Realismo e firmeza
Com realismo e firmeza pode-se fazer avançar a agenda africana, ganhando consciência da realidade actual, dos desafios e percursos por trilhar em nome da unidade e desenvolvimento do continente. É difícil o percurso na direcção do progresso, como parafraseava o Poeta Maior e primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, ele próprio um pan-africanista convicto, na poesia "comboio africano", quando descrevia a caminhada do continente nos seguintes versos: "um comboio/subindo de difícil vale africano chia que chia/grita e grita/quem esforçou não perdeu/mas ainda não ganhou".
O trajecto para o progresso e bem-estar no continente é tortuoso, e devem todos os africanos ganhar consciência sobre essa dura realidade, na medida em que as relações em que assentam os laços entre o Norte desenvolvido e o Sul subdesenvolvido perpetuam modismos que emperram o desenvolvimento de África.
Basta ver as bases em que se reproduzem as relações económicas e comerciais, ao lado do fardo que representa, para a maioria dos países africanos, a dívida externa, para se ter uma noção dos trilhos difíceis em que andam os Estados africanos. E como as histórias recentes do continente têm provado, as iniciativas de ruptura custaram em muitos casos as vidas e cargos de valorosos filhos de África desde o primeiro Presidente togolês, Silvanus Olympio, a Ahmed Sekou Touré, da Guiné, passando por Eméry Patrice Lumumba, o primeiro Primeiro-ministro da RDC, apenas para mencionar estas figuras modernas do nacionalismo africano, que souberam dizer não às ex-metrópoles.
É verdade que "não se pode chorar sobre o leite derramado", atendendo ao lado irremediável da dura realidade em que se materializam os laços económicos e comerciais, que aprofundam desigualdades e enraízam subdesenvolvimento. Mas obviamente que há esperança, sobretudo se formos capazes de diagnosticar correctamente os empecilhos que inviabilizam um percurso consentâneo com a realidade e necessidades dos Estados e povos africanos. Na verdade, nada está perdido, apesar de nada estar igualmente e de todo já ganho, como lembrava o Poeta-maior. "Quem esforçou não perdeu", diz numa clara alusão ao sentido realista, optimista e firme com o qual se deve encarar os actuais desafios de África. E, contudo, atendendo a caminhada que se faz a ideia de que "ainda não (se) ganhou" espelha bem o ponto em que África e os africanos em geral se encontram relativamente às conquistas e metas por alcançar.
Com realismo e firmeza vai ser possível passar pelos actuais desafios do continente, sendo necessário, para o efeito, que vençamos a resignação, o conformismo e o fatalismo baseado na ideia de que está tudo perdido para África. Como escreveu o notável contista africano de origem nigeriana, Chinua Achebe, num apelo à firmeza, "um dos mais verdadeiros testes de integridade é sua recusa contundente ao conformismo". De facto, precisamos de ganhar consciência e promover a ideia de que ser africano não pressupõe perder a esperança no continente, independentemente das contingências ligadas ao contexto político, militar, social e económico para que o realismo ajude a identificar problemas e a firmeza contribua para a perseverança.