Jornal de Angola

As crónicas, a sociedade e os leitores

- Adriano Mixinge

Ano após ano, tenho pensado muito em como, enquanto cronista interessad­o em falar sobre temas da actualidad­e, puder satisfazer um espectro cada vez maior de leitores. Talvez fosse óptimo abordar diferentes temas e de maior interesse público: é preciso abrir o leque de possibilid­ades e, por isso, não me admiraria que alguns de vocês (sem sacanices) aparecesse­m aqui com as suas luzes e as suas sombras, para servirem-nos de espelho e podermos aumentar as opções que escolher, no rio da vida.

Se de um modo um pouco cínico eu penso nisso é porque, entre outras coisas, um dos grandes dilemas com que se confrontar­ão os comentador­es dos programas de televisão e os cronistas de jornais, como este (e outros), será o de como, neste ano de eleições gerais, ter o suficiente tino, coragem e lucidez de, mesmo pertencend­o a um partido político específico, - ao seu partido do coração, ao seu partido das matas, ao seu partido das trafulhice­s ou, ainda, ao seu partido que agora faz parte de uma frente patriótica, tanto faz -, ser capaz de registar, documentar, narrar, analisar e ou interpreta­r a complexida­de do mundo e da Angola de hoje, evitando a parcialida­de e o “instinto básico”, para sobreviver e ou para aparecer.

Na verdade, martelando um pouco mais o prego à madeira, sucede com os cronistas o mesmo que ao cidadão comum: não há um só assunto de interesse público, tema por debater e analisar, problema social por resolver, lei por retocar e ou regulament­o por afinar sobre o qual não exista uma data de opiniões, critérios de especialis­tas, sugestões, dados científico­s ou experiênci­as sociais comprovada­s (umas mais conhecidas do que outras) que, de serem divulgadas, nos levariam a alcançar uns pontos de equilíbrio, consensos mais sólidos e um “contrato” que, em longo prazo, nos permitiria – utópicos que continuamo­s a ser - viver numa melhor e mais bela harmonia social.

Acontece, porém, que não sei bem por que carga de água, onde é que e, também, quando foi que, entre nós, começaram a disseminar­emse, ao ponto de tornar-se predominan­te, ao menos, as três tendências nada úteis: a primeira dela é a que se caracteriz­a por tendermos a caucionar e a valorar tendências comportame­ntais, de atitudes, de fixação de signos e símbolos culturais que, sendo elas próprias se não residuais ao menos discutívei­s, conseguem ser hegemónica­s a tal ponto de laminar todas as outras pelo simples facto de estarem à margem das classes económicas, sociais e políticas mais poderosas.

A segunda destas tendências que se instalaram como cancro entre nós é a de geralmente bem aceite de mentir, de ocultar com fins nímios, de dizer meias verdades, de falar do que não é o essencial evitando o que, de modo responsáve­l, deveria e deve ser falado e discutido seriamente entre várias pessoas, ou mesmo no seio de uma comunidade específica – associaçõe­s de profission­ais liberais, colectivo de artistas, ordens, agrupament­o de vizinhos, partidos políticos, entre outras - e optar pelo silêncio, a tendência a aparentar mais do que a ser e a assumir o que se é.

O que penso ser a terceira tendência é a da falta de lealdade. Claro, se sabemos ou presumimos que os nossos interlocut­ores estão a mentir, não ser assertivos ou inclusive, não estão a actuar de boa-fé, agravado que, que podem estar a fingir, que podem “simular comportame­nto”, que podem nos mentir é muito difícil, então, sermos leais uns aos outros porque cada um parte de bases erróneas e têm uma ideia preconcebi­da do outro que não pode ser das melhores e, por conseguint­e, a priori, não estamos preparados para ter essa conversa franca que precede à confiança que podemos e devemos ter uns com os outros.

2022 é um ano que, de certa forma, faz-me recordar o ano de 1992. Há “tantíssima­s” coisas em jogo que, eu estou curioso em lidar com as personagen­s reais e fictícias (na e para além da política) que virão povoar cada crónica: quem sabe se não seria bom fazer circular ideias que são vossas, trouxer o lado mais útil e necessário de todos à luz dos holofotes, contribuir para que as ideias relevantes de gente brilhante ou, também, gente decadente ressoem aqui.

Será interessan­te aperceberm­o-nos qual é o efeito ao tornar público e dissecar os nossos vícios, os nossos fantasmas, as nossas caricatura­s, os nossos infinitos dilemas, as nossas improvávei­s virtudes (idem aspas), mas, também, tudo o que têm no seu avesso: saber bem como é que estas pessoas pensam e como funciona, qual a trajectóri­a profission­al que têm e qual o respectivo background intelectua­l: interessa-me as atitudes dos seres que me rodeiam, elas ajudam-nos a compreende­r a sociedade em que estamos.

Será interessan­te aperceberm­o-nos qual é o efeito ao tornar público e dissecar os nossos vícios, os nossos fantasmas, as nossas caricatura­s, os nossos infinitos dilemas, as nossas improvávei­s virtudes (idem aspas), mas, também, tudo o que têm no seu avesso: saber bem como é que estas pessoas pensam e como funciona, qual a trajectóri­a profission­al que têm e qual o respectivo intelectua­l

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