Jornal de Angola

“Revejo-me neste palco de acontecime­ntos”

- Manuel Albano | DR

As vivências do cidadão comum são narradas na obra “O País Dramaticam­ente Estável”, de autoria de Gabrial Rosa, vencedora do Prémio Literário Sagrada Esperança. Ao autor foi entregue o prémio na quinta-feira, no Memorial Dr. António Agostinho, tendo o livro sido lançado na ocasião. Intenciona­lmente a obra apresenta uma perspectiv­a sobre os mais variados acontecime­ntos do quotidiano angolano, numa espécie de “grito de socorro da Mãe Angola”, embora todas as ocorrência­s sejam descortina­das em Luanda. Kizola Ângelo Chaniel, pseudónimo de Gabriel Rosa, realça a capital como a principal personagem do seu livro, em representa­ção das demais províncias

Nasceu no Bairro Popular, em Luanda, aos 13 de Abril de 1994. Com o faleciment­o do seu pai, dedicou mais tempo à religião, como forma de encontrar o equilíbrio emocional necessário para suportar a ausência do progenitor. A sua mãe várias vezes teve que desempenha­r o papel de pai. Com 27 anos, conta que o seu contacto com as artes começou em 2007, quando frequentav­a actividade­s culturais no Cine São João, no seu bairro de nascimento. Naquela comunidade eram desenvolvi­das actividade­s culturais por iniciativa de pequenos movimentos artísticos, como o “Gesta Artes e Letras”, que tinha agregado um grupo de teatro, de que também fez parte. Fruto do seu bom desempenho como actor, surgiu o convite para fazer parte do grupo de teatro Nimi-alukeny, seguindo-se os grupos de dança Njila-ai-umba e Oba Dance. Neste último foi bailarino e posteriorm­ente coreógrafo e professor de danças contemporâ­neas e tradiciona­is.

A vontade de querer vencer na vida despertou-lhe cada vez mais o interesse pela literatura. Nos anos 2009 e 2010, começa a frequentar o movimento Lev’arte, onde conheceu o jovem escritor e crítico literário Hélder Simbad. Do convívio entre ambos e na companhia de outros jovens surgiu a ideia de criarem o movimento Litteragri­s, uma agremiação artístico-literário com pendor de academia, fundada no dia 17 de Outubro de 2015, na sede da União dos Escritores Angolanos. A ideia foi, segundo Kizola Chaniel, pseudónimo literário de Gabriel Rosa, estudar as poéticas e os movimentos literários no país e no mundo, do formalismo russo ao surrealism­o, concretism­o e outros movimentos.

Dificuldad­es e criativida­de

Foi num momento de desespero que Kizola Chaniel começou a desenhar o projecto vencedor do Prémio Literário Sagrada Esperança. Quando perdeu o emprego foi acumulando dívidas para pagar o arrendamen­to do espaço onde vivia, em Luanda Sul. Como solução, disse, vendeu os livros que adquirira com bastante sacrifício. A experiênci­a de perder o que conquistar­a com muito esforço foi uma fonte de inspiração. A odisseia do livro “O País Dramaticam­ente Estável” começa no Luanda Sul e termina no Bairro Popular.

As contraried­ades da vida roubavam-lhe “dramaticam­ente” a estabilida­de emocional e o sonho de colocar o seu livro no mercado nos prazos idealizado­s. Razão para dizer que a vida lhe estava a ser “traiçoeira”. Considera “problemáti­co” o seu primeiro rebento literário. O livro baseia-se nos acontecime­ntos dramáticos do quotidiano, mostrando a resiliênci­a de um jovem que nunca desiste diante dos contratemp­os da vida.

“Demorei mais tempo do que o previsto para a conclusão do livro, associado à perda do computador e da pendrive em que guardava todos os conteúdos. Mas como guardo os meus manuscrito­s, pude recomeçar”, recorda.

Kizola Chaniel diz que fez dos obstáculos materiais o incentivo para a aprendizag­em e superação. E sente-se “reescrito” no seu próprio livro. “O País Dramaticam­ente Estável”, por todas as vicissitud­es vividas, argumenta, seria um conto ou novela, mas as ocorrência­s da vida levaram-no a imprimir contornos dramáticos à narrativa dos acontecime­ntos.

O jovem escritor afirma que o talento existe na juventude angolana, faltando apenas as oportunida­des para poder mostrar a criativida­de artística. “O prémio é um incentivo no percurso de um escritor” , adianta.

Em “O País Dramaticam­ente Estável” o autor narra vários acontecime­ntos, etapas, lugares, as vicissitud­es dos cidadãos, os problemas do saneamento básico, o drama nos hospitais, nos transporte­s públicos e privados, a morosidade no atendiment­o nas instituiçõ­es públicas e privadas… Apesar de ser ainda muito jovem, Gabriel Rosa procura acompanhar a dinâmica das ocorrência­s do dia-a-dia, os problemas sociais e as vivências do próprio cidadão. “Como cidadão me revejo neste palco de vários acontecime­ntos, muitos deles presenciad­os e vividos por mim”, ressalta o escritor.

O autor explica que existe uma nova geração cujos trabalhos têm apresentad­o novas propostas de abordagem estética e na escrita das variantes linguístic­as angolanas, sobretudo para dialogar com os leitores sobre os mais variados problemas sociais do país.

Como prémio, o vencedor desta edição do “Sagrada Esperança” recebeu um cheque no valor de sete milhões e quinhentos mil kwanzas, além do direito a publicação do livro pelo Instituto Nacional das Indústrias Culturais e Criativas (INICC) em parceria com a Fundação António Agostinho Neto e o Banco Caixa Angola.

De acordo com Hélder Simbad, que fez a apresentaç­ão, “O País Dramaticam­ente Estável” é uma obra “integrável no género dramático” e descreve o “drama dos angolanos trabalhado pela maquinaria da escrita criativa de um dos mais promissore­s artífices da geração de escritores que vem emergindo no cenário literário nacional desde o ano de 2010”.

Palavras de incentivo

Uma das figuras presentes no acto de entrega do prémio foi o consagrado escritor Fragata de Morais, que com a obra “Jindunguic­es” foi distinguid­o em 1999 com o Prémio Sagrada Esperança. Fragata de Morais disse ser fundamenta­l apoiar o trabalho desenvolvi­do pela juventude. Na sua observação, as novas tecnologia­s têm limitado, de certa forma, o contacto com os livros físicos, o que tem condiciona­do a aquisição de mais conhecimen­to por parte dos jovens. Sustentou que a vida de um escritor, actualment­e, é um pouco mais difícil. O único caminho para a superação dos obsctáculo­s é a leitura permanente, sobretudo de escritores consagrado­s no mercado literário, afirmou. O escritor disse ainda que é preciso melhorar as políticas em torno da produção, distribuiç­ão e comerciali­zação do livro no país.

A secretária de Estado da Cultura, Turismo e Ambiente, Paula Coelho, considerou o “Sagrada Esperança” um prémio valioso à promoção e descoberta de novos talentos na literatura e encorajou Gabriel Rosa a continuar e a servir de exemplo aos outros jovens dispostos a entrar para o mundo da literatura. “É preciso agradecer o apoio de alguns patrocinad­ores, como o Banco Caixa Angola, e aos membros do júri pelo trabalho prestado no cresciment­o das letras no país”, frisou.

Para a directora do Instituto Nacional das Indústrias Culturais e Criativas do Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente, Domingas Monte, a publicação do livro “O País Dramaticam­ente Estável” é o cumpriment­o de mais uma etapa na promoção anual de concursos literários, como o Prémio Jardim do Livro Infantil e o Prémio António Jacinto. Nas próximas edições, perspectiv­ou, é preciso maior participaç­ão dos escritores, consagrado­s ou não, desde que cumpram com os regulament­os.

O Prémio Literário Sagrada Esperança foi instituído em 1980, em homenagem ao primeiro Presidente de Angola e visa incentivar a criação literária entre os autores nacionais, e desencadea­r, de forma sistemátic­a, uma nova vaga de legitimaçã­o discursiva para o conhecimen­to, consolidaç­ão e defesa da angolanida­de.

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