A volúpia do poder e a eternidade nos cargos
Quando da deslocação do nosso PR aos EUA para participar na AG das Nações Unidas, ouvi pela enésima vez (exagero meu), o Ministro da Energia e Águas a dissertar num encontro com empresários estrangeiros. Falou, mais uma vez, do fantástico plano de electrificação do país. Advirto que me refiro a ele como falaria de outro governante e dos seus projectos. Principalmente dos megalómanos que são suportados por espectaculares campanhas de marketing. Se me fosse permitido, tê-lo-ia abordado à distância. E faria a pergunta já dirigida a mim mesmo um número indeterminado de vezes, com apelos à minha inteligência: onde e quando eu já ouvi do mesmo Ministro aquele arrazoado de ideias engraçadas que, sem ser irónico, me levam a fazer comparações com o tempo da fundação da célebre usina (barragem) brasileira de Paulo Afonso, protagonizando o milagre da luz eléctrica naquelas paragens agrestes, em tempo de luta contra a escuridão nas cidades da região e seus arrabaldes. Muitos anos mais tarde até fizeram música que dizia, se lhe dessem mais um fio, iluminava o
Rio e toda a Nação. Mas esse era o tempo em que se saudava Paulo Viveiros Afonso, o homem que foi dono de uma sesmaria (terra inculta ou abandonada) situada na margem esquerda do grande Rio São Francisco e que, por tudo o que terá feito em prol do desenvolvimento da terra, ganhou nome de cidade e mais tarde da barragem que alimenta ainda de electricidade, suponho, partes da região baiana e alagoana.
Por aqui, com as falhas do “sistema” que nos atrapalha a vida, não vejo quem tenha merecimento de ganhar nome de barragem, muito menos de cidade e, por muito que faça o actual Ministro da Energia e Águas, do meu ponto de vista, jamais conquistará essa honraria. Pelo que se conhece da sua obra, dos pedaços inacabados dos seus projectos, enfim, de tudo o resto que vamos sabendo. Caio em mim ao ver Angola, com todas as suas forças vivas e rejuvenescidas, a nível da política dos gabinetes e da que se introduz na sociedade em pleno século XXI, numa perspectiva em que tudo o que nos rodeia nos parece meio estranho. Até a própria justiça que deveria ser modelo de decência, direito e razão. Salvamse do turbilhão as honrosas excepções, como é evidente. E é nesse quadro que passa por mim o filme dos esquemas da sem-vergonhice. Protagonizado por velhos e novos figurantes. Seguindo essa linha de pensamento, escuso-me a considerar jovem o muito que esta terra tem de velho. Só munido de substancial boa vontade pode ser considerado país em vias de desenvolvimento, próximo da democracia e do Estado de Direito. Custa-me admiti-lo mas, quer do ponto de vista político, quer do social e económico, sinto que as cabeças pensantes envelheceram. Salientam-se apenas as que têm veleidades de tomarem por parva gente experiente e sabedora. Não há consciência de que as pessoas evoluíram e, principalmente nas camadas juvenis, se notam mudanças no conhecimento, nos seus hábitos e costumes. Exemplo flagrante, a virtude de não se deixarem enganar quando se trata de justiça e de abuso. Estão atentos a quem ponha a mão ou meta a unha no erário público. Gritam quando vêm que se engana o próprio Chefe de Estado! Não foi nada disto, o que havíamos combinado, vão conhecendo o significado da frase!
Entretanto, ficam evidentes nas atitudes de neófitos dirigentes a vontade de se agarrarem como lapas aos seus cargos, com um receio incrível de os perderem. A ausência de pedidos de demissão é outro fenómeno. A ineficácia no desempenho e os escândalos que fedem de podre, são a mostra da volúpia do poder, da necessidade de manterem os cargos, do desejo incontrolado de não perder status.
Infelizmente, os maus exemplos abundam e levam a que de um período recente e brilhante de esperança (que continua cintilante no meu espírito) passássemos a um outro enevoado e conspurcado, caminhando sem cuidado para a precipitação no vale da descrença. A realidade é, nesse aspecto, dolorosamente cruel. O meu pensamento em relação à terra, está mais próximo do quadro trágico de um Dilúvio sem Noé, do que da prosperidade da Nação. Porquê? Porque noto a mesma ânsia da acumulação de bens mal ganhos, idêntica gana dos tempos passados, o mesmo afã que distingue os que se apegam doentiamente à riqueza, nunca disponibilizando uma côdea para dividir com o povo, nem sequer ponta de luz das barragens, dos sistemas solares e dos geradores onde se desperdiçam milhões de dólares sem resultados palpáveis. É lamentável que não se consiga descobrir o tal fio que os brasileiros pediram da usina de Paulo Afonso e iluminou, pelo menos, ao que se sabe, parte da grande Nação brasileira.
Aqui, impera o sonho de ser ministro, governador, secretário ou director, administrador, ali onde se mantêm anos a fio na “kigoza”. Alguns desses funcionários pensam que os tais cargos são a sua profissão, não escondendo manifestações ridículas de apego aos cargos que os cegam. Uma vergonha, convenhamos. Longe do entendimento de que há sempre um tempo para viver e um outro para morrer. Nem críticas nem denúncias difíceis de contestar, nem dignidade para o pedido ou a demissão pura que se justifica. Esquecem. Se houvesse réstia de bom senso, excluir-seiam comerciantes e empresários da vida política activa e da acção governativa. Político tem missão diferente da dos homens de negócios, que só vêm dinheiro no seu caminho. O nosso dinheiro devia ser, tem de ser canalizado exclusivamente para o bem comum, da sociedade, do bem-estar das populações.
E por aqui me fico. Cumprimento os meus leitores e amigos, desejando-lhes o melhor desta vida. Previnam-se contra a Covid-19 que está a assustar aí na Banda, mais do que o desejável. Até domingo, à hora do matabicho.
Lisboa, 9 de Outubro de 2021