Nós, e o Mundo (de amanhã)
“Diz só ainda, Apusindo: o país vai melhorar?”
Passam três meses de nos ter chegado esta pergunta, que finalizava o texto da última das “cartas do Morro”. Como responder? Desta vez foi mesmo preciso lá ir...sentíamos que fazia falta tomar distância e altura.
Passados quatro anos do início do que se “esperava” ser uma nova fase da vida política do país, que o desembaraçasse dos entraves que até então o impediam de olhar com responsabilidade para o futuro dos angolanos, a preocupação é enorme.
O debate sobre como se governa e como se faz oposição, tem estado fortemente dominado pela abordagem de questões de curto alcance e de curto prazo.
A necessidade de nos aliviarmos da pressão asfixiante exercida pela rotineira discussão centrada nas jogadas e astúcias dos que se querem manter no poder e dos que o querem tomar, assim como de nos afastarmos do frenesim que caracteriza o 'debate político' e da constante manipulação mediática... levounos ao Morro. Para conseguir ver mais longe e pensar mais vasto.
Desta vez, a carta que encontrámos trazia perguntas e reflexões que, apesar de complexas e difíceis, vieram a calhar, dada a proximidade das novas eleições. E não pudemos deixar de pensar, apreensivos, nas imperfeições e omissões que ainda existem na preparação do processo eleitoral, em termos de regras, procedimentos e definições…
Abrimos a carta...
“Apusindo, um jogo de futebol até pode ajudar a aliviar mas, comoviste, nem no estádio se pode escapar ou fugir à realidade .”
“Pensa bem: porque será que a energia intelectual, as capacidades e as competências que existem na sociedade estão tão reféns da circunstancialidade, e não somos capazes de orientar o debate e as acções para as questões essenciais, que temos a obrigação de ter bem identificadas? “
“É que o tempo vai passando, implacável, e o mundo à nossa volta entrou já numa era(onde as perspectivas de progresso têm de estar associadas às novas realidades sociais globais) que não estamos a acompanhar devidamente e na qual precisamos, como país, de participar.”
“Não será preocupante observar que os desafios do “novo mundo” – a que sempre pertenceremos e do qual dependeremos – requerem que pensemos o país em bases diferentes do que têm sido as condutas políticas e eleitorais que temos praticado?
“Porque não foi priorizada a tarefa de proporcionar a adequada educação à juventude (aproveitando a consolidada paz que vivemos desde 2002) para que pudesse estar hoje em condições – com conhecimento e autonomia de pensamento – de serem actores das transformações que o país necessita, de ajudarem a pensar o país do futuro?
“Não será importante rever a nossa forma de participar (contribuindo e beneficiando) no desenhar dos caminhos colectivos do mundo, numa altura em que se repensam estratégias e geopolíticas que melhor se adequem às mudanças demográficas, climáticas, energéticas e tecnológicas que se acelerarão nos próximos 30 ou 50, nos próximos 100 anos?
“Não será urgente ver mais longe?”
Voltámos a pôr a carta no envelope, aturdidos.
E descemos o morro, impelidos pela necessidade de contribuir a que o debate nacional assente nas questões essenciais que temos de resolver nas próximas décadas (alimentação e segurança alimentar, educação e formação, saúde, habitação, emprego e bem-estar da população, ambiente, harmonização territorial do desenvolvimento, infra-estruturas, etc.).
Regressámos convencidos de que o nosso país pode sim, com certeza, melhorar…
...se formos capazes de nos dotar de uma visão e de um caminho –assentes nas nossas especificidades socioculturais e nas nossas realidades – que nos leve aos níveis de desenvolvimento que necessitamos.
Convencidos de que a tarefa de “elaborar” essa visão e de “abrir” esse caminho deva ser acometida a quem venha a ser eleito na base de um processo eleitoral de qualidade. A quem tenha a melhor competência e o mais alto sentido de patriotismo, e que assuma o compromisso de envolver na execução dessa tarefa a mais ampla participação dos cidadãos.
Pode até ser que a atribulada história política recente do país e as bases constitucionais em que o seu sistema eleitoral assenta, dificultem o surgimento de líderes e quadros capazes de assegurar tal tarefa… (tema merecedor de uma oportuna reflexão, pois mesmo nos países com uma prática democrática consolidada, a qualidade dos processos eleitorais e das eleições não garante, por si só, a qualidade dos eleitos).
Mas o que teremos que continuar a defender é que se eleve sempre a exigência em relação à organização de todo o processo eleitoral, para que as nossas eleições sejam bem organizadas e pacíficas, ordeiras, transparentes e imparciais.
Teremos assim criado um precedente duradouramente benéfico para o país: o de passarmos a ter, a partir de 2022, um ciclo contínuo de eleições de qualidade a cada cinco anos, que – por terem a marca da exemplaridade – permitirão que cheguem à direcção do Estado e da Nação os líderes e os quadros capazes de levar Angola a um lugar estável nesse mundo de amanhã.
(exergue tirado de “Morro adiado”, 61.ª crónica d’o Pico do Moco,ja 11/07/2021)