O que falaram sobre Neto
António Quino, que dissertou sobre “A Impossível Renúncia da Sagrada Esperança de Agostinho Neto”, afirmou que o autor de “Havemos de Voltar” é sempre “um nome que arrasta sentimentos múltiplos e reacções diversas e que o seu-eu ganhou a forma de uma marca patriótica, que não pode ser ignorada na conjunção de traços característ i cos do angolano e dos elementos definidores da história e da cultura angolanas”. Num outro momento Quino referiu que “se Patrice Lumumba teve o mérito de trocar o conceito negritude pelo de africanidade, Agostinho Neto fez emergir, com Sagrada Esperança, a conjunção de
A escritora e professora
ao falar sobre “Agostinho Neto, um sintomatologista de Angola”, recorreu às palavras proferidas por Lúcio Lara diante da urna com os restos mortais do Presidente Agostinho Neto, em Luanda, no dia 17 de Setembro de 1979: “A certeza da vitória eras tu, que sabias sorrir diante do perigo, que sabias criar com os olhos secos, que não conhecias
mingas Monteiro
traços característicos da Angola rural e dos elementos definidores da história e da cultura angolanas (...)”.
“Agostinho Neto faz emergir na sua poesia o trinómio da necessidade de lutar com o povo, de sonhar com o povo e de prosperar com o povo”, assegurou António Quino, para depois frisar que o poeta “se engaja na definição do homem angolano, vivendo, ele próprio, as angústias, desejos, medos e esperanças do sujeito poético perdido dentro do homem que havia nele, desenhando-o através de imagens poéticas e recorrendo ao dia-a-dia do angolano para delimitar as suas feições patrióticas (...)”. nem o medo nem a dúvida diante dos objectivos que desde cedo foram traçados”.
Na sua apresentação Domingas Monteiro sublinhou que Neto usa o texto literário como instrumento de resistência, com o objectivo de “influenciar atitudes e comportamentos, por formas a interferir na vida política e cultural dos povos, tendo em vista a construção de narrativas que
José Luís Mendonça, na comunicação “Agostinho Net o- Sagrada Esperança: Metafuncionalidade e subversão na poética de Agostinho Neto”, depois de citar Manoel de Barros - “Poesia é a ocupação da palavra pela imagem” -, colocou poeticamente a seguinte hipótese: “E se Agostinho Neto não tivesse estudado Medicina, mas tivesse beneficiado de uma bolsa, a partir do exílio, para ir estudar cinema na Estónia, antiga república socialista soviética e, lá, tivesse aprendido com Bela Balázs a sua teoria formalista do cinema, lhe tivesse sido oferecida uma câmara de filmar, e pudesse, no contexto colonial, produzir a obra ‘Sagrada Esperança’ como uma longa-metragem de cinepoesia?”.
Na sua desafiante apresentação Mendonça abordou a coisificação dos signos em movimento real e a transformação dos textos poéticos em obra cinematográfica. Como disse, “aqui se projecta com luz, cor e som, a imagem móvel da colonialidade e da sua negação dialéctica, a utopia política desenhada pela intelectualidade nacionalista de então, não já na forma do discurso escrito que nos legou o Poeta. vão forjar a sua identidade”. A partir daqui, posseguiu, “pode o escritor montar uma peça denunciadora dos sintomas candentes da sua sociedade, baseada numa ideologia colectiva de libertação de qualquer violência/dominação”.
Na parte final, a escritora relacionou o poeta e o médico e recorreu a Deleuze: “A obra de arte é portadora de sintoma, tal como o corpo ou a alma,
No formato de celulóide, o filme analógico está aqui acessível ao público geral, mesmo para os portadores de iliteracia substantiva”.
Para o poeta e jornalista a pretensão de deixar falar a realidade poética de Sagrada Esperança, de Agostinho Neto, funda- se no mesmo princípio combinatório proposto pelo poeta português Herberto Hélder. “Este é um filme destrinçado agora, nesta Angola independente, (sem os pictogramas partidário-políticos que desmetaforizam de maneira alucinatória a obra poética de Agostinho Neto) na leve e transparente profundidade do discurso de Sagrada Esperança. O filme existe. Abram o livro Sagrada Esperança. Sangrem com este realizador os elementos intangíveis na espessura pragmática da projecção imagética”.
José Luís Mendonça foi mais além: “A poesia de Agostinho Neto e seus pares está entranhada de um pendor metafuncional, que aponta para o pós-independência. Qual o papel, a pertinência, dessa metafuncionalidade, nesta era em que Angola ostenta uma bandeira diferente da do Império Colonial Português?” embora de uma maneira bem diferente. Nesse sentido, tanto quanto o melhor médico, o artista e o escritor podem ser grandes sintomatologistas”.
“Ele [o poeta] deve tratar o mundo como um sintoma e construir a sua obra não como um terapeuta, mas, em todo o caso, como um clínico”.
Domingas Monteiro realçou ainda que, “com efeito, a criação poética de Agostinho Neto remete para um levantamento psico-sintomatológico de questões de ordem social, cultural e política, como alavancas para uma reivindicação que se impunha, em função dos ideais da colonização, que por décadas aprisionou e acometeu os sonhos do povo angolano, como se pode verificar nos (...) versos do poema ‘Sombras’”.
Em jeito de conclusão, a também directora do Instituto
Nacional das Indústrias Criativas e Culturais disse: “O homem travestido de poeta foi capaz de radiografar as enfermidades de um povo acometido por um sistema funesto-imoralasfixiante, transformando-as em versos que sangram-vivificam até aos nossos dias. São diagnósticos- receitas que nos chegam através da literatura, feitas por um génioleitor de realidades”.