JOÃO MELO
A propósito da Guiné Conacry
Três semanas após o golpe de Estado militar que depôs o Presidente da Guiné Conakry, Alpha Condé, a situação no referido país continua indefinida. Mas o facto de as outras nações africanas parecerem ter, em geral, “digerido” o referido golpe é um mau sinal. Será que a era dos golpes militares estará a retornar à África?
Comecemos pelos factos. No dia cinco de Setembro deste ano, Alpha Condé foi destituído pelo Agrupamento de Forças Especiais (GFS, em francês), alegadamente por tentar introduzir uma emenda constitucional que lhe permitiria disputar um terceiro mandato presidencial. A pretensão é considerada inconstitucional por amplos sectores da sociedade guineense.
Na verdade, essa história do terceiro mandato é comum a muitos países africanos e, de um modo geral, tem sido recebida de maneira negativa, quer interna quer externamente. Mas, por vezes, a chamada “comunidade internacional” acolhe-a com condescendência, como aconteceu com o Rwanda, país governado por um “déspota esclarecido”, considerado por todos um bom aluno do receituário Ocidental em geral. Isso não aconteceu com a Guiné Conakry. Anote-se uma ironia particular: a força militar que derrubou Alpha Condé foi criada por ele próprio em 2018.
A comunidade africana oficial, digamos assim, ou seja, a União Africana e a Comunidade dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), de que a Guiné Conakry faz parte, começou por cumprir o papel que, formalmente, lhes compete, condenando o golpe militar de cinco de Setembro. Mas o xinguilamento foi breve. Três semanas depois, os líderes africanos parecem, como escreve o Le Monde, “aceitar que Alpha Condé tenha sido deposto, mas não que continue detido”.
Seja como for, o futuro próximo da Guiné Conakry – um dos “escândalos geológicos” do continente africano e do mundo - está longe de ser claro. As instituições e os líderes africanos exigem aos militares a realização de eleições no país dentro de seis meses, mas, até agora, a resposta dos mesmos tem sido ambígua. Alpha Condé insiste em reassumir as suas funções, mas, seja interna seja externamente, são poucos os que apoiam a sua pretensão.
Os guineenses estão divididos. Enquanto o Presidente deposto continua a gozar de uma certa popularidade, sobretudo nas áreas rurais, alguns defendem que ele deve ser julgado pelos tribunais locais, por causa da corrupção e dos crimes contra os direitos humanos que terão sido cometidos desde 2010, quando ele assumiu o poder – ao invés de, como outros aventam, ser mandado simplesmente para o exílio.
“É preciso respeitar a sua vida, a sua dignidade e a sua honra”, disse à RFI o escritor guineense Tierno Monénembo. De lembrar que Condé, actualmente com 83 anos, é um verdadeiro animal político, tendo, ao longo da sua vida, sofrido várias prisões, além de ter sido condenado à morte e vivido no exílio. “Ele sabe o que é resistir”, disse ao Le Monde um dos seus colaboradores.
Resta perguntar: a pretensão de Alpha Condé de disputar um terceiro mandato presidencial à revelia da constituição é mesmo a única razão para o golpe que o depôs? Outras fontes citam o diferendo entre o seu Governo e o empresário francoisraelita Beny Steinmetz a propósito da concessão mineira de Simandou, rica em ferro, adquirida a preço de banana durante o período do presidente Lansana Conté, que Alpha Condé substituiu, há pouco mais de dez anos. O ex-presidente Nicolas Sarkozy trabalha actualmente como lobista de Steinmetz e esteve em Conakry um mês antes do golpe.
O que foi lá fazer?
Os guineenses estão divididos. Enquanto o Presidente deposto continua a gozar de uma certa popularidade, sobretudo nas áreas rurais, alguns defendem que ele deve ser julgado pelos tribunais locais, por causa da corrupção e dos crimes contra os direitos humanos que terão sido cometidos desde 2010, quando ele assumiu o poder – ao invés de, como outros aventam, ser mandado simplesmente para o exílio.