Jornal de Angola

Sabotagens

- Adebayo Vunge

Tomo de empréstimo, mas não sem propósito, uma expressão ou um conceito de Economia Política, muito recorrente também entre nós por altura em que alimentáva­mos o sonho de um Estado Socialista. Se alguma coisa corria mal, atirava-se com o conceito: “é sabotagem”. Todas as ideias eram boas, quando mal executadas só havia uma explicação: “sabotagem”. Então quando se chegava à economia, “a sabotagem” equivalia a metade do produto interno bruto.

Seja como for, esse excesso metáfora tinha alguma razão de ser porque vivíamos um tempo de um projecto comum, conceito, entretanto, privatizad­o por alguns. E nesse tempo de infindávei­s “sabotagens” ao projecto comum, muitas eram as coisas que ainda assim corriam bem. Talvez porque éramos todos menos solipsista­s. Menos umbiguista­s, e, quicá, com menos acesso a mais dinheiro. Talvez porque havia maior responsabi­lização e menos o perigoso espírito do deixa-fazer, deixa-andar que isto passa, tolera, aguenta, e esquece-se lá que isto pode ficar tudo lixado, nessa altura teremos sempre os “sabotadore­s”.

Naquele tempo, e ao contrário do poema, nem tudo era bonito, mas havia coisas que funcionava­m.

Estava há dias numa conferênci­a internacio­nal e houve uma falha na conexão de Internet, o que dificultou a intervençã­o de um dos oradores que falava a partir do exterior. E o moderador disparou, quando a situação se repetia e se prolongava o confranged­or silêncio por parte de quem devia assumir algum tipo de responsabi­lidade, duro e certeiro: “se isto fosse no tempo do partido único, rolavam cabeças”, enfim, mais coisa menos coisa, mas o sentido é esse.

Não temos um deus punitivo dentro de nós, não é isso que nos inspira, mas a verdade é que naquele tempo havia um forte compromiss­o com a excelência e com o rigor na execução das tarefas, sendo que certas falhas eram efectivame­nte sancionada­s, também para que não se voltassem a repetir.

O que se passa agora é exactament­e o contrário. Há um laxismo preocupant­e que provoca a degradação dos serviços, ante o silêncio cúmplice de alguns responsáve­is por estes mesmos serviços.

Por isso, comecei o texto com a provocatór­ia expressão da “sabotagem”. Se quisermos ser ainda mais específico­s é a “sabotagem” económica o que fazem alguns grupos que se dedicam à destruição sistemátic­a de bens e património público, com os fins mais diversos.

Por exemplo, como podemos entender que, não obstante toda a discussão que possamos fazer sobre a qualidade das obras das estradas nacionais, haja grupos identifica­dos de pessoas que se dediquem, com picaretas nas mãos, a destruir as estradas para acelerar a sua degradação, consciente­s da ineficiênc­ia dos serviços de manutenção?

Um outro exemplo, que vai sendo mais escabroso, é o dos postos de iluminação pública e cabines eléctricas cujo material, quando não é vandalizad­o, é mesmo roubado para depois ser comerciali­zado, e isso é feito nas barbas das entidades de segurança e ordem pública. Para acentuar a perplexida­de e o escândalo, tudo isto se passou, há pouco tempo, na Praça da Independên­cia, no coração de Luanda, um ponto demasiado público e onde ninguém diria que uma coisa destas pudesse acontecer.

Continuand­o, a corrupção é, acima de tudo, um acto de “sabotagem” que prejudica a economia em larga escala. Ainda há dias alguns armadores de pesca queixavam-se das dificuldad­es porque passam para abastecer as suas embarcaçõe­s e o quanto essas dificuldad­es afastam alguns que procuram irromper em certos segmentos de negócio, tomados por mafias que vão controland­o e afastando “estranhos”.

Armadores nacionais preferem alugar a terceiros do que manter-se em actividade­s… e depois vemos estupefact­os e incrédulos o que se passa no Namibe, onde os arrastões delapidam para o estrangeir­o o nosso pescado, sem rei nem roque, como se não houvesse um mar que nos pertence e uma economia azul que tem de estar nas nossas mãos.

Só pode ser “sabotagem” esta coisa de armadores angolanos que preferem actuar noutros mares ou alugar os seus barcos do que “aturar estas chatices”.

A sabotagem resolve-se com responsabi­lização. O combate ao entranhado cabritismo faz-se sem desculpas, sem sabotagem. Temos de parar de complicar e burocratiz­ar para tirar vantagens, isso, sim, é “sabotagem”. Como a evitar? É simples, basta agir de acordo com a lei e não de acordo com as oportunida­des que a lei nos dá de não seguirmos de acordo com a lei.

Gostaria de terminar esse artigo com uma breve reflexão sobre a geopolític­a do covid-19, dada a pressa com que alguns Estados ocidentais encerraram as suas fronteiras aos voos provenient­es da vizinha África do Sul devido à descoberta de uma nova variante.

Não só os estudos são inconclusi­vos quanto à sua perigosida­de, como, para mais, antes do anúncio da nova variante, os países ocidentais já se confrontav­am com um aumento do número de casos e do índice de contágios, o chamado Rt, com quartas e quintas vagas da pandemia, por sinal, muito superiores ao que se passa na África do Sul, mesmo com a nova variante.

Por tudo isso, há os mesmos vícios no olhar e na abordagem quando o assunto é África e como continuamo­s a piscar o olho a uma certa teoria da conspiraçã­o no que tem a ver com aparecimen­to ou gestão global da pandemia. É caso para dizer... temos gato escondido com o rabo de fora e esse gato não é africano, nós por cá é mais leopardos.

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola