Os direitos linguísticos um quarto de século depois
Quando a Organização das Nações Unidas celebrou o Dia Mundial dos Direitos Humanos, no passado dia 10 de Dezembro, dei comigo a revisitar a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, também conhecida como Declaração de Barcelona (DB). Este documento foi assinado em Junho de 1996, pela UNESCO, o PEN Internacional (PEN: Poets, Essayists, Novelists) e outras organizações não governamentais, e visou, especialmente no que se refere a línguas ameaçadas de extinção, garantir a possibilidade de “corrigir os desequilíbrios linguísticos com vista a assegurar o respeito e o pleno desenvolvimento de todas as línguas e estabelecer os princípios de uma paz linguística planetária, justa e equitativa, como fator fundamental da convivência social”, de acordo com a Introdução.
No ponto 1 do artigo 1º, a DB define “comunidade linguística” como “toda a sociedade humana que, radicada historicamente num determinado espaço territorial, reconhecido ou não, se identifica como povo e desenvolveu uma língua comum como meio de comunicação natural e de coesão cultural entre os seus membros”. Ainda no ponto 5, define-se “grupo linguístico” como “toda a coletividade humana que partilhe uma mesma língua e esteja radicada no espaço territorial de outra comunidade linguística, mas não possua antecedentes históricos equivalentes, como éo caso dos imigrantes, dos refugiados, dos deportados, ou dos membros das diásporas”.
Do texto, que é extenso e complexo, destacaremos também o artigo 3.º, que, no ponto 1, declara como “direitos linguísticos inalienáveis dos indivíduos”, “o direito a ser reconhecido como membro de uma comunidade linguística; o direito ao uso da língua em privado e em público; o direito ao uso do próprio nome; o direito a relacionar-se e associar-se com outros membros da comunidade linguística da comunidade linguística de origem; o direito a manter e desenvolver a própria cultura”. O n.º 2 estabelece que os “direitos coletivos dos grupos linguísticos” incluem “o direito ao ensino da própria língua e da própria cultura; o direito a dispor de serviços culturais; o direito a uma presença equitativa da língua e da cultura do grupo nos meios de comunicação; o direito a serem atendidos na sua língua nos organismos oficiais e nas relações socioeconómicas”.
Poderemos, num primeiro momento achar que a DB tem pouco a ver com Portugal, habituados que estamos a considerá-lo um pequeno país, o de fronteiras mais antigas e provavelmente o mais culturalmente coeso e monolingue da Europa. No entanto, rapidamente nos apercebemos de que, além da maioritária, temos pelo menos a comunidade linguística dos falantes de mirandês e diversos “grupos linguísticos”: os que vieram de países de língua oficial portuguesa na segunda metade da década de 1970 e aqueles que, sobretudo a partir da década de 1990, têm encontrado em Portugal porto de abrigo ou de passagem. E são muitos. A comunidade surda, falante de língua gestual portuguesa, dificilmente se enquadra em uma destas categorias.
25 anos volvidos sobre a assinatura da DB, importa refletir sobre como são atualmente observados (ou não) os direitos linguísticos, não apenas em Portugal (onde, apesar de tudo, nos últimos anos, temos assistido à sua afirmação progressiva), mas também em outros países (como a França) de uma Europa que, assumindo-se como baluarte das liberdades e garantias dos cidadãos, vai dando sinais inquietantes de intolerância e fobia linguística. Fica, assim, traçada a agenda das primeiras crónicas de 2022.
Feliz ano novo!
25 anos volvidos sobre a assinatura da DB, importa refletir sobre como são actualmente observados (ou não) os direitos linguísticos, não apenas em Portugal (onde, apesar de tudo, nos últimos anos, temos assistido à sua afirmação progressiva), mas também em outros países (como a França) de uma Europa que, assumindo-se como baluarte das liberdades e garantias dos cidadãos, vai dando sinais inquietantes de intolerância e fobia linguística. Fica, assim, traçada a agenda das primeiras crónicas de 2022
* Professora e investigadora, coordenadora do Portal da Língua Portuguesa. Texto saído no Diário de Notícias e escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico