Jornal de Angola

“A pressão do meu pai levou-me à escrita”

A jovem de Maquela do Zombo sofreu agressões verbais na escola, mas fez do infortúnio a sua força e escreveu sempre e as fez das palavras a sua própria vida

- Rui Ramos

Isabel Matondo Garcia Sango, filha de Paulino Sango e de Sofia Garcia, nasceu no dia 28 de Novembro de 1996, em Maquela do Zombo, província do Uíge.

Em 1999, ela e a família mudam-se para Luanda, onde passaram a morar no bairro da Petrangol, em casa de um irmão, o Polo, que os acolheu até conseguire­m independên­cia financeira.

Ainda muito nova, seguia as manas à escola. Entrava na sala e ficava lá com elas, mas recordou que algumas vezes o professor expulsava-a, porque não tinha idade para assistir às aulas.

Quando começou a estudar, achou que tudo seria um marde-rosas. Mas, as coisas transforma­ram-se num mundo de tristeza e solidão. “Sofri graves agressões verbais (bullying) da parte de colegas e, até mesmo, de professore­s. Chamavamme do Mato, langa daqui, langa dacolá, por conta da minha forma de falar”.

Isabel Matondo Garcia Sango lembra de ter o hábito de se sentar constantem­ente entre os mais velhos e eles falavam mais o kikongo que o português, o que teve influência no seu modo de se expressar.

“Nalgumas aulas, quando o professor questionav­a, eu escrevia secretamen­te a resposta num papelinho e dava a uma colega e esta levava a nota, embora a resposta fosse minha”, recordou.

Após a separação dos progenitor­es, o pai, Paulino Sango, tornou-se um homem solitário e triste. “Quando ele soube que eu transitava na escola, ao invés de me abraçar, aplicava-me três ‘correctivo­s’, na época, mortais: dizer diariament­e, em síntese, tudo quanto aprendera, fazer cópias, porque eu tinha uma letra horrível, e ler em voz alta”.

Do dever de fazer cópias e leituras em voz alta, nasceu a paixão de Isabel Matondo Garcia Sango pelas letras. “Eu compunha músicas e escrevia histórias de amor nas quais os meus pais eram os protagonis­tas e eu dava-lhes um final feliz”.

Ainda insatisfei­ta, recordou, decidiu fazer da sua “fraqueza” o seu motivo de existência. “Eu só queria envolver-me em actividade­s que concentras­sem um determinad­o número de pessoas e interagir com elas. Com isso, consegui o meu primeiro emprego como supervisor­a no Censo de 2014”.

Isabel supervisio­nava os recenseado­res dos Mulenvos de Baixo. Eram pessoas mais velhas que ela, algumas já chefes de família, quando ela estava quase a completar os 18 anos.

Em 2015, Isabel Sango ingressa no Ensino Superior, ao frequentar o curso de Gestão e Administra­ção de Empresas. No ano seguinte, colabora no MAPTSS, INEFOP e faz o curso de Formação de Formadores no CENFOR, durante s eis meses, e uma formação de Atendiment­o ao Cliente, de dois meses.

Durante quatro anos, Isabel Matondo Garcia Sango leccionou o curso de Atendiment­o ao Público, no Centro de Formação do Talatona, no período pós- laboral. “Interagi com muitas pessoas (licenciado­s, pessoas que cursavam o ensino médio, trabalhado­res) e foi uma experiênci­a incrível, até chegar a pandemia, em 2020”, disse.

Durante esse período, a jovem teve de se reinventar e retomou o trabalho no blog pessoal, no Facebook “Isabel Sango Escritora”, onde conheceu o escritor português António José Alçada, que a seguia a partir dessa ferramenta. Este convidou-a a escreverem o livro “Vivências Paralelas”. Devido ao processo de revisão e edição pela editora, o lançamento apenas se efectuou no ano seguinte.

Em 2021, cursou Jornalismo. Graças a este curso, a convite do escritor Erineu Cambonga tornou-se a apresentad­ora das Lives da AJEA (Associação dos Jovens Escritores de Angola) e gestora de Marketing e Projecção dos artistas que compunham a instituiçã­o.

Quando a Associação deu passos mais altos, tornouse sócia da Editora AJEA (Editora Artes dos Jovens Escritores de Angola).

Actualment­e, integra Brigada Jovem de Literatura de Angola ( BJLA), onde ocupa o cargo de delegada municipal do Cazenga. Quando questionad­a sobre a razão de não usar um pseudónimo, responde: “Tenho uma dívida para com o meu pai, devo-lhe o facto de hoje eu ser quem sou, e embora ele hoje não esteja em vida, uma das formas que vi de o perpetuar foi manter o meu sobrenome, para as pessoas me conhecerem pelo que sou; filha de Paulino Sango”.

Isabel Sango repete que hoje brinca com aquelas que eram as suas fraquezas; as Palavras. “Virei artista de banda e sempre que posso canto, declamo, pron u n c i o a s p a l av r a s e escrevo-as. Sempre que me apetece considero-me uma artista”, explicou.

A jovem agradece os pais, a outros membros da família, amigos, colegas e professore­s, por terem dado tudo para que “eu fosse o que sou hoje, podendo sentar-me com os ‘grandes’ e falar com eles de tu para tu", gabou-se.

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