Jornal de Angola

Quem de Direito meu confidente

- Edna Cauxeiro

Ilustre Quem de Direito, respeitoso­s cumpriment­os. Almejo que a missiva o encontre de boa saúde e a chegada do cacimbo não lhe provoque, tal como o fez a mim, incómodo nas vias respiratór­ias, dores na garganta, peito e cabeça, assim como episódios de tosse.

Excelência! Celebrámos recentemen­te o Dia de África e as redes sociais foram adornadas com “desfiles” de trajes africanos que deixaram à descoberto a beleza e a elegância do nosso povo. Vi com algum (des)agrado os seus colegas Ordens Superiores e Sabes Quem Eu Sou (?) eleganteme­nte trajados com peças de produção nacional. Logo me ocorreu perguntar a si se também guarda vestes “africanas” para ocasiões especiais. A minha pergunta deriva do facto de saber que figuras importante­s como o senhor usam, geralmente, o clássico fato e gravata. E volto a perguntar-lhe: viu as senhoras lindas, desfilando com os nossos panos, transforma­dos em lindas peças de roupa? E as crianças que foram às aulas de igual modo vestidas? O que falta para vossa excelência e colegas criarem campanhas de incentivo ao uso do que é nosso? Inclusive dos nossos estabeleci­mentos bancários.

A propósito: o Quem de Direito também guarda dinheiro fora do país ao invés de o fazer, por exemplo, no nosso Banco da Paciência e da Coragem? Também faz consultas fora do país ao invés de nos nossos hospitais públicos? Os seus filhos ou netos, caso os tenha, estudam em Angola? Com todo o respeito, não me leve a mal. É só curiosidad­e de alguém que escreve para si há anos, sem resposta. Até hoje não o conheço, mas há quem diga que o senhor lê todas as cartas que a si endereço.

Quem de Direito, na última semana fui “chamada” pelo escritor Dias Neto, meu grande amigo, para comentar numa publicação do também escritor e meu amigo Ras Nguimba Ngola que, indignado pelo elevado preço dos livros, fez um apelo às autoridade­s competente­s, portanto a si, no sentido de tornarem o livro mais acessível aos cidadãos. A todos, de Cabinda ao Cunene.

Achei esse apelo extremamen­te pertinente. Caso não conheça os meus amigos escritores, permita-me que lhe escreva sobre eles: são dois jovens de alto valor e fazem parte de um grupo de escritores da nova geração que se recusa a deixar de ler e escrever. Por mais que o livro seja inacessíve­l aos bolsos, sobretudo, da juventude, que tem fraco poder de compra, pelos motivos que vossa excelência bem domina. Eles, os meus amigos, até fazem mais: publicam livros (com todas as dificuldad­es que isso acarreta em Angola) e incentivam a j uventude a l er o melhor que temos no mercado angolano, mas não só. Excelência Quem de Direito, eles precisam e merecem o seu apoio. Pense nisso com carinho, por favor. Ainda que o senhor não goste de ler ou não tenha tempo para o efeito.

Por último, mas não menos importante, gostava de partilhar consigo a minha dor. Acredito que, pelos anos que escrevo para si, o senhor já ganhou estatuto de meu confidente. Na última quinta-feira recebi um telefonema da Marisa Macuéria, minha amiga de infância. Estava aos gritos. Tinha perdido a mãe dela, a dona Joana Macuéria, mãe de todos os meninos que, tal como eu, cresceram na rua de Loulé, ou noutra, no antigo bairro Popular, hoje Neves Bendinha. Uma mulher singular, que me marc o u pel a a mizade q ue dedicava aos filhos. Aos seus e aos dos vizinhos. Eu vivi toda a minha infância a entrar e sair da casa dela. Quase sempre comia alguma coisa lá. Se não fosse o arroz com feijão e peixe frito era batata-doce, milho cozido ou torrado, pão com chá de café e manteiga, entre outras deliciosas iguarias. Mas o que eu mais gostava eram os bolinhos que ela fazia. Dona Joana, carinhosam­ente tratada por Mãezinha, sabia da minha paixão pelos seus bolinhos. Por isso guardava alguns para mim, quando eu não estivesse em sua casa a conversar, geralmente, com a Marizinha de Jesus, a primeira menina dela, que anos mais tarde me emprestou o telefone quando fui pedir emprego no Jornal de Angola. Mesmo casada e mãe da minha primogénit­a, dona Joana Macuéria, a Mãezinha, ainda fez bolinhos para mim. Parte da minha infância, adolescênc­ia e início da fase adulta, morreu na quinta- f eira quando ela partiu para a eternidade. Aos filhos Faria (Man Faya), Paulo (Mo Yaya) Marizinha, Edú, Marisa, Maya e Gil, que sempre me receberam com todo o carinho em sua casa, endereço um abraço apertado. Que Deus console os vossos corações. Joana Macuéria (Mãezinha) eterna gratidão! Que a sua alma descanse em paz.

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