África mobiliza recursos para criação de Agência Humanitária
Presidente da União Africana reiterou que não se pode esperar mais tempo para o continente agir.“a base de África deve ser a união de todos. O terrorismo é um flagelo e apela à mobilização de apoio e novos métodos de combate”, declarou Macky Sall
A criação de uma Agência Humanitária Africana para mobilizar recursos e responder às constantes crises alimentares no continente centralizou, ontem, em Malabo, as intervenções na Cimeira Extraordinária de Chefes de Estado e de Governo do continente, durante a qual foi discutida a situação humanitária em África.
Entre os líderes africanos esteve o Presidente angolano, João Lourenço, que orientou as sessões na condição de um dos vice-presidentes da Mesa da Assembleia de Chefes de Estado e de Governo da União Africana, por indisponibilidade da Líbia.
No discurso de abertura da Cimeira Extraordinária da União Africana sobre as Questões Humanitárias e Conferência de Doadores, o Chefe de Estado da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, defendeu uma nova acção africana para a realização dos objectivos que têm como meta o bem-estar das populações.
Para o estadista anfitrião do evento, as crises humanitárias em África são realidades insuportáveis, já que o “continente berço da Humanidade possui várias matérias- primas para o desenvolvimento pretendido”. Disse que a África é a fonte de conhecimento dos tempos idos e serviu de inspiração para o conhecimento, considerando que tem condições de vencer os desafios para se desenvolver, por ser depositória de várias valências.
“África não pode ser manipulada por outros poderes do mundo. Nunca é tarde para a recuperação do direito que pertence ao nosso continente. África sofreu os horrores da colonização e isso dá forças para que se possa mudar o curso da história. A solução dos problemas de África está nas mãos dos seus filhos. Não se pode condicionar o desenvolvimento do continente”, reforçou.
Importância da agência
Com uma oferta de dois milhões de dólares da República do Congo para a futura Agência Africana Humanitária, durante as sessões de ontem, no Centro de Conferências de Sipopo, em Malabo, destacou-se a necessidade de acudir as populações em extrema pobreza no continente.
Moussa Faki Mahamat, presidente da Comissão da
União Africana, considerou, na sua intervenção de abertura, que a realização desta cimeira mostra a importância que se dá à problemática humanitária em África.
Os dados das agências da Organização das Nações Unidas i ndicam que 113 milhões de pessoas aguardam por assistência humanitária de emergência ainda este ano, o que representa cerca de 10% da população total em África.
Da África Oriental ao Corno de África, disse haver quatro milhões de refugiados, dos quais 75% foram afectados pela crise alimentar humanitária de 2021. Lembrou que, nestes últimos anos, naquela região, as necessidades alimentares aumentaram para até 70%, acrescentando que mais de cinco milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar.
Moussa Mahamat observou que, na África Ocidental e Central, há 51 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, o nível mais a l t o d e s d e 2 0 1 6 , enquanto dois milhões de deslocados internos em África estão registados, o que representa um aumento de 30% em relação a 2021, sem t e r e m c o nta o s c i nco milhões de deslocados na região da bacia do Lago Tchad.
Reportou, igualmente, que na África do Norte, 14 milhões de pessoas precisam de assistência alimentar, queixando-se que este “quadro não é satisfatório”, além de apontar dois factores agravantes da situação.
“Por um lado, a redução dos apoios causados pela pandemia da Covid-19, do outro, a pressão exercida com o aquecimento do planeta, cujos efeitos se traduzem em alterações climáticas, que se caracterizam por secas e prolongadas inundações incontroláveis”. Diante destas dificuldades, Moussa Faki Mahamat defendeu que a
UA deve encontrar soluções para melhorar a condição de vida das populações. “Se nada for feito, a situação pode piorar”, alertou.
Na visão do diplomata, é preciso activar a solidariedade africana, bem como a importância da unidade para a inter-ajuda. “Esta cimeira visa encontrar soluções para a redução do sofrimento dos deslocados internos do continente. Espera- se que o apelo aos doadores esteja em consonância com as preocupações manifestadas pelo Secretário- Geral da ONU, António Guterres, no seu relatório de 2021, intitulado ‘ Nosso Programa
Comum’, para não deixar ninguém de fora”, recordou.
Dados chocam ONU
Martin Griffith, subsecretário-geral da ONU para os Assuntos Humanitários, mostrou-se chocado com a situação actual em África, pelo que considerou essencial e bemvinda a criação de uma Agência Africana Humanitária.
Baseando-se em dados disponíveis em relatórios internacionais, admitiu que um quinto da população africana está mal nutrida, apesar dos esforços indicados pelos líderes e chefes de Governo para proteger e melhorar o quadro. Com efeito, Martin Griffith prometeu o apoio das Nações Unidas para a futura agência.
As nações africanas estão a confrontar-se com uma das situações mais complexas da história, e, a este propósito, Griffith salientou que muitos casos são alheios à vontade dos estadistas, nomeadamente, as pandemias, porém, “o nível chocante da fome extrema no continente, sobretudo no Corno de África e no Sahel, preocupa a todos”.
O responsável da ONU realçou que os conflitos afectam e ameaçam décadas de desenvolvimento. Por isso, com a falta de bens essenciais, uma agência humanitária africana tem potencial de fazer toda a diferença, pois “sempre pode ir mais além”, num momento em que espera ser parceiro nesta experiência colectiva.
Para Griffith, a crise actual exige que não se deixe de lutar para o desenvolvimento dos serviços básicos. Falando em nome da comunidade humanitária, disse que esta generosidade e apoio dos Governos às comunidades locais é o fundamento do suporte humanitário e é por i sso que a ONU está em Malabo para ajudar.
“Talvez estas ameaças sejam também oportunidades para fortalecer a resiliência e ajudar os pobres a sair da pobreza a longo prazo. O povo do continente tem conhecimento e talvez só precise de nós em recursos e solidariedade. E mais importante do que nunca o respeito. O mundo com recursos para fazer guerras tem de ter meios para salvar vidas. Esta crise de guerras que testemunhamos, obriga-nos a trabalhar cada vez mais em valores como acções humanitárias, de solidariedade e boa governação”, concluiu.