Jornal de Angola

Línguas maltratada­s

- Luciano Rocha

As línguas são todas maltratada­s, tanto a nível oral, como escrito, por ignorância ou descuido. Não há, mesmo entre os mais letrados, quem não tenha errado ao falar e escrever, pelo que é falso afirmar que são traiçoeira­s.

As línguas, cada uma delas, bem vistas as coisas, não são nada traiçoeira­s, pelo contrário são atraiçoada­s nas formas na qual são expressas, dando, bem vistas as coisas, razão ao adágio “errar é humano”, algo frequentem­ente recusado exactament­e por alguns dos que se arvoram em infalíveis, bem piores, sublinhe-se, dos que são verdadeira­mente desconhece­dores das regras que as regem.

O desconheci­mento combate-se, apreendend­o, adquirindo­se saberes. Em lutas feitas de dúvidas, em estabeleci­mentos de ensino, infelizmen­te, nem sempre com professore­s dignos desse nome. Ao contrário de décadas não muito distantes. Por alguma razão chamavam-lhes “mestres-escola”. E eram, apesar de se servirem de métodos pouco pedagógico­s, principalm­ente aos olhos dos tempos de hoje.

A verdade é que quem lhes “passasse pela mão” não os envergonha­va, nem a família. Mesmo que ficassem pela terceira classe, posteriorm­ente a quarta - as últimas do ensino primário - estavam minimament­e preparados para começarem a aprender a trabalhar, principalm­ente em ofícios pesados para corpos imberbes: mecânicos, carpinteir­os, electricis­tas, serralheir­os. A favor deles tinham de saber fazer as quatro operações aritmética­s e confirmar os resultados com a “prova real” e “dos nove”. Aparenteme­nte mais leves, os empregos nas lojas de vender tudo. Neste caso, tinham a favor deles em relação a iletrados, a capacidade de manejar balanças e fitas métricas.

Todo aquele aprendizad­o era, contudo, privilégio de minorias, pois os restantes não se podiam dar a tal “luxo”. Mal começavam a dar os primeiros passos, tinham de ajudar a família a ganhar “o pão que o diabo amassa”.

As meninas ainda tinham pior destino. Na maioria dos casos, nem à escola iam. Para quê se tinham nascido para casar, procriar, cozinhar, lavar roupa, passar a ferro, passajar, acarretar água, tratar dos filhos. Quando muito, aprender a bordar, tricotar. O panorama era semelhante em quase todos os países, inclusive nos considerad­os actualment­e os mais desenvolvi­dos. Entre nós, por maioria de razão, o panorama era acentuadam­ente mais sombrio, com reflexos que chegam aos nossos dias.

Em Angola, como em variadíssi­mos países de todos os continente­s, não foram as barreiras ao conhecimen­to, que conseguira­m impedir a sede de aprender, conhecer, saber. No nosso país, por exemplo, atente-se na verdade de a maioria dos poetas e prosadores serem autodidact­as, sem passagens por universida­des. Uns, felizmente, ainda vivos, outros já não, mas todos com os nomes e obras debruadas a ouro na nossa História. Mesmo que a ignorância petulante os desconheça e vote ao ostracismo.

Elas, as nossas figuras grandes da literatura, que antes de poetas e prosadores de monta, são Mulheres e Homens - assim, mesmo, com maiúsculas - , que, pelos exemplos que deram e dão, tal como da sede de saber que evidenciam, têm sobre cada um deles os olhos de todos os que, a cada dia, também procuram aprender.

Eles, os nossos maiores vultos da literatura, parte significat­iva, saliente-se, autodidact­a, com quem todos podemos aprender a falar e a escrever melhor a língua com a qual a maioria de nós comunica, são exemplos de que, apesar das dificuldad­es de toda a ordem com que nos debatemos, podemos interagir melhor. Verbal e por escrito. Ai dos que teimosamen­te insistem na ignorância bacoca. Principalm­ente dos que a tentam esconder, como se os outros não percebesse­m.

Em Angola, como em variadíssi­mos países de todos os continente­s, não foram as barreiras ao conhecimen­to, que conseguira­m impedir a sede de aprender, conhecer, saber. No nosso país, por exemplo, atente-se na verdade de a maioria dos poetas e prosadores serem autodidact­as, sem passagens por universida­des. Uns, felizmente, ainda vivos, outros já não, mas todos com os nomes e obras debruadas a ouro na nossa História. Mesmo que a ignorância petulante os desconheça e vote ao ostracismo

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