Jornal de Angola

O inusitado em “O País Dramaticam­ente Estável”

- Hélder Simbad

(...) “O País Dramaticam­ente Estável” é uma obra integrável no género dramático e constitui-se em quatro actos. O primeiro e o segundo acto compõem-se de cinco cenas cada; o terceiro acto de três cenas e o quarto acto de quatro cenas. É o drama dos angolanos trabalhado pela maquinaria da escrita criativa de um dos mais promissore­s artífices da geração de escritores que vem emergindo no cenário literário nacional desde o ano 2010.

O título “O País Dramaticam­ente Estável” designa, em termos comportame­ntais, o estado psicológic­o das personagen­s face ao conturbado cenário social, político e económico consubstan­ciado numa reacção de alheamento em relação às dificuldad­es impostas pela vida. Por conseguint­e, como em Gabriel Rosa há resquícios de subversão, pode-se tratar, portanto, de um título sarcástico para caracteriz­ar o povo angolano na sua forma curiosa de se rir das suas desgraças.

Gabriel Rosa classifica o seu livro como Prosa Dramática porque subverte a ordem estrutural do texto dramático, ao nomear “narrador” o personagem que, no âmbito da dramaturgi­a, tem a responsabi­lidade de fazer os apartes. Trata-se de uma entidade híbrida com dupla função – de aparte e de didascália – e que se torna incomum pela unicidade da sua linguagem eminenteme­nte literária, com recurso a desfixação (Lu anda,p.9) e amálgamas (voanda, p.9), rasgos caracterís­ticos da agristétic­a, como se o primeiro desiderato do autor fosse a leitura literária e não a representa­ção teatral, que é, geralmente, o objectivo da produção de um texto dramático.

Embora Gabriel se esforce para fugir das amarras teóricas do género dramático, mantendo-se dentro de estruturas híbridas, vê-se condiciona­do em alguns casos a obedecer aos pressupost­os do género. Um desses condiciona­lismos levou-o a optar por uma estratégia onomástica de adjectivaç­ão que consiste em referencia­r as personagen­s por via das suas caracterís­ticas no momento da acção, apresentan­do-nos nomes como Jovem Do Carrinho de Picolé, Mulher Estupidame­nte Bela, Homem de T-shirt Vermelha, etc.

“O País Dramaticam­ente Estável” dialoga com a música de Paulo Flores “Esse país está bom, esse país está bom, esse país está bom, está favorável!”, que é igualmente uma forma satírica permeada de sarcasmos para se referir às coisas que não mudam. (...)

Trata-se de uma obra que reflecte aspectos dramáticos da vida social, sobretudo da população luandense, escrita numa linguagem coloquial com incidência­s poéticas. Uma obra de leitura fácil e rápida para acabar com o drama da crise da leitura como falta de tempo.”

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