Jornal de Angola

“O país vai crescer, não importa se muito ou pouco”

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No início do meu mandato, houve, de facto, se me permitem essa expressão, uma espécie de braço-de-ferro entre dois países amigos que se querem bem, Angola e Portugal, pelo facto de a Justiça portuguesa, na altura, ter pretendido julgar e, eventualme­nte, condenar o exvice-presidente da República de Angola. Angola bateu o pé, porque, nesse domínio, de cooperação judiciária, existem acordos entre os nossos dois países e os acordos são para ser cumpridos. Portugal acabou por remeter o processo a Angola, porque teve o bom-senso de reconhecer que os acordos são para ser cumpridos e, sobretudo, quando é entre países amigos. Mas, se me permitem, a razão que acabei de evocar e que esteve na base da remessa do processo para

Angola foi importante sim, mas talvez não seja a única. A verdade é que, os Estados que se prezam não aceitam que a este nível de Presidente­s ou ex-presidente­s, Vice-presidente­s ou ex-vicepresid­entes, no caso de cometerem crime que têm ligação com outros países, sejam julgados e condenados fora do seus países, fora de Angola, no caso.

Eu penso que se a situação fosse inversa, Portugal teria agido da mesma forma. Eu não estou a ver Portugal a aceitar que um ex-presidente português, um ex-primeiromi­nistro português, que, eventualme­nte, tenha cometido um presumível crime com alguma ligação a um país africano, seja qual for, Angola ou outro, que essa entidade oficial do Estado português ou de qualquer outro Estado europeu, a este nível, fosse julgada em África. Se me disserem que sim, bom, então vou rever a minha posição, mas eu não acredito que alguém tenha a coragem de dizer que sim. Portanto, por essas razões é que Angola defendeu a sua soberania. A defesa da nossa soberania não é feita apenas de armas na mão, com os canhões ao longo da fronteira para evitar a evasão de outros países. Aqui é uma forma de defesa da soberania, mas há outras formas de defesa da soberania e, nesse caso concreto, não permitir que um ex-presidente ou ex-vice-presidente seja julgado e condenado fora, sobretudo, nos casos em que há acordos de cooperação judiciária.

E, com este exercício de defesa da soberania, nós não estamos a dizer, de forma nenhuma, que não há crime. Quem somos nós para dizer isso? Mas também não estamos a dizer que, com a recepção do processo a partir de Portugal, o processo está arquivado. Eu, pelo menos, nunca ouvi da parte da Procurador­ia-geral da República informação neste sentido. Portanto, se o processo não está arquivado e se ele beneficia do estatuto de ex-vicepresid­ente da República, o Estado, portanto, a Procurador­iaGeral da República, para esse caso específico, tem que ser o primeiro a cumprir o que dizem os estatutos dos ex-presidente­s e ex-vicepresid­ente. O que a PGR está a fazer é cumprir. O que vai acontecer daqui para frente, quando perder essa condição, a protecção que a lei lhe confere, porque esse estatuto é uma lei, a Justiça sabe o que fazer. Não tenho que ser eu a dizer que caminhos seguir. Eu só devo dizer-lhe que não tenho conhecimen­to que o caso dele tenha sido arquivado. Então, se não foi arquivado, não vejo razão de tanta preocupaçã­o!

Não há dois pesos e duas medidas. Primeiro, é que as outras figuras que acabou de citar não estão cobertos pelo estatuto de ex-presidente ou de ex-vice-presidente. Nenhuma delas, das que citou, foi nem Presidente, nem Vicepresid­ente. Não estão cobertos por esse estatuto. Segundo, passa-se a ideia de que o que se pretende é que a nossa justiça passe a ser, efectivame­nte, selectiva. Os que dizem que hoje a Justiça angolana já é selectiva são essas mesmas pessoas que, com esses argumentos que acabei de ouvir, pretendem que ela passe a ser selectiva. E selectiva na base de quê? Selectiva na base da filiação das pessoas que estão a contas com a Justiça? É filho de quem? E a Justiça não pode cair nesta armadilha de dizer que se é filho de não pode ser tocado, sob pena de se dizer que há perseguiçã­o.

De 2017 à presente data, a Procurador­ia-geral da República instruiu mais de 2.300 processos. Processo apenas ou chamados de crimes de “colarinho branco” ou, se quisermos, crimes contra a economia. Mais de 2.300 instruídos. Desses processos instruídos, 330 transitara­m em julgado, dos quais 26 terminaram com condenaçõe­s, algumas das quais em segunda instância. Ou seja, o Tribunal condenou, o condenado recorreu, está no direito de o fazer, nos termos da lei. Houve um segundo julgamento, por isso em segunda instância, e, nos casos que conheço, esse segundo julgamento não ilibou ninguém. Digamos que ajustou as penas, quase sempre para baixo, mas manteve as penas de prisão.

Quem apanhou 14 anos, inicialmen­te, na segunda instância, o Tribunal acabou por confirmar para oito, nove anos. É mais ou menos essa decalagem entre a pena da primeira instância e da segunda, dos casos que nós conhecemos. Portanto, a Justiça está a ser selectiva como? Os 26 condenados também têm pai, também têm família,

também merecem o mesmo respeito e consideraç­ão da sociedade e tratamento condigno das autoridade­s. Então esses 26 condenados ou grande parte deles não estão a ser perseguido­s? Foram condenados pelo mesmo tipo de crime, corrupção, peculato. Por que é que não se diz que está haver perseguiçã­o? Portanto, eu acho que devem parar com esta ladainha da perseguiçã­o aos filhos da entidade A ou da entidade B. O critério deve ser e tem sido, penso, pela Justiça, pelos responsáve­is pela Justiça. O critério tem sido cometeu o crime ou não cometeu? E o que se pretende é que se diga é filho de António ou é filho de Fernando? Qual é o critério válido? A Justiça só pode ter uma forma de agir, Quando alguém é apresentad­o à Justiça, qual deve ser a preocupaçã­o da Justiça? Esse cidadão, até prova em contrário, é inocente. A nossa missão é provar se ele cometeu o crime ou não cometeu o crime. Em que circunstân­cia cometeu, caso tenha cometido, e se deve ser condenado ou não, que pena dar dentro da moldura penal que a lei prevê. Agora, a Justiça não pode estar preocupada com de quem é filho. E o que nós temos ouvido é que a Justiça angolana devia se preocupar com de quem é filho e não se cometeu ou não cometeu crime. Portanto, querer fazer da nossa Justiça uma Justiça selectiva é isso. Dizer quem é filho de A ou de B não pode ser ouvido, julgado, condenado pela Justiça por ser filho de A, B ou C.

Os outros, na visão de quem pensa assim, não têm pai, não têm família? Esses desgraçado­s que sejam atirados para qualquer sítio? Ninguém se preocupa com eles, porque não são filhos de A, nem de B? Isto é que ter uma Justiça selectiva e, neste caso, se a Justiça angolana se deixar levar para esse caminho não só passará a ser uma Justiça selectiva, como passará a ser uma Justiça injusta, uma justiça de injustiça. E não é isso que se pretende.

A economia angolana sofreu bastante com dois golpes bastante duros e disse muito bem. Um deles a baixa do preço do barril do petróleo no mercado internacio­nal, durante anos a fio, e, mais recentemen­te, com as consequênc­ias da pandemia da Covid-19 que paralisou a economia mundial. Portanto, a economia mundial, não apenas a angolana, sofreu um golpe bastante rude, muito severo mesmo. Mas, mesmo assim, modéstia à parte, devemos reconhecer que muito foi feito neste período de crise, quer pela baixa do petróleo, quer pelo surgimento da pandemia da Covid-19, que já dura dois anos. Parecia algo que iria durar meses, acabamos de completar exactament­e dois anos. Mesmo assim, considero que nos portamos bem. Encontrámo­s uma dívida pública, sobretudo na sua componente externa, bastante grande e, mesmo assim, Angola não foi declarado um país em falta. Conseguimo­s, entre outros factores, graças ao facto de temos tido a coragem de contra todas as previsões, fazermos um acordo com o FMI. Na altura, quase que nos chamavam malucos. Fizeram do FMI um bichopapão, porque o acordo com o FMI ia piorar a situação económica de Angola. Mas analisámos os prós e os contras, esteve aqui a presidente do FMI, a senhora Christine Lagarde, convidámo-la, veio a Angola, conversamo­s com ela de forma muito aberta. A verdade é que hoje estamos a ser premiados pela coragem que tivemos em assinar o acordo com o FMI.

Eu não sei o que seria da economia angolana se não tivéssemos não só assinado, mas cumprido à risca os termos do acordo com o FMI. Isso fez subir a nossa credibilid­ade, beneficiám­os de financiamo­s do próprio FMI, do Banco Mundial, encorajou os credores internacio­nais a emitirem Eurobonds para Angola e, portanto, as perspectiv­as para um futuro breve, estou a referir-me a 2022, são boas. As previsões de cresciment­o da economia angolana são boas. O país vai crescer, não importa se muito ou pouco, mas o determinan­te é que vai crescer. Portanto, as perspectiv­as são boas. Livramo-nos da colateral petróleo com o Brasil, livramonos da colateral petróleo com grupo israelita e, portanto, as perspectiv­as são boas. Estamos a levar muito a sério o nosso Programa de aumento da produção interna, aumento das exportaçõe­s, diversific­ação da economia, empoderame­nto do nosso sector privado das empresas nacionais, na atracção do investimen­to estrangeir­o, investimen­to directo estrangeir­o. Tudo isso anima-nos. Deixa-nos optimistas, a pensar em dias melhores. Portanto, o que se está a passar com Angola só vem confirmar que, de facto, depois da tempestade, se nos portarmos bem, durante a tempestade, se aguentarmo­s a tempestade, logo a seguir vem a bonança.

O FMI reviu em alta a previsão de cresciment­o económico de Angola de 0,1% este ano. Esta expectativ­a do FMI e o desembolso de mais 748 milhões de dólares vai permitir ao Executivo continuar a promover reformas estruturai­s e macro-económicas em 2022, para a criação de emprego na educação, saúde e noutros sectores vitais?

Não é uma questão de promessa. Isso já está a acontecer. Já estamos a fazê-lo e vamos fazer muito mais. Muito recentemen­te, aprovei a admissão de mais de sete mil profission­ais da Saúde que participar­am do último concurso público, tiveram boas notas, acima das requeridas, só que o número de vagas disponívei­s na altura é que era pequeno, relativame­nte. Não era assim tão pequeno, mas não cabiam todos os que tiveram nota requerida. O número dos que tiveram a nota requerida era superior ao número de vagas. Então, decidimos, há dias, autorizar o ingresso desses profission­ais da saúde. O mesmo se está passar com o sector da Educação.

Mas, voltando ainda à Saúde, o país fez um grande investimen­to neste sector, está fazer e continuará fazer. Aliás, aqui mesmo, quando falamos do Grupo Mitrelli, anunciei que só o grupo Mitrelli vai construir seis novas unidades hospitalar­es grandes. Há um grupo alemão que vai construir três grandes unidades, sendo duas em Luanda, e concluir a grande unidade hospitalar iniciada em Mbanza Congo. Portanto, eles vão concluir. Dentro de dias, vamos inaugurar, aqui em Luanda, duas grandes unidades hospitalar­es. Também dentro de dias, vamos inaugurar o grande hospital em Cabinda, construído de raiz. Bom, isso para dizer que essas unidades precisam de quadros. Não basta termos as obras de alvenaria prontas, os edifícios construído­s, bem equipados, com tecnologia de ponta, mas precisamos de ter o homem. São muitas unidades. Vêm aí mais, que, pensamos, devem ficar concluídas lá para 23, 24. Precisamos de pessoas qualificad­as, formadas, para poderem pôr a funcionar e estarem ao serviço dos necessitad­os, dos cidadãos. Vamos continuar a fazer concursos púbicos de admissão de profission­ais não só da Saúde, como da Educação. Portanto, o emprego é uma das nossas preocupaçõ­es. Incentivar o sector privado a criar emprego. Recentemen­te, o país conseguiu colocar em funcioname­nto as três grandes unidades têxteis que estiveram paralisada­s ou semi-paralisada­s durante anos. É o sector privado que está à frente dessas unidades, são empresas privadas que estão a criar empregos directos e indirectos, estão a criar emprego na parte industrial, em Luanda, em Benguela e no Dondo. Mas estão a criar empregos, também, em Malanje, no Cuanza-sul, em todo o outro sítio onde os camponeses estão a ser incentivad­os a produzir algodão para alimentar essas indústrias têxteis. E de emprego não é só na indústria, no sector social, Educação e Saúde, noutros sectores. Pescas, Agricultur­a. O país está a fazer muita agricultur­a. É pena que não temos muitas unidades de transforma­ção dos produtos do campo. Falamos, há bocado da Leonor Carrinho, é das poucas, em Benguela, cuja vocação é transforma­ção de produtos alimentare­s, embalagem e transforma­ção de produtos do campo para colocar ao serviço dos consumidor­es. Portanto, o emprego é algo que nos tira o sono.

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KINDALA MANUEL | EDIÇÕES NOVEMBRO
 ?? ?? Em 2017, considerou uma ofensa a investigaç­ão, então em curso na Justiça portuguesa, contra o ex-vice-presidente Manuel Vicente, um dos nomes ligados ao antigo Presidente, e exigiu que o caso fosse entregue à Justiça angolana, o que foi feito por Portugal. Desde então, não foram conhecidos quaisquer desenvolvi­mentos a nível destes processos, ao contrário de outros casos mediáticos, como o dos filhos de José Eduardo dos Santos. Esta situação aparente de dois pesos e duas medidas não coloca em causa a imagem de luta anti-corrupção que sempre quis associar ao seu mandato? Acredita que em 2022, com o fim das imunidades, o processo vai avançar?
Em 2017, considerou uma ofensa a investigaç­ão, então em curso na Justiça portuguesa, contra o ex-vice-presidente Manuel Vicente, um dos nomes ligados ao antigo Presidente, e exigiu que o caso fosse entregue à Justiça angolana, o que foi feito por Portugal. Desde então, não foram conhecidos quaisquer desenvolvi­mentos a nível destes processos, ao contrário de outros casos mediáticos, como o dos filhos de José Eduardo dos Santos. Esta situação aparente de dois pesos e duas medidas não coloca em causa a imagem de luta anti-corrupção que sempre quis associar ao seu mandato? Acredita que em 2022, com o fim das imunidades, o processo vai avançar?

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