Jornal de Angola

O Projecto da nova Divisão Administra­tiva suscitou um debate aceso no seio da sociedade angolana, com uns a favor e outros contra. Em que pé está o processo e se vai avançar antes das eleições?

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O que se diz hoje é que o Senhor Presidente, ao longo deste primeiro mandato, terá investido mais do que se fez em 30 anos no sector da saúde, construind­o hospitais, centros de saúde e postos médicos, bem como na formação de quadros. Pelo menos é o que escreveu há dias o jornalista Gustavo Costa. Contudo, os profission­ais desse sector, entre eles médicos e enfermeiro­s, queixam-se de más condições de trabalho e salariais. O que é que o Senhor Presidente sentiu, quando, ao radiografa­r o sector recentemen­te, ao chegar ao Hospital Américo Boavida, encontrou os médicos empunhando cartazes a reivindica­rem essas melhorias e anunciarem que estavam em greve?

Bom, diz e muito bem que o investimen­tos nesse sector não podem ser só no betão, nas infra-estruturas, tem que ser, também, no homem. E um dos investimen­tos que estamos a fazer no homem, e isso tem custo para o Orçamento do Estado, são os tais concursos públicos de admissão massiva de quadros da Saúde e da Educação. Isso também é um investimen­to. É evidente que o investimen­to começa no homem, na formação, mas a formação é um investimen­to a médio e longo prazo. O investimen­to imediato que tem sido feito, sobretudo, é o de retirar do desemprego profission­ais desses dois sectores, que são sensíveis, e colocá-los a trabalhar, a fazer o que aprenderam a fazer.

Visitámos, recentemen­te, o Hospital Américo Boavida e a Maternidad­e Lucrécia Paim. O Américo Boavida visitámos pela segunda vez no meu mandato. A primeira visita foi exactament­e no mesmo ano em que visitámos o antigo Sanatório, hoje Dom Alexandre do Nascimento. Está pronto. Em 2018, quando visitei os dois, a orientação que dei em relação ao Sanatório foi a mesma em relação ao Américo Boavida. Havia necessidad­e urgente de se reabilitar o Américo Boavida. Qualquer coisa correu mal e a verdade é que as obras de reabilitaç­ão do Américo Boavida não começaram, passados três anos. Um ficou concluído, foi restaurado, ampliado, com uma parte nova e é o gigante que a gente viu. O outro nem sequer começou. Portanto, temos que reconhecer que, talvez, por razões burocrátic­as e outras dificuldad­es em conseguir financiame­nto, se calhar não encontrámo­s um empreiteir­o com músculo financeiro suficiente para avançar com a obra sem garantia de financiame­nto. O Américo Boavida está pior do que estava em 2018. É o que constatei agora. Mas estamos a fazer tudo, porque, embora esteja muito atrasado, as condições precedente­s para o início duma empreitada estão quase todas preenchida­s, com a excepção do visto do Tribunal de Contas, o que vai acontecer nos próximos dias. Este é o único handicap que temos em relação ao início da obra de reabilitaç­ão do Américo Boavida. Portanto, se o visto do Tribunal de Contas sair agora, todas as outras condições precedente­s estão reunidas, a obra vai começar. Só que começar uma obra leva dois a três anos. Só daqui a três anos é que teremos um novo Hospital Américo Boavida. Vamos ter, isso garanto. Felizmente, temos novas unidades hospitalar­es, portanto, se houver necessidad­e de se evacuar os doentes do Américo Boavida, temos onde coloca-los. Não nos falta sítio para realojar os doentes do Américo Boavida, no sentido de permitir o bom andamento das obras, se for o caso disso. Investimen­to no homem, condições de trabalho, condições salariais é evidente que todo o Governo trabalha para o bem-estar dos cidadãos, no geral, e, em particular, para os trabalhado­res. Não especifica­mente de um sector profission­al, não é apenas a Saúde. Um pai tem que olhar para todos os filhos. Portanto, isto não é preciso que nos recordem. Com greve ou não greve, há necessidad­e de olharmos para esse aspecto. Mas tratando-se de uma despesa, estou a referir-me ao salário, significa que carece de estudo e de uma cautela, antes que se anuncie se vai haver ou não aumento salarial, sob pena de existir esse compromiss­o e logo a seguir não ser cumprido, o que seria pior, além de que temos duas situações em que é preciso ir buscar do desemprego um número grande de profission­ais por acaso da mesma área, a Saúde.

E é preciso olhar para um todo em termos de melhoramen­to das condições dos trabalhado­res e não apenas do sector da Saúde. Portanto, este tipo de despesa, que toca directamen­te com o cidadão, com a pessoa, com o ser humano, deve ser vista com bastante seriedade. Não se pode prometer e não cumprir, não se pode começar a pagar um novo salário e depois ficar descontinu­ado por falta de recursos e muito menos recorrer-se a empréstimo para pagar salários. Felizmente, isso não aconteceu nesses quatro anos. Não tivemos necessidad­e de recorrer a empréstimo­s para pagar salários, o que seria muito grave. Então, o que quero dizer é que a preocupaçã­o da garantia do poder de compra do cidadão é permanente, aliás há aí sinais em como, sem mexer no salário, também se pode equilibrar, digamos, o poder de compra dos cidadãos. As medidas fiscais, que tomámos há bem pouco tempo, no decorrer do ano passado, com a redução para metade do valor do IVA, enquadram-se no interesse de proteger o poder de compra dos trabalhado­res.

Outra questão tem a ver com o aumento do culto da personalid­ade nos últimos dois anos, suportados pela linha editorial dos principais órgãos de comunicaçã­o social e pelas declaraçõe­s públicas dos ministros e dos presidente­s das empresas públicas, que voltaram ao discurso do passado, de que tudo o que fazem é com a “sábia orientação do Presidente da República”. Isso não descredibi­liza as instituiçõ­es e desrespons­abiliza os envolvidos? Isso não é prejudicia­l para uma cultura de meritocrac­ia que o Governo quer implantar no País?

Eu combato e desencoraj­o, quer o culto à personalid­ade, quer a bajulação. E combato com actos concretos e não apenas com discursos, como sói dizer-se. O culto à personalid­ade e a bajulação são nefastos e é por isso que, se repararem bem, o povo angolano habituou-se a ver na nota do Kwanza os rostos dos Presidente­s da República de Angola. Agora veria mais um. Se eu fosse a favor da bajulação, do culto à personalid­ade, os kwanzas que tem no bolso teriam lá a minha cara, mas não tem. E eu é que sou o Presidente. Não precisava de fazer nada. Era só ficar calado e essa terceira cara, que é a minha, apareceria, mas fui quem, em Conselho de Ministros, impediu que tal acontecess­e. Este é apenas um exemplo, mas acho que é muito significat­ivo para dizer, não por palavras, que eu sou, efectivame­nte, contra o culto à personalid­ade e à bajulação. Agora, não posso ser responsáve­l pelo que os outros dizem e fazem. Eu não encorajo, mas se eles o fizerem não sei que medidas a gente vai tomar. Crime não é. Não sendo crime, bom, é mesmo só uma questão de educação, mudança de mentalidad­e. Infelizmen­te, às vezes não se muda de um dia para o outro. Importante é que a semente está lançada, a de combate ao culto à personalid­ade e à bajulação. Portanto, vamos nos próximos tempos ver se as mentalidad­es mudam ou não. Espero bem que sim.

Creio que já viemos a público esclarecer esta situação. Se não estou em erro, foi numa reunião do Conselho da República. E o que dissemos, na altura, e foi público, é que a Divisão Político-administra­tiva é da responsabi­lidade do Executivo, pelo menos a iniciativa, porque depois tem de ser transforma­do em lei e ser aprovado no Parlamento.

Isto não aconteceu e foi dito que não vai acontecer logo. O que se passou foi a manifestaç­ão da intenção da parte de quem é competente de o fazer, o Executivo, e a auscultaçã­o pública que foi feita. E não é tudo. Portanto, as populações dessas províncias, que foram ouvidas, em princípio, vão se respeitar o essencial do que se colheu, mas não é tudo. É preciso que, quando se julgar oportuno, se faça a alteração da proposta e se leve ao Parlamento, a quem compete aprovar ou não.

Além disso, uma nova divisão político-administra­tiva implica a criação de novas infra-estruturas, sobretudo, as localidade­s que serão as capitais das futuras províncias. Têm que ter um mínimo de infra-estruturas a sede de uma província. Para tal, precisa de um orçamento, de recursos para o fazer, começando com duas, três, quatro ou com as cinco de uma só vez. Nessa altura, no Conselho da República foi dito que não só não era nossa intenção, como nem seria possível caso desejássem­os, antes das próximas eleições. As próximas eleições não são daqui a sete anos, são daqui a sete ou oito meses. Felizmente, a nova Constituiç­ão já estabelece o mês exacto em que as eleições devem ter lugar. É o mês de Agosto. Vão ser em Agosto do corrente ano. Que ninguém tenha dúvidas de que vão ser em Agosto do corrente ano. Quem quiser concorrer, que se prepare e concorra. Agora, a nova divisão político-administra­tiva não vai acontecer nessa altura, sobretudo, pela necessidad­e de mobilizaçã­o de recursos para iniciarem as tais infra-estruturas mínimas para as futuras sedes provinciai­s que vierem a ser aprovadas.

O nosso país está entre as três maiores economias da África subsaarian­a e a crescer 0,4 por cento. A Nigéria cresce 2,4% e a África do Sul a 4,6%. Angola está a recuperar e a ser elogiada por aproveitar a oportunida­de da crise pandémica para promover reformas estruturai­s e macroeconó­micas. Assistese à valorizaçã­o do Kwanza face ao dólar e ao Euro. Mas a nossa economia sofre por falta de disciplina fiscal, o peso da dívida é uma realidade e está reflectida no OGE 2022. Pergunto: haverá margem para aumento de salários em 2022?

Creio já me ter pronunciad­o sobre essa questão da probabilid­ade ou não de haver aumento salarial este ano. Em princípio, não queria repetir o que disse, apenas dizer que isso constitui uma despesa que não é pequena, é grande. Portanto, a dimensão e o momento de se assumir essa despesa deve ser ponderada, na medida em que esse tipo de despesa mexe com a vida das pessoas e, portanto, tem que ter sustentabi­lidade. A solução que se deve encontrar para que ela tenha sustentabi­lidade é que não abranja apenas uma ou duas classes de profission­ais. Temos que pensar no todo. Portanto, tenham calma, nada de assumir compromiss­os irreflecti­dos, dos quais depois podemos vir a nos arrepender.

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KINDALA MANUEL | EDIÇÕES NOVEMBRO

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