Rumba Congolesa é património da humanidade
O comité científico de avaliação da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) classificou, na terça-feira, a Rumba Congolesa como Património Imaterial da Humanidade. O reconhecimento aconteceu na sessão do comité intergovernamental da instituição dedicada à protecção do património, que decorreu em Caracas, Venezuela. Foram ainda elevadas à mesma categoria as seguintes danças, festas e habilidades: Danças de Corpus Christi do Panamá, Caligrafia Árabe, Falcoaria, Festa de San Juan Bautista, Grande Festival de Tarija, Barcos Nórdicos, Pasillo e Cerâmicas dos indígenas Awajún
Género musical e dança comum nas áreas urbanas da República Democrática do Congo (RDC) e República do Congo, países que a inscreveram em conjunto, a Rumba Congolesa tem origem numa dança antiga chamada nkumba (que significa “cintura” em Kikongo), indica a UNESCO. A instituição sublinha que os africanos levaram a sua música e cultura durante a época do tráfico de escravos, o que acabou por dar origem ao jazz, na América do Norte, e à rumba, na América do Sul. Dançado geralmente por um homem e uma mulher, o estilo Rumba é executado por amadores e profissionais e está presente em celebrações e no luto, em espaços públicos, privados e religiosos. “A Rumba é considerada parte essencial e representativa da identidade do povo congolês e da sua diáspora”, refere a UNESCO.
O Presidente da RDC, Félix Tshisekedi, considerou que “finalmente, a música e a dança nascida nos dois Congo foi reconhecida pelo seu valor universal”. O estadista afirmou que acolheu a notícia com “alegria e felicidade”.
Os cidadãos das duas Repúblicas congolesas festejaram a elevação de um dos estilos musicais que mais marcou a história do continente africano, particularmente pelo papel desempenhado nas independências dos dois países e não só.
Existe unanimidade na imprensa internacional quanto à decisão da UNESCO, pois a Rumba Congolesa é “um dos géneros mais influentes da música e dança africanas”.
O reconhecimento é o culminar da campanha de dois países, a RDC e o vizinho Congo-brazzaville. Ambos, a par de Angola e Gabão, ocupam parte do que já foi o antigo Reino do Kongo – “onde a dança sinuosa se originou”, de acordo com o pedido conjunto das duas nações. A própria palavra “Rumba” vem da palavra Kikongo para umbigo, “Nkumba”.
É realçado igualmente o facto de a Rumba Congolesa se juntar a outras tradições vivas, como a música Reggae, Morna, Fado, Tango e outras, na lista de Património Cultural Imaterial da Humanidade. A UNESCO diz que conceder esse status ajuda a “manter a diversidade cultural em face da crescente globalização”.
Apesar de suas origens africanas, a Rumba na mente de muitas pessoas fora do continente tornou-se mais associada à dança latina. A Rumba Cubana recebeu o status de Património Cultural Imaterial da UNESCO em 2016.
A ministra da Cultura da RDC, Catherine Kathungu Furaha, defendeu, no início deste ano, que a Rumba faz parte da identidade africana. “Queremos que a Rumba seja reconhecida como nossa. É a nossa identidade. Quando os nossos ancestrais que foram levados para o exterior queriam lembrar a sua história, origem e memória, dançavam a dança do umbigo”, disse a governante, citada pela BBC. “Não devemos descansar sobre os louros”, disse também à BBC o professor André Yoka Lye Mudaba, do órgão nacional da RDC para a promoção da Rumba. “Este é um incentivo para uma política mais coerente e inovadora de profissionalização das indústrias criativas”, sublinhou.
Segundo estudos, o estilo de Rumba que surgiu em Cuba no século 19 teve as suas raízes no batuque de escravos da África Central, que foi então combinado com melodias dos colonizadores espanhóis de Cuba. Mas o ritmo manteve o seu carácter distinto, de tal modo que quando as gravações de vinil foram exportadas para a África Central no século 20, foram imediatamente reconhecidas como Rumba.
Entre os primeiros heróis da Rumba Congolesa estão Wendo Kolosoy, Paul Nkamba,
Franco e TPOK Jazz, Tabu Ley Rochereau e Dr. Nico. Enquanto as nações africanas lutavam contra a dominação colonial, o tema “The Independence Cha Cha”, de Le Grand Kallé galvanizou muitos e é visto como o primeiro sucesso verdadeiramente panafricano. Mais tarde viu-se a chegada de Zaïko Langa Langa e a sua estrela emergente Papa Wemba. Entre muitos dos seus protegidos estava Koffi Olomidé, que continua popular hoje junto com estrelas mais jovens, como Fally Ipupa.
Tal como noutros estilos musicais, a questão da autenticidade também está na pauta de artistas e apreciadores. O debate é se a mais recente geração de músicos é totalmente fiel à forma de Rumba. Os mais conservadores alegam que, ao contrário da actual geração, eles não usavam bateria e sim maracas. Afirmam que só é Rumba quando os músicos tocam e as pessoas dançam e ficam relaxadas e não como o que é feito pelos jovens que dançam e transpiram.
Ojovemmúsicofredkabeya rebate e diz que a “Rumba continua Rumba. Tentamos adicionar mais harmonia e mais acordes, mas com a mesma Rumba Congolesa na base”.
Angola não dançou a Rumba Congolesa?
Se oficialmente Angola ficou fora, Samangwana foi uma das vozes que deu a cara no processo, participando em várias conferências sobre o dossier. O músico angolano, que conquistou o mundo a partir de Kinshasa, é um dos poucos em vida que acompanhou todo o processo evolutivo da Rumba Congolesa.
Nas redes sociais, a notícia foi recebida com alegria. Várias vozes angolanas levantaram-se para felicitar os dois Congo, principalmente a RDC. Mas houve, também, indignação por as autoridades angolanas terem rejeitado o convite para trabalhar no processo de reconhecimento da Rumba Congolesa.
Um quadro sénior do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente, contactado pelo Jornal de Angola, que não quis ser identificado, lamentou o facto mas garantiu que a recusa não vem das duas últimas gestões da instituição.
De recordar que em Novembro de 2019, no espaço Palanca VIP, numa edição especial do programa “Conversa à Sombra da Mulemba”, Sebastião Kupessa, um conhecedor dos meandros da Rumba Congolesa, falou da intervenção de artistas angolanos, destacando Manuel de Oliveira e o quarteto São Salvador. O investigador citou ainda outros angolanos cujos trabalhos foram tidos como referência nos principais sucessos da música congolesa. Para Sebastião Kupessa, este ritmo deveria denominar-se Rumba Ango-congolesa”.
Para o jornalista Raimundo Salvador, “a Rumba Congolesa é um património da Nação Kongo. Nós também somos Kongo. Infelizmente há um grupo que apenas enxerga o imaginário angolano no âmbito das fronteiras que emanaram da famigerada Conferência de Berlim”.
Neste grupo e outros das redes sociais podem ser retiradas várias contribuições como uma relação nominal com alguns dos congo-angolanos, verdadeiros pilares da Rumba Congolesa: Manuel Mayungu de Oliveira, Jorge Eduardo, Bila, Henriques Freitas, Pinnock, Milton Roberto, Armando Brazzos, Samuel Manguana, Mário Matadidi, Miranda Baramy, Mavatiku Michelino, Blaise Pascal, Ndombasi Carlitos, José Dilumona, João Mbisi “Papy Tex”, Pedro Lassan, Domingos Alida, Pedro Nkosi Amadores Guimarães, Lutumba Ndomanueno, José Rogeiro Mvula Nyoka, Pedro Rodrigues Felix Manuaku, Bialu Madilu, Diana Nsimba Simão e mais recentemente Ricardo Lemvo.