Equívocos de uma participação desastrosa das Pérolas de África
Sem nunca colocar em causa a capacidade de Filipe Cruz (treinador do escalão sénior masculino do 1º de Agosto), foi com perplexidade que vi o mesmo ser nomeado como responsável da Selecção Nacional sénior feminina.
Tive essa experiência de treinar as duas classes e perceber que tal exercício pressupõe o uso de métodos de trabalho totalmente opostos devido à especificidade de cada um. Por isso, deveríamos ter feito tudo para manter o técnico dinamarquês Morten Soubak, campeão do mundo pelo Brasil, e que esteve à frente das nossas Pérolas e do 1º de Agosto, cerca de três anos.
Trata-se de um técnico com excelente currículo, conhecido a nível mundial e que através da sua rede de contactos poderia ter proporcionado outras condições de estágio e equipas ou selecções para defrontarem as Pérolas nos jogos de preparação.
Não conseguida essa pretensão tínhamos internamente outras opções válidas e que eventualmente poderiam ter dado frutos: o técnico Vivaldo Eduardo, do Petro e do escalão feminino, é um dos melhores treinadores nacionais e capaz de treinar clubes ou selecções de outros países, estando identificado com a classe feminina que treina há mais de 20 anos.
Temos ainda o professor Nelson Catito, da equipa sénior feminina do 1º de Agosto, clube que forneceu a maioria das atletas à Selecção Nacional. Havendo na Federação uma vice-presidência para a área técnica e uma direcção da mesma área, fica difícil perceber tamanha ambiguidade nesta escolha.
Desconheço os motivos que estarão por detrás desta opção mas havendo de facto boas razões para tal devem ser bem sustentadas, porque se trata de uma decisão que deve, no mínimo, observar critérios verosímeis.
Renovação vs afastamento
A renovação de uma Selecção é um acto de gestão, dentro das premissas de qualquer treinador, desde que tenha a anuência da estrutura técnica e consequentemente da própria Direcção da Federação. Portanto, nada há a dizer sobre a opinião do técnico em pretender efectuar a aludida “renovação”. A questão coloca-se apenas no número de atletas e quais as que saíam e as que entravam. Me parece descabido que desde o Campeonato Africano (Junho) até ao Mundial (Dezembro), com os Jogos Olímpicos (Agosto) pelo meio, num período de apenas cinco meses e meio, tenham saído oito atletas (50% do plantel), das quais no mínimo cinco delas teriam lugar nas 12.
Questionado por um repórter da Rádio 5 sobre esta “problemática” da renovação perante o facto de deixar de contar com atletas até então imprescindíveis no nosso sete, o técnico respondeu que não estavam convocadas para esta prova mas que poderiam ser novamente chamadas para o próximo Africano.
Aqui registo o segundo equívoco. Então em que ficamos?! Renovamos e depois deixamos no ar a hipótese de voltarem a ser integradas? Se formos alinhar por esse diapasão, tenho que questionar: renovação ou afastamento?
E alguns elementos sugerem que a segunda possibilidade era mais consistente com o procedimento do treinador. Um deles foi a retirada da braçadeira de capitã à Isabel Guialo, de uma forma abrupta sem que existisse um diálogo prévio, dando-lhe a conhecer os motivos de tal atitude, independentemente das razões do técnico.
Sendo verdade que este acto está dentro das competências do treinador, tal não invalida que devesse ter existido por parte de quem de direito uma outra atenção, que suponho não tenha acontecido em tempo oportuno, como de resto confirmou a jogadora em entrevista à Rádio do 1º de Agosto.
Objectivos da Selecção
Objectivo é uma descrição clara do que se pretende alcançar como resultado da nossa actividade. Deve ser claro e preciso. É a partir desta meta que a estrutura federativa planifica os meios necessários ao cumprimento do mesmo. Obviamente, quanto mais alta estiver a fasquia, melhores condições de trabalho deverá ter essa Selecção.
Ter o técnico da nossa equipa nacional, secundado pelo presidente da Federação, prognosticado o 12º lugar como objectivo no 25º Mundial, é efectivamente uma falta de modéstia e quase que diria, um desconhecimento do ambiente interno e externo onde a Selecção estava inserida.
Esses objectivos foram anunciados, após o sorteio dos grupos. Calhámos na série A, com três equipas europeias. França campeã olímpica (terminou a competição em segundo lugar), Montenegro que quatro meses antes nos tinha infligido uma derrota de 33-22, (em 22º) e a Eslovénia(17º) que relaxou no jogo contra Angola, sabendo que o jogo importante era a seguir com a Rússia.
A nossa previsão já apresentada nos programas – “Menu da Manhã” e “Sete Metros” - ambos da Rádio 5, antes do início do Mundial, segundo a qual o 12º lugar dificilmente seria atingido, esteve sustentada na renovação da Selecção acima de 50%, nos últimos resultados e classificações e ainda nos cerca de 12.000 km que teríamos de percorrer até ao local da competição, em vésperas do início da mesma.
Para dar corpo ao nosso aparente cepticismo, junta-se a inexistência de uma competição interna razoável e do desporto escolar. Outros pormenores como as viagens, permanência em aeroportos e hotéis, alimentação, cultura, clima, jogos de treino (alguns foram efectuados com equipas masculinas)etc, etc, fizeram igualmente mossa na capacidade de rendimento do "sete" nacional.
Desde a primeira participação em 1990-Seul até agora, a excepção à regra foi em 2007 (sétimo lugar em França), 2009 (11º na China) e 2011 (oitavo no Brasil). As restantes colocações próximas do propalado 12º foram o 13º lugar (Itália 2001 e Sérvia 2013).
Ou seja, em 16 participações da nossa Selecçã, cinco classificações foram próximas ou melhores do que a meta agora estipulada e 11 situaram – se do 15º posto para pior. Espanha 2021 fica registada como a pior classificação de todos os tempos. Sabendo que em momentos difíceis do país, o andebol feminino acabou por ser um “calmante” para o povo angolano, que vibrava com as nossas vitórias, dever-se-ia ter tido muito mais cuidado com este quesito.