Das Origens Bíblicas à Modernidade Lawrence Freedman e as Origens da Estratégia
“Todo mundo precisa de uma estratégia. Líderes de exércitos, grandes corporações e partidos políticos há muito se esforçam para ter estratégias, mas agora nenhuma organização séria poderia se imaginar sem uma”. Lawrence Freedman
A estratégia ocupa um lugar central na vida dos Estados e das organizações. Esta realidade é irrefutável, visto que as estratégias têm auxiliado sobremaneira os Estados e as organizações. Também não é possível fazer elaborações de nível estratégico sem que se conheça a história da estratégia e particularmente as suas origens. Estas são o ponto de partida para o estudo do pensamento estratégico. As abordagens sobre as origens da estratégia são coincidentes, havendo assim uma grande unanimidade nesse domínio. Mas os cultores da estratégia e os estrategistas estudam as origens da estratégia a partir de diferentes pontos de vista e procuram valorizar questões que, por vezes, são negligenciadas.
Este é o caso de Lawrence Freedman, estrategista de gema, ligado ao King College de Londres. No seu livro “Estratégia Uma História”, ele apresenta uma perspectiva diferente sobre as origens da estratégia porque parte da evolução das espécies, passa pelos tempos bíblicos e pelas origens gregas, orientais e europeias da modernidade, culminando com a “estratégia de satanás”.
Nesse livro, Lawrence Freedman, estudioso dos assuntos estratégicos, destaca, em jeito de intróito, que todos nós precisamos necessariamente de uma estratégia. É indispensável possuir uma estratégia porque é muito mais compensador do que não ter nenhuma. É preferível ter uma estratégia a passar a vida a viver do senso-comum. Não possuir uma estratégia, é o mesmo que ser negligente. Isto porque as “decisões que nós tomamos têm de possuir um significado estratégico”. Além do mais, não basta pensar assim, mas é necessário conhecer as origens da estratégia. Este é o primeiro passo no domínio do estudo da história da estratégia.
Evolução das Espécies e o Pensamento Estratégico
A história da estratégia é estudada a partir da perspectiva das origens onde tudo se conecta com as questões de natureza puramente militar. Este é o ponto de partida dos estudos estratégicos. Mas Lawrence Freedman começa a abordagem das origens da estratégia partindo dos saberes derivados da evolução das espécies. Segundo ele, os elementos estruturantes da “estratégia humana” são as “decepções”, a visão para a “formação de coligações e o uso instrumental da violência”. Para atestar essas evidências, ele socorreu-se de alguns estudos que se fizeram com chimpanzés. Esses estudos colocam em destaque o facto de que esses primatas possuem algumas “formas de comunicação, pensamento profundo e planos”.
Também evidenciam o facto de que os chimpanzés estabelecem e desenvolvem “relações complexas” quando eles se encontram agrupados. Além do mais, esses estudos atestam que os chimpanzés adoptam comportamentos políticos na sua conduta, o que permite construir coligações e gratificar os seus apoiantes de diferentes maneiras em caso de conflito.
Estudos posteriores com chimpanzés, ocorridos em 1970, atestam também que a vida societária desses primatas é complexa porque eles criam alianças e lutam pelo poder, traduzindo assim comportamento político. No domínio da luta pelo poder, eles adoptam comportamentos em conformidade com os interesses individuais e colectivos, mas obedecem sempre a estrutura hierárquica estabelecida. Ainda assim, nas suas lutas, os chimpanzés aplicam diversas tácticas e assumem posições de firmeza. Outro traço que os distingue é o facto de que eles procuram solucionar os conflitos por via da “mediação e reconciliação”. Mas os estudos atestam de igual modo que os chimpanzés “não assumem posições e atitudes muito agressivas”.
Perante as diferentes formas de socialização e de vida dos chimpanzés, os estudos destacam que a base desses elementos estratégicos é a habilidade que eles têm para reconhecer o individualismo de cada um e preservar as relações sociais, incluindo a condição para estabelecer alianças ou pôr fim as mesmas. Partindo das evidências desses estudos, Lawrence Freedman conclui que as “raízes políticas são mais antigas do que a humanidade”.
Outrossim, os estudos confirmam que alguns primatas podem demonstrar tolerância, altruísmo e até empatia. Neste contexto os primatas também expressam sensibilidade e compreensão mútua, o que é essencial no contexto das relações e interacções sociais, bem como para a coordenação e realização de actividades. Ao mesmo tempo, os chimpanzés manifestam “decepção em algumas circunstâncias”. Este estado de desapontamento é, segundo Lawrence Freedman, uma “qualidade estratégica vital” porque isto é uma mudança de comportamento.
Este tipo de atitude enquadra-se naquilo que se designa de “inteligência estratégica”, que é notória nos chimpanzés e é extensiva aos humanos. Isto permite estabelecer interacções e relações sociais complexas, bem como proporciona capacidade para sobreviver em ambientes severos e complexos.
Por força dessas e de outras evidências, derivadas dos estudos comparados sobre o tamanho do neocórtex de alguns primatas, os estudiosos atestam que há uma “ligação entre o tamanho do cérebro e a inteligência social geral, incluindo a habilidade para trabalhar em conjunto e gerir conflitos”. Deste modo, a “extensão do cérebro corresponde à habilidade para manter vínculos sociais substanciais” em diferentes circunstâncias.
Nestas condições emerge o “conceito de inteligência maquiavelista” que estabelece um vínculo entre “estratégia e evolução”. A ideia subjacente nesse conceito prende-se com as “técnicas de sobrevivência” elaboradas por Nicolau Maquiavel no contexto dos desafios do século XVI, o que equivale aos recursos técnicos usados pelos grupos sociais primitivos nos tempos mais remotos. Assim foi possível resistir e sobreviver.
Na esteira da absorção de outros contributos, no domínio em análise, interessa ver a questão da “estratégia da violência”. Esta decorre precisamente da forma como Charles Darwin define a luta intergrupal, como sendo “a luta pela existência”. Ora se entre alguns animais as lutas são travadas de forma individual, entre os chimpanzés as lutas assumem outros contornos. Neste caso sobressai sobretudo a “inteligência estratégica”, uma vez que a “estratégia comportamental é mais expressiva que o instinto agressivo”.
Essas realidades ficaram evidentes nas observações que se fizeram a grupos de chimpanzés, em 1960, no Parque Nacional Gombe Stream na Tanzânia. Os estudos permitiram registar que as lutas intergrupais ocorriam e nessas ocasiões eles empregavam várias tácticas. Apesar disso, os investigadores também consideraram que parte das lutas intergrupais se devia a escassez de “recursos alimentares, as fêmeas e a necessidade de segurança”. No fundo, essas lutas entre os chimpanzés não passavam de simples embates e menos de “acontecimentos de extrema violência”.
Entretanto, Lawrence Freedman sublinha que algumas das evidências registadas com esse grupo de primatas também se manifestaram nas guerras primitivas. Mas aqui os contornos são diferentes, visto que as estratégias nas guerras primitivas eram “largamente de atrito” e com um sentido de “vitória total”.
A violência patente nos conflitos entre os chimpanzés e a natureza das guerras primitivas permitem concluir que esses são “alguns dos elementos estruturantes da conduta estratégica”. Nesta linha de pensamento, Lawrence Freedman assevera que “os elementos do comportamento estratégico não mudaram, somente mudou a complexidade das situações”. Significa dizer que o comportamento estratégico dos humanos advém de forma clara das guerras primitivas e mantém-se o mesmo ao longo dos tempos. Desta maneira, o comportamento estratégico é intrínseco à condição humana independentemente das circunstâncias e do tempo.
Mas como Lawrence Freedman destaca as guerras primitivas de maneira geral, é preciso reter, no contexto da presente narração, que há dois tipos de guerras primitivas. A “guerra primitiva de faz de conta” com um sentido mais recreativo e a “guerra primitiva para valer”. É neste tipo de guerra que os primitivos manifestavam a violência total. Nessas guerras as partes perseguiam essencialmente objectivos políticos, económicos e territoriais, o que culminava com a vitória de uma parte.
Prosseguindo a descrição sobre as origens da estratégia, alguns factos históricos que constam da bíblia hebraica também são valorizados. Isto porque eles foram uma consequência directa dos conflitos derivados de embates e decepções. Aliás, esses conflitos influenciaram de maneira significativa o pensamento estratégico. Nesse sentido o caso de Adão e Eva e a situação do êxodo dos judeus do Egipto foram objecto de interpretações estratégicas por parte de Lawrence Freedman.
Aliás, Moisés é visto, do ponto de vista estratégico, como um “agente de Deus” porque tirou partido da ideia das “Dez Pragas” e utilizoua como uma “estratégia de coerção”. Por isso, esta estratégia é entendida como uma “coerção exitosa” pelo conjunto dos factos ligados ao êxodo dos judeus e aos eventos posteriores. Logo, as “ameaças de Deus ganharam credibilidade”. Tanto mais que os judeus conquistaram a terra prometida e não só. E ficou evidente que a “melhor estratégia foi obedecer a Deus e fazer como Ele (…) disse”.
Na trilha das origens da estratégia de base bíblica, outra referência que é valorizada tem que ver com o embate entre David e Golias no âmbito das lutas entre israelitas e filisteus. Nesse embate os primeiros saíram-se vitoriosos devido à crença de David em Deus e à táctica que ele utilizou no combate com o seu inimigo. Este é o registo histórico e estratégico.
Continuando no encalço das referências relativas às origens da estratégia, também interessa ver os contributos oriundos da antiga Grécia. As contribuições oriundas deste país não têm nada a ver com o estar no lugar certo e com os deuses. Da Grécia surgiram as mais importantes contribuições históricas das origens da estratégia, visto que elas resultaram da combinação da reflexão “intelectual de mente aberta e do rigoroso debate político”. Disto resultou a produção de uma rica literatura filosófica e histórica de grande alcance estratégico.
No contexto das origens estratégicas gregas, um lugar de destaque é ocupado pelo general Péricles devido à grandeza do seu pensamento estratégico e à envergadura das suas acções estratégicas. Ele era um estratego e estadista de elevada grandeza. Era hábil a persuadir. Este atributo foi essencial para o sucesso das suas acções estratégicas. O general Péricles combinava as palavras e as acções com grande habilidade. Em estratégia, assevera Lawrence Freedman, isso é fundamental.
Nas origens estratégicas gregas há, na verdade, referências de valor estratégico incomensurável que constam de obras clássicas, como são os casos da “Odisseia” e a “História da Guerra do Peloponeso”, bem como nos “Discursos” e nas reflexões filosóficas de Platão. Estas são apenas uma parte das contribuições clássicas.
As origens estratégicas da era clássica não se restringem a Grécia, mas são extensivas a Roma. A expansão do Império Romano e o seu apogeu no período imperial criaram condições para a emergência de outras contribuições estratégicas significativas. Do Oriente também brotaram outros saberes estratégicos, não menos significativos. Na modernidade, o expoente máximo é sem dúvidas Nicolau Maquiavel devido à elevação política e estratégica das suas obras e ao conjunto dos seus discursos.
Conclusões
Esta incursão sobre as origens da estratégia deixa bem claro que o manancial de conhecimentos é bastante significativo. Este texto não abarcou tudo, mas mesmo assim deu para expor a perspectiva de Lawrence Freedman. Esta possui um traço muito específico, mas também algumas questões que ele aborda já foram objecto de atenção por parte de outros estrategistas e cultores da estratégia. Os saberes das origens da estratégia possuem um peso significativo no âmbito da história da estratégia. Em gesto de conclusão, só resta dizer que intelectuais, académicos, políticos, generais, líderes, estadistas, estudiosos, pensadores, críticos, etc. não abdicam desse manancial de conhecimentos.