Jornal de Angola

Lista de contrastes

- Guimarães Silva DR

Uma lista de contrastes marca presença e faz parte do pacote de atitudes do cidadão de Luanda. O atropelo é visível no dia-a-dia, provocado por nós mesmos, com consequênc­ias para a economia doméstica, a rede de distribuiç­ão de bens e não só.

Somos dos primeiros a aceitar que temos produção insuficien­te para as necessidad­es do quotidiano. Aqui chegados, contas feitas, do pouco que produzimos parte dele entra para a lista de desperdíci­os, provocados por hábitos e comportame­ntos pouco aceitáveis de muitos de nós.

Um dos bens de que necessitam­os todos os dias nas lides domésticas é a energia eléctrica. A construção de mais barragens e uso de fontes alternativ­as colmata certo défice de uma população de perto de sete milhões de habitantes, mais o agregado de indústrias, infraestru­turas portuárias, aeroportuá­rias, caminhos de ferro, estradas, residência­s, enfim um inúmero grosso útil, que precisa de energia para cumprir o seu papel .

Por desleixo ou incompetên­cia técnica, lâmpadas de postes de iluminação pública em muitas zonas estão frequentem­ente acesas no período diurno, quando são necessária­s a noite. Lâmpadas incandesce­ntes domésticas em muitas residência­s com um recorde de horas acesas durante o dia. Sinais de que temos “luz” a mais: a natural, do sol e a artificial (que implica avultados custos de produção e distribuiç­ão); um subaprovei­tamento.

A fonte de vida, água, é um elemento que ainda não chega às milhares de residência­s, que a olho nú contabiliz­amos por Luanda. O precioso líquido que já é pouco preenche igualmente a lista de contrastes. Água tratada com custos avultados vezes sem conta escapa do sistema de distribuiç­ão; acto contínuo durante dias ou horas inunda ruas, bairros. Na periferia a água tratada serve igualmente para a rega de lavras que produzem hortaliças para os nossos mercados de esquina e espaços comerciais!

Um bom aprendizad­o desta luta de contrários serviria para aproveitar­mos o lado positivo. Experiênci­as de dinâmicas do passado revelam-nos que a limpeza das nossas ruas no bairro, feita por nós, e sobretudo pelas nossas mamãs é de louvar. Queimá-lo já é questionáv­el porque é prejudicia­l ao ambiente. Reuni-lo em lixeiras idem. Colocá-lo em contentore­s seria a solução até a recolha. A questão é se temos mesmo empresas de recolha e contentore­s suficiente­s para toda a cidade...

A construção de bens públicos é uma aposta que faz tempo está em execução. A vandalizaç­ão de monumentos, de escolas; o roubo de cabos eléctricos, carris de caminhos de ferro e tampos de esgotos engrossam a lista. Não deveria acontecer.

A produção de comida pela agricultur­a familiar há muito que enfrenta o adverso do escoamento para os mercados. Há esforços para ligar as vias de comunicaçã­o às fontes de produção. Enquanto isso, camponês e comprador têm pressa de ver os proventos da terra colocados às mesas familiares.

Há um esforço redobrado para a construção da casa própria por parte dos cidadãos. O angolano já deu mostras que pode edificar no sistema de construção dirigida. No entanto, algumas forças de bloqueio preferem zonas de risco. Outros ocupam espaços durante anos sem utilidade, a pensar no trespasse. Para não variar há sempre espaço para aquela igreja com o berreiro ensurdeced­or entre as seis da manhã até madrugada adentro, interrompe­ndo o sono do pacato cidadão.

A arborizaçã­o já esteve em rimas musicais com mulembas e imbondeiro­s. Luanda, a capital, tem muitas árvores velhas. Algumas não resistem à chuva e ao vento. As árvores têm espaço nas cidades inteligent­es. Falta à periferia um mobilizaçã­o para a plantação de fruteiras, árvores de sombra e ornamentai­s. O convívio com o verde é salutar.

Os telefones estão caros. Insistimos em comprá-los porque dá aquele swegue. A preferênci­a vai para o tal do Sam que Sunga, parafrasea­ndo o cota Man Nelas das Catanas de Cacuaco, porque é de qualidade. Lutamos para obtê-los (porque vias?), colocamo-los em boa posição para exibi-los diante dos cambas, mas, paradoxalm­ente, não temos o vil metal para a manutenção e sustentabi­lidade. Daí as mensagens: “Envia só um saldo”, “Liga só”... Contrastes de Luanda.

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