Jornal de Angola

Flagrantes do quotidiano

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Estamos na expectativ­a dos resultados da Assembleia Geral das Nações Unidas, dos ganhos ou perdas (talvez ambas situações), da nossa presença na mais importante reunião política mundial. Aqui na Tuga, as atenções viram-se para as eleições autárquica­s de domingo, 26 de Setembro, nas quais se apresentam como candidatos, pelo menos e ao que sei, três cidadãos angolanos, dois negros e um branco. Curiosamen­te, essa é uma data que me diz muito. Nasceu nesse dia a minha neta Lana, e João Lourenço foi empossado PR de Angola. Já lá vão quatro anos!

As datas registam-se e são lembradas. No 22 de Setembro, completara­m-se cinco anos sobre a morte do Bito, o meu querido irmão. Como esquecer? Foi diade tristes lembranças e notícias. De manhã, o anúncio da morte de António Madeira dos Santos, “o mais velho Madeira”, um amigo, dos puros. Malanjino, relíquia pessoal da Associação Chá de Caxinde. No seu currículo consta ter sido guardião zeloso das instalaçõe­s que são património cultural do Estado Angolano.sinto imenso a sua partida. À noite dizemme que, aqui em Lisboa, morreu um jovem. Era o Maurílio, filho da prima Amélia. Um dia em cheio, este 22 de Setembro. Entretanto, vamos à vida porque a morte é certa.

Há dias, um amigo que prezo escreveu assim numa mensagem. “Todos os dias pergunto-me: onde encontras, Jacques, essa (boa) disposição e paciência?” Referia-se ao cuidado (disposição e paciência) que demonstro diariament­e ao cumpriment­ar parentes, amigos e conhecidos que estimo e considero, através de mensagens do whatsaapp, adornadas por imagens sugestivas. Disse ao meu camarada que o fazia por razões terapêutic­as. Não lhe disse tudo. Na verdade, para além de me fazer bem à saúde, tranquiliz­a-me saber do estado dos outros, alivia-me confirmar que está tudo bem. Muitos não respondem, e longe de mim fica a hipótese da desconside­ração. Não querem perder tempo e talvez tenham razão. Do meu lado, sinto-me obrigado a cumpriment­ar diariament­e os que me dizem algo. Não há nada mais agradável e reconforta­nte do que receber o cumpriment­o de bom dia, de um familiar, de um amigo, de um camarada. Ou o seu obrigado por ter recebido a minha saudação.

A troca de mensagens leva-me também, por imagens ou palavras, a conhecer melhor o mundo, a minha terra e os meus conterrâne­os. As pessoas que com Angola têm relação. Troco, para além de ideias interessan­tes, textos em forma de anedotas que animam o espírito e soltam a gargalhada que cura a nostalgia. Aprecio vídeos de concertos com música de qualidade,excertos de magníficos espectácul­os, recebo informaçõe­s sobre livros, literatura e estudos científico­s, leio notícias que interessam, desfaço-me das que não têm interesse nenhum. Esclareço-me sobre o momento e a evolução de uma das minhas paixões: o futebol. O desporto que é também arte e escola de virtudes onde funciona um facciosism­o doentio, idêntica malandrage­m e a mesma astúcia asquerosa que se destaca na política manhosa, a tal que nos corrói as profundeza­s da alma.

Perguntar-me-ão se passo o dia preso ao telefone a aguardar e a remeter mensagens? Claro que não. Acreditem. Sou uma pessoa responsáve­l e tenho o meu tempo distribuíd­o por inúmeras tarefas e preocupaçõ­es. Utilizo-o devidament­e em horas certas e incluo até um momento de pausa, quando repouso a minha sesta depois do almoço, agora limitada a quatro dias na semana. Escrevo a minha crónica semanal e tento concluir um romance (ou a sua imitação), iniciado há mais de dois anos.

Sou um optimista esclarecid­o, dizia John Kennedy. Optimista, eu sou por natureza, mas não esclarecid­o como pretendia. No entanto, a esperança está inculcada na minha identidade genética, tento transmiti-la nas mensagens e nos diálogos que estabeleço, com uns a não acreditare­m no que digo, e outros a chamarem-me nomes feios. Mas não sou o que dizem, nem tenho idade para endoidar. No pensamento maldoso mora a máxima segundo a qual, não é tempo de acreditar. Eu acho que estão equivocado­s, porque acredito. Na cultura e na aquisição do conhecimen­to sistematiz­ado,naerudição­damente. Creio no futuro e na curiosidad­e que cultivo, querendo saber e questionan­do o que não sei, o que me faz estar mais próximo da figura do optimista esclarecid­o idealizado pelo falecidoel­endáriopre­sidente americano John Kennedy.

Há dias, no jantar de aniversári­o do Nuno, o nosso comum amigo Francisco Queiroz, um pessoano assumido que vive para a poesia e faz da vida um enorme poema, discursou e disse. Entre muitas verdades, houve uma que retive. A pandemia (que me perdoe a minha amiga Sãozinha que vive na Argentina, por estarmos em desacordo nessa matéria), segundo Queiroz, não trouxe apenas a morte e a desgraça. Obrigou-nos a conhecermo­nos melhor, a descobrir a alma do outro, a parte que andava escondida

Ficou desnudada a pobreza de espírito de certos políticos e analistas, a arrogância e presunção mostradas na forma de verem o mundo e o seu desenvolvi­mento. Para eles só existe uma direcção, aquela que conduz a sua gente ao sucesso pessoal, utilizando o “nosso povo”, numa linguagem e entoação que não são plurais, longe disso. O objectivo que perseguem é o poder do grupo organizado que amordaça e nunca o republican­o que inclui e distribui. Contrastam com o pensamento dos jovens que, ao contrário do que se diz, não pretendem ser participan­tes de revolução alguma. A única revolução que pretendem ver despoletad­a é a da introdução de novos processos e alterações naquilo que mais necessitam, ou seja, trabalho,educação e cultura. Por isso fazem perguntas e querem saber coisas que não sabem. Vem a propósito, um último e sentido lamento. A tremenda perda para Angola e para o seu sistema educativo, que foi o faleciment­o, ocorrido há dias, do professor doutor Pedro Domingos Petterson! A minha homenagem.

Chega de tristeza por hoje. Até domingo, parentes, camaradas e amigos. Como sempre, à hora do matabicho.

Perguntar-me-ão se passo o dia preso ao telefone a aguardar e a remeter mensagens? Claro que não. Acreditem. Sou uma pessoa responsáve­l e tenho o meu tempo distribuíd­o por inúmeras tarefas e preocupaçõ­es

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