Preços “tundam” vontade de sumos naturais (I)
Depois de ter cumprido o serviço militar obrigatório pelas extintas Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA), na altura, braço armado do MPLA, João do Remo estabeleceu residência no interior (mato mesmo) de uma das localidades do Kwanza-norte, (não aceito escrever com “C”), província onde o antigo tropa se dedica à agricultura.
Difícil é saber se o ex- militar, pelo seu baixo nível de escolaridade, tem abundante conhecimento das medidas de política implementadas pelo Governo angolano em relação à aposta na agricultura, no quadro da diversificação da economia, que ainda tem o ouro negro como a fonte primária de arrecadação de receitas com as quais suporta as despesas do OGE.
Kota Remo, como também é conhecido e chamado pelos seus próximos, integrou-se numa cooperativa de antigos combatentes, daquelas que, bafejadas pela sorte e/ou vontade do decisor (?), beneficiaram de tractor e insumos, meios que elevaram a sua capacidade de produção, iniciada de forma rudimentar.
O cultivo da laranja é o seu forte. Os mercados informais do Km 30, Katinton e Tunga Ngó, todos situados em Luanda, são os locais onde despacham a mercadoria, preferencialmente às revendedoras-retalhistas, a quem vende o balde de 20 quilogramas, ao preço de 1000 kwanzas (aqui sim, o “K” funciona).
Numa das suas poucas vindas à cosmopolita Luanda, que pelos seus cantos e recantos já foi o encanto de muita gente pacata, sobretudo as que percebem destas coisas de turismo que os citadinos não sabem explorar, deixando escapar uma excelente fonte de arrecadação de receitas que dariam um bom jeito aos cofres públicos, João do Remo decidiu almoçar em um restaurante, dos tantos que superabundam por esta cidade.
Pelos anos de vida que carrega, Joãozinho, deverá ter exacta noção de que Luanda é o centro de quase tudo, desde as decisões políticas aos roubos e furtos envolvendo cidadãos que se fazem transportar em motorizadas, meio que, no tempo da minha mocidade, com supremacia para as marcas Yamaha, Onda, Suzuki e mais tarde as Simson, eram factor de orgulho, vaidade e preponderantes para engatar as garinas mais “estalosas” da banda.
Quantas delas não terão caído na banga dos motoqueiros do Tala Hady, que para lá da “motorrum”, exibiam uma jeans meio fuscas adquiridas nos “imbires”, nome atribuído aos cidadãos sul-africanos e namibianos, que por razões de força maior viviam em Angola, e dedicavamse a comercialização de roupa usada, vulgo fardo… Bons tempos, que o tempo levou consigo.
Igualmente trajado de jeans, já num contexto mais hodierno, enquanto aguardava pelo menino que recolhia o dinheiro das suas clientes, João decidiu almoçar num dos restaurantes da Baixa de Luanda, enfrentando de peito aberto os preços exagerados, pois, para ele, “dinheiro é capim”- angolano é mesmo um povo especial-, até porque acabava de despachar, a cash, duas carrinhas de modelo Canter, cheias de laranja, abacaxi, tangerina, melancia e limão.
O cheiro do pitéu que pulverizava a zona circundante do local deixava Joãozinho com água na boca e o ardente desejo de "abater" uma boa feijoada à trasmontana, em jeito de desforra ao tempo que não atacava tal especiaria, uma vez que a sua vida no mato simboliza, igualmente, o consumo de "mambos da banda", com toda a revitalização que eles provocam à saúde humana.
Rigorosamente aprumado e com astucioso discurso, o garçom coloca a terrina de feijoada à mesa, ao mesmo tempo que pergunta ao cliente o que devia servir para beber, ao que este responde: um copo de sumo natural de laranja, pedido prontamente anuído pelo funcionário do restaurante que, diga-se de passagem, “manda boca e vende bem a imagem da casa”.
Tudo corria à perfeição, sem que Joãozinho tivesse a mínima noção de que o seu dia estaria estragado dentro de pouco tempo. O relógio, o tal artefacto que comanda a vida, trata de cumprir a sua missão!.. Joãozinho solicita a factura, e com os olhos firmes nela, repara no preço do copo de sumo natural de laranja.
Se até pouco antes, a percepção do agricultor era de que "num xtragou nada", conforme está na moda na nossa urbe, porém, tudo estragou quando Joãozinho observou que teria de pagar, por um copo de sumo, nada mais nem menos, que Kz 3.980.00, sem a inclusão do mal falado IVA.
Ehhhhhhhh... sukuama! Vociferou o EX-FAPLA… Isso tudo? Isso é roubo...
(Continua).