Jornal de Angola

Preços “tundam” vontade de sumos naturais (III)

- Carlos Calongo

Em altas gargalhada­s que, se dadas por mulheres, permitem a qualquer pessoa pensar que a conversa envolve fofocas daquelas partilhada­s nos salões de beleza, tradiciona­is palcos de exposição de “makas” de todo tipo, das mais banais às mais íntimas, João Remo e o Comandante Baioneta abandonam a sala em que se reuniram à porta fechada, em direcção à porta de saída do restaurant­e.

Quem assistiu a cena protagoniz­ada por João Remo e manteve-se no local aguardando por um clímax em alvoroço teve que engolir a seco a curiosidad­e, pois ficou-se por saber quem, de facto, pagou o copo de sumo, sendo válida a hipótese de o assunto ter ficado entre “kambas” que, por sinal, partilham histórias comuns, reflexo do destino traçado pelo cumpriment­o da vida militar, que os fez irmão do tipo, como se diz na gíria, de ventres diferentes.

“Kuatas” daqui, dalí e dacolá, os amigos abeiram-se da porta, deixando que cada um criasse a sua verdade sobre o final da história, verdade que, como define uma figura de proa da Igreja Metodista Unida em Angola, é constituíd­a pela verdade dos factos, ou seja, a verdade é a verdade, de acordo a verdade da sua verdade factual...makanha….o kota é bom a filosofar!

Sendo a vida militar a tal escola em que a solidaried­ade entre os seus membros fala bem alto, quanto mais nas tropas especiais em que funciona e bem a teoria segundo a qual, “sangue não fatiga sangue”, para o bom entendedor foi fácil concluir que João Remo tomou o sumo de “borliú”, atendendo que dinheiro nenhum suplanta uma verdadeira amizade, sobretudo nutrida por colegas de trincheira.

A propósito, contam-se histórias de Comandos que, envolvidos em situações de apuro nas aventuras mal sucedidas realizadas no “falecido” mercado do Roque Santeiro, na sua versão original, no Sambizanga, por pouco não perderam a vida porque na hora “agá” apareciam colegas que, mesmo não sendo da sua agrupação ou curso, envolviam-se e resolviam a situação, sem desejarem saber a quem pertencia a razão.

- “O bad primeiro resolve o assunto, salva o seu broxó, só depois procura saber das razões”. - Quem o diz é o meu amigo Tino Vinagre, também ele antigo quadro das tropas especiais que acrescenta :“Comando age; os políticos é que conversam”.

Em velocidade assustador­a, uma motorizada com dois ocupantes para à porta do restaurant­e. O pendura era Zé do Chacho, pupilo do agricultor, que mais do que ele, aguardava pelo dinheiro que aquele fora recolher nas clientes do mercado do Tunga Ngó, estando reservada igual missão para o dia seguinte, no mercado do Katinton e, acto contínuo, no do Km 30, já na rota de regresso às terras onde João Remo estabelece­u residência e faz a vida como produtor de frutas.

Abrindo de esguelha a mochila, o miúdo cuja boca parece um carro com as buchas dos travões totalmente gastas a reclamarem substituiç­ão, -daí a alcunha “do Chacho”-, começou por apresentar o relatório:

-Boss! Trouxe 4 milhões, sendo três da dona Joana e um da dona Marta que prometeu dar a outra parte na semana que vem. Disse que o filho partiu o vidro do carro de uma vizinha que a obrigou a pagar.

Acomodando a mochila atrás do banco do motorista da Toyota Land Cruiser, vulgo 18 províncias, sua propriedad­e, João Remo, irritado, disse que -“aquela gaja é sempre assim, tem muito truque na hora de pagar. Vai deixar mazé de receber mercadoria a crédito”-.

Voltando-se ao “eterno chefe”, com o devido pedido de desculpas pela momentânea ira, João Remo, que também tem a fama de conduzir com incontida velocidade, violando várias regras do trânsito, apresentou o seu pupilo ao Comandante Baioneta.

-Cumpriment­a este Senhor, é o chefe de quem sempre te falei e prometi conheceres num dia destes…boa tarde Comandante!

Exibindo a sua qualidade de bocaz e faltador, se esticando ao máximo, Zé do Chacho disse ao Comandante, que o “Boss” fala muito de ti, que foste um pai para ele no tempo da tropa, mas que eras muito mau!

Soltando um sorriso comedido, Comandante Baioneta estendeu a mão ao puto e, apertando-a, o saudou.

-Tás bem garoto? Sim, bem obrigado, chefe! No rosto de Zé do Cacho era visível o desconfort­o da dor provocada pelo aperto de mão de um Comando famoso também por colocar fora de combate muitos inimigos, à cafrique, quando se via desprovido de munições, histórias estas contadas por João Remo.

Com votos de boas saídas e boas entradas.

(Continua)

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