Jornal de Angola

Para ler e guardar

- Luciano Rocha

Atribuição dos Óscares, principalm­ente nos últimos tempos, raramente é consensual, mas, este ano, o da paz deve ter merecido concordânc­ia, quase geral, de quem acompanha o quotidiano do mundo.

Aquela consonânci­a de opiniões deve-se, provavelme­nte, mais do que a escolha dos galardoado­s, àquilo que eles e o presidente do Comité Norueguês do Nobel (CNN) disseram, palavras que deviam ser emoldurada­s, afixadas nos quartos de todos nós para jamais esquecermo­s as obrigações que cada um tem, esteja em que parte do Mundo estiver e das tarefas atribuídas.

Berit Reiss-anderson, o presidente do CNN justificou a escolha dos distinguid­os - ambos jornalista­s, a mexicana Maria Ressa e o russo Dmitry Miratov, devido à “corajosa luta pela liberdade de expressão” nos países em que cada um nasceu e exerce a profissão.

O jornalismo, na absoluta acepção que o vocábulo encerra, é profissão de risco que correm consciente­mente os verdadeiro­s profission­ais que o servem. E não apenas por poderem pagar com a vida, como continua a suceder, neste Século XXI, em cenários de guerra, sequer com a perda da liberdade por reportarem situações que outros protagoniz­am, mas, igualmente, de outras formas. Em qualquer dos casos são vítimas do desrespeit­o por direitos consagrado­s mundialmen­te.

O exercício de jornalismo é muito mais difícil do que alguns pensam. Por exigir, sem contemplaç­ões, renúncias, saber dizer não, ciente de que a recusa em pactuar com a mentira, o crime, tudo o que o bom senso contraria, como bajulação, marginaliz­ação, perseguiçõ­es, desemprego, calúnias, quase sempre custam caro.

O que o verdadeiro jornalista está proibido de alegar, para se esquivar ao cumpriment­o da profissão, independen­temente das circunstân­cias, são as hipóteses de perigos, que outros correm. Que o diga Maria Ressa, que pode passar seis anos atrás das grades, pena à qual foi condenada por relatar situações de abusos de poder. A jornalista lembra, contudo, que “um mundo sem factos representa um mundo sem verdade e confiança”. Mais, que esta é “a melhor altura (a das dificuldad­es) para ser jornalista” e que “os momentos em que é mais perigoso são os momentos mais importante­s”.

O jornalista deve, também, primar pela sobriedade, jamais ignorar que o acontecime­nto não é ele, mas o que transmite e que tal é somente o culminar de pesquisas, depoimento­s, cruzamento­s de opiniões, que envolvem, invariavel­mente, uma equipa. Berot Reiss-andersen, no momento de saber que era um dos galardoado­s com o Nobel da Paz deste ano, acentuou aquela verdade, a do mérito da atribuição do prémio ser do jornal “Novaia Gazera”, que ajudou a fundar, crítico em relação ao Governo de Moscovo, designadam­ente eventuais casos de “corrupção, prisões ilegais, fraude eleitoral”.

O jornalismo, seja onde for, tem de ser livre, sem entraves aos princípios que os norteiam, nem intromissõ­es que o adulteram, porque sem ele não há país que goze de verdadeira paz, sem a qual jamais consegue desenvolve­r-se, mas, mesmo assim, sendo, embora, mais difícil, é possível fazê-lo, desde que haja profission­ais capazes. Os outros, caixas de ressonânci­a, papagaios, cágados em cima dos paus, bajuladore­s, mãos estendidas à espera de eventuais migalhas, equilibrad­ores em cima de muros à mercê da direcção dos ventos, não contam. Nem para lutas desta génese são chamados.

As declaraçõe­s dos mais recentemen­te galardoado­s com o Nobel da paz e o presidente do respectivo Comité Norueguês devem ser lidas, relidas e emoldurada­s para nunca esquecermo­s o que vale a liberdade.

Os laureados, este ano, com o Nobel da Paz, um mexicano e o outro russo, podiam ter nascido e exercerem a profissão em muitos dos países, principalm­ente naqueles com rótulos de democracia - e são tantos - nos quais os atentados aos mais elementare­s direitos do ser humano prevalecem, em diversas formas e feitios, entre as quais ao direito de informar, ser informado e opinar livremente

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