Cimeiras e o futuro de África
Hoje, até amanhã, a cidade de Malabo, capital da Guiné Equatorial, vai ser o epicentro de encontro político, diplomático e de doadores para, em dois dias, em cimeiras de alto nível com temáticas diferentes, abordar a situação do continente.
O Presidente da República, João Lourenço, vai marcar presença nas duas reuniões de alto nível, que vão ter lugar no Centro de Conferências de Sipopo, em Malabo, onde os estadistas africanos e parceiros vão abordar temas que afectam hoje, mais do que nunca, o continente, nomeadamente, a crise alimentar que coloca hoje numerosos países à beira da catástrofe humanitária, a insegurança provocada pelo terrorismo, bem como as alterações da ordem política e constitucional, esta uma realidade com a qual alguns Estados e sociedades africanos lidam.
A Cimeira Humanitária Extraordinária e Conferência de Doadores, uma iniciativa conjunta do UNICEF e União Africana, visa lidar com a situação caracterizada por um número cada vez maior de crianças nas áreas de crise prolongada de África – do Sahel ao Corno da África – exposto aos impactos da insegurança alimentar, Covid-19, às más colheitas, a crise da Ucrânia e ao aumento global dos preços dos alimentos.
Dia seguinte, apadrinhada por Angola, vai ter lugar a Cimeira Extraordinária sobre Terrorismo e Mudanças Inconstitucionais de Governos em África, uma realidade que importa abordar, trocar informações e experiências, traçar plano de reversão e exprimir recomendações que valham o compromisso e sujeição às mesmas.
Ambas as cimeiras são de extrema importância para o continente na medida em que se inter-relacionam e são inter-dependentes atendendo que as crises humanitárias, muitas vezes, derivam de decisões políticas e estas últimas, algumas vezes, decorrem de lideranças não legitimadas pelo voto.
Apenas lamentar a componente “de doadores” na referida cimeira que aborda hoje a crise humanitária, numa altura em que o continente devia, e tem condições para o efeito, procurar ser auto-suficiente para lidar, por exemplo, com a crise de desnutrição que, segundo o UNICEF, vai afectar milhões de crianças na África subsaariana. Os parceiros e doadores internacionais são importantes, mas como a experiência tem demonstrado, via de regra, as doações acabam sempre acompanhadas de formulações e agendas nem sempre consentâneas com as necessidades do continente.
Quanto ao terrorismo e mudanças inconstitucionais de Governos, vale dizer que é bom que África tenha a sua própria narrativa e agenda para lidar, preferencialmente, com as variáveis a montante do problema. Em vez de se propuserem a lutar contra o terrorismo baseado na lógica eurocêntrica de guerra pela guerra, os Estados africanos correm o risco de ficarem eternamente a lutar contra os efeitos deste mal, em vez de atacarem as causas, nomeadamente o analfabetismo, o etnocentrismo, a exclusão, a má governação, o populismo, o radicalismo religioso, entre outros males sociais que acabam por alienar povos inteiros em nome de causas vazias e retrógradas. Mais do “botas e canhões” as soluções mais eficazes para lidar com o terrorismo são mais de natureza social, económica e cultural em oposição à eventual obsessão por soluções militares.