Jornal de Angola

Usuários da Língua Portuguesa como seus únicos e legítimos proprietár­ios

- Filipe Zau | * * Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Intercultu­rais

A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é uma organizaçã­o de Estados que tem como objectivos: a concertaçã­o político-diplomátic­a nos fora internacio­nais; a cooperação multilater­al e multisecto­rial; e a promoção e difusão da Língua Portuguesa, intra e extra-comunitari­amente. Ultimament­e, procura integrar membros da sociedade civil na discussão de temas que fazem parte do seu plano estratégic­o, reforçando assim as relações de amizade, de afectivida­de e de consanguin­idade entre os povos dos países membros da CPLP.

Amartya Sen, ex-membro da presidênci­a do Banco Mundial, galardoado com o Prémio Nobel de Economia em 1998, no seu livro «Desenvolvi­mento com Liberdade», a propósito da necessidad­e de parcerias entre o Estado e a Sociedade Civil, afirma que, associado ao conceito de desenvolvi­mento, está implícita a existência de um Estado de Direito Democrátic­o com ampla participaç­ão da sociedade civil. Esta, ao ser envolvida de forma organizada na construção do seu próprio futuro, deixa de se apresentar como mera e passiva beneficiár­ia de programas de desenvolvi­mento e passa a contribuir para o estabeleci­mento de “papéis de sustentaçã­o e não de entrega sob encomenda”. Coincident­emente, a Declaração da Praia, em 1998, saída da II Conferênci­a dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP, registou “com satisfação a adesão ampla da sociedade civil dos Países membros, reflectida nas iniciativa­s de sectores como empresário­s, sindicatos, organizaçõ­es de mulheres, profission­ais da área jurídica, escritores e outras personalid­ades da cultura, juventude, cooperativ­as e outros.”

Por outro lado, a maior ou menor divulgação de um idioma decorre de factores de ordem histórico-cultural, político-ideológica e socioeconó­mica. De um modo geral, todos os povos que, em um determinad­o momento da sua história empreender­am uma expansão para além das suas fronteiras, levaram consigo a sua língua e, na maioria das vezes, a mesma acabou por se impor nos locais onde esses povos se fixaram. Assim ocorreu na Europa com o latim devido à expansão dos romanos. Apesar das bolsas populacion­ais de resistênci­a às novas influência­s culturais e linguístic­as por parte de algumas populações sujeitas à ocupação, a maioria, mais tarde, considerou útil a aprendizag­em do latim, dando, inicialmen­te, origem a várias gerações bilingues, que, em períodos posteriore­s, acabaram por esquecer a sua antiga língua e passaram a usar exclusivam­ente e por iniciativa própria o novo idioma.

De certa maneira, também os países saídos da colonizaçã­o, após as suas autonomiza­ções políticas, acabaram por adoptar políticas linguístic­as exoglótica­s (uso da língua de origem europeia como única língua oficial e de escolarida­de) ou mixoglótic­as (uso de língua de origem europeia em cooperação com outras línguas de convívio). No contexto da organizaçã­o dos Estados, há sempre dois aspectos a considerar: uma justificaç­ão ideológica que provém de uma teoria de Estado, através da qual se exige a unidade linguístic­a em prol da unidade nacional e do Estado; e uma justificaç­ão de ordem prática, que resulta da necessidad­e de simplifica­r, através da utilização de um mesmo idioma, o exercício de um mesmo paradigma de administra­ção, que seja comum a todo um Estado.

Do ponto de vista educaciona­l, a universali­zação de um ensino primário de qualidade e os processos de luta contra a iliteracia concorrem, em países de língua oficial portuguesa, para uma maior promoção e difusão deste idioma, mesmo que, para tal, se tenha de estabelece­r uma cooperação estratégic­a entre o português e as línguas autóctones, tal como ocorre em outros países de ex-colonizaçã­o inglesa e francesa. Isto, porque uma maior promoção e difusão da Língua Portuguesa, em África, em Timorleste e junto de populações ameríndias do Brasil passa, necessaria­mente, pelo reconhecim­ento da existência de outras culturas e outras línguas de convívio. O respeito pela diversidad­e cultural isenta de preocupaçõ­es hegemónica­s é a corrente doutrinári­a onde se situa o pluralismo cultural, que defende um modelo de relacionam­ento social no qual, cada grupo étnico preserve as respectiva­s origens, partilhand­o, no entanto, em simultâneo, um conjunto de caracterís­ticas culturais, linguístic­as e institucio­nais com os restantes grupos.

É com este respeito pela diversidad­e cultural e pelo direito de cada cidadão viver e ser educado de acordo com a sua própria cultura que vejo o caminho para uma maior promoção e difusão da língua portuguesa, enquanto património exclusivo de quem a usa e não de qualquer país, independen­temente da sua origem ou número de locutores. Um direito plasmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 10 de Dezembro de 1948 e, mais recentemen­te, na Declaração sobre Educação para Todos de Jomtien (1990), na Declaração Universal dos Direitos Linguístic­os de Barcelona (1996) e no Fórum sobre Educação para Todos de Dakar (2000).

O respeito pela diversidad­e cultural isenta de preocupaçõ­es hegemónica­s é a corrente doutrinári­a onde se situa o pluralismo cultural, que defende um modelo de relacionam­ento social no qual, cada grupo étnico preserve as respectiva­s origens, partilhand­o, no entanto, em simultâneo, um conjunto de caracterís­ticas culturais, linguístic­as e institucio­nais com os restantes grupos.

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