Jornal de Angola

A natureza viva e a natureza morta

- Adriano Mixinge

Os limites entre a natureza viva e a natureza morta são imprecisos: foi sempre assim na História Universal da pintura, mas, também, o-é de um modo geral na vida.

A mente, o cabelo ou a pedra podem significar e ser muito mais do que aquilo que, aparenteme­nte, são. Talvez, por isso, o facto dos livros “A Arte e a Criação da Mente” (2004) de Elliot W.eisner, “Esse Cabelo” (2015) de Djaimilia Pereira de Almeida e “Modernismo Africano – A Arquitectu­ra da Independên­cia” (2015) de Manuel Herz, Ingrid Schorder, Hans Focketyn e Julia Jamorozik com fotografia­s de Iwan Baan e Alexia Webster fazerem muito sentido, fazem-nos estar mais atentos à natureza viva e à natureza morta.

A força que a educação artística tem para a estruturaç­ão de uma mente saudável e criativa é o centro de interesse do livro de Eisner. O cabelo como um elemento prepondera­nte da construção identitári­a do outro é o leitmotiv que utiliza Djaimilia de Almeida para falar de uma viagem diaspórica que, afinal, se transformo­u em definitiva. A simbologia da arquitectu­ra enquanto manifestaç­ão da libertação social foi o desafio que enfrentara­m Manuel Herz (e os seus colegas) para falarem sobre a transição da época colonial para a pós-colonial, na história da arquitectu­ra no Ghana, no Senegal, na Costa do Marfim, no Quénia e na Zâmbia.

O que, de um modo geral, estes livros nos ensinam é que não podemos menospreza­r a natureza morta dos seres vivos, nem a vitalidade dos seres inanimados: a forma como devemos lidar com as realidades impõem-nos lógicas, ritmos e atitudes que, vezes sem conta, obrigam-nos a passar animicamen­te ou, de facto, de um comportame­nto, por exemplo, dinâmico ao contrário, passivo.

Ouvimos história de quem, de modo astuto, para pescar na lagoa deve permanecer estático: e é como se, muitas vezes, para sobreviver fosse indispensá­vel simular aquilo que não somos não queremos ser, nem consideram­os útil ser.

Assim que optamos por estar mais atentos à natureza humana e a tudo que nos circunda. Vemos pela janela as pessoas que passam e o guarda do prédio ao lado, que se "esperguiça" sem importar-se pelo tempo que se esvai. O boné do vigilante, a sua camisa e a calça do fardamento dão dignidade ao seu corpo sentado e encurvado na cadeira: as suas botas brilham confirmand­o o quão ociosa é a sua rotina e a sua coluna vertebral. Ninguém sabe o certo o que faz dele um ser vivo e o que, em rigor, o torna o ser apagado.

A sombra debaixo da lona mexe-se devagar, as pedras não: cada ser animado ou inanimado tem a sua sina.

Presa entre dois vidros translúcid­os, uma aranha vai de um lado para o outro como se procurasse qualquer coisa para cobrir ou unir com as suas teias. Rodeados de livros e com a panela e a frigideira nas bocas no lume do fogão, na cozinha, o Cacimbo não é assim tão severo. Ouvimos música romântica alta e, dando-se conta disso, nem os pássaros se atrevem a competir com ela.

O Sol nem mais ardente é: as árvores agitam as suas ramas, enquanto as folhas parecem querer voar.

Enquanto escrevemos esta crónica, aqueles livros estão amontoados uns em cima dos outros e o vapor da batata e da cenoura na água que ferve solta aromas familiares. Os sons do tubo de escape das motorizada­s que vêm e das que vão, a buzina dos carros, os meninos que gritam e a água do ar condiciona­do que cai aos pingos, no charco, compõem a melodia de um tempo que, agora, valorizamo­s: e tudo porque os limites entre a natureza viva e a natureza morta continuarã­o a ser inexactos.

A sombra debaixo da lona mexe-se devagar, as pedras não: cada ser animado ou inanimado tem a sua sina. Presa entre dois vidros translúcid­os, uma aranha vai de um lado para o outro como se procurasse qualquer coisa para cobrir ou unir com as suas teias. Rodeados de livros e com a panela e a frigideira nas bocas no lume do fogão, na cozinha, o Cacimbo não é assim tão severo

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