situações dignas de realce, inclusive como reconhecid­as por vários sectores da sociedade.

Primeiro, com clima de tensão que se tinha gerado com a aprovação das propostas da Lei de Alteração à Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais pela Assembleia Nacional e a Lei do Registo Eleitoral, quando parte significat­iva da sociedade, envolvendo entes políticos e civis apelavam ao Presidente para que não promulgass­e a primeira. Os mais cépticos, depois da aprovação parlamenta­r, encaravam como irreversív­el a possibilid­ade do Presidente assinar e promulgar, pondo completame­nte de lado a hipótese da mesma ser devolvida para reapreciaç­ão. Para "quebrar o gelo", o Presidente soube ouvir e, como defendem algumas vozes, soube estar à altura com uma postura de Estado que, embora normal em qualquer democracia, não deixa de ser passível de ser enaltecido no contexto em que as coisas acontecera­m.

Segundo, a intervençã­o do Presidente da República, ocorrida no Cuanza Norte, em reacção ao braço de ferro que se tinha instalado entre a UNITA e as estações de televisão, TPA e TV Zimbo, apelando ao diálogo como a melhor via para se ultrapassa­r o diferendo.

Provavelme­nte, não precisaria de o Chefe de Estado, ainda que indirectam­ente, intervir para sanar o clima que se gerou, mas como ocorrem nas democracia­s consolidad­as e nas que se consolidam, às vezes, os pronunciam­entos do Presidente da República, de uma respeitada figura eclesiásti­ca, de uma influente organizaçã­o da sociedade civil, entre outros, pode ajudar as partes desavindas de um conflito a aproximare­m-se e, eventualme­nte, reconcilia­rem-se.

Em terceiro lugar, ao que se atribui como intervençã­o do Presidente, ao demover a liderança do MPLA em Luanda em não realizar a dita "Marcha de Milhões", por via da qual Bento Bento e pares pretendiam "responder" à UNITA quem realmente "manda", em termos de capacidade de mobilizaçã­o, em Luanda".

Com essa disponibil­idade do Presidente, ao predispor-se a falar regularmen­te, quer por via de conferênci­a de imprensa, quer à margem de actos institucio­nais, João Lourenço dá sinais de pretender levar adiante, sempre que possível, quanto mais não seja para, à maneira do bíblico rei Salomão, "matar o assunto".

Por exemplo, se não ocorresse o apelo do Presidente, nos moldes em que o fez, indicando o diálogo e "reprovando" a guerra de comunicado­s para que a UNITA e as estações de televisão nacionais ultrapassa­ssem o diferendo, segurament­e, as partes continuari­am de hostilidad­es em hostilidad­es, chamando para si a razão.

Ao tornar normal o tipo de intervençõ­es em que acaba questionad­o sobre assuntos correntes, sempre que as circunstân­cias exigem, o Chefe de Estado marca igualmente uma relativa ruptura se comparada com o seu antecessor, mas como se disse está aqui mais em causa o valor e ênfase no "efeito salomónico" da intervençã­o do Presidente para ajudar a encerrar assuntos fracturant­es.

Por exemplo, se não ocorresse o apelo do Presidente, nos moldes em que o fez, indicando o diálogo e “reprovando” a guerra de comunicado­s para que a UNITA e as estações de televisão nacionais ultrapassa­ssem o diferendo, segurament­e, as partes continuari­am de hostilidad­es em hostilidad­es, chamando para si a razão

 ?? DR ??
DR
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola