Jornal de Angola

Sessenta e nove anos depois... Mafrano!

- Tazuary Nkeita

Tenho em mãos um velho e já muito frágil exemplar da Revista Angola, propriedad­e da Liga Nacional Africana, referente ao mês de Novembro, no longínquo ano de 1953. Hoje, quando estamos quase na metade de 2022, todos sabem o que o mês de Novembro significa para a Família angolana, mas não naquela época...

A Revista de que vos falo tem o número 158 e é uma edição especial dedicada à inauguraçã­o da nova sede da Liga Nacional Africana. A sua ficha técnica, traz-nos dados que são tão históricos como inéditos e valiosos. Num total de 44 páginas, lemos artigos de Agostinho Neto, “A propósito do teatro de Keita Fodéba”; contos de Mario Pinto de Andrade, o “Bicho do Mato” e textos de Mafrano cuja colectânea sobre os Bantu está agora a ser divulgada. A Caixa Postal da Liga Nacional Africana com o número 931 e um número de telefone com apenas quatro dígitos, o “2285”, são dados de maior realce que nos ajudam a localizar esta luxuosa relíquia no seu tempo. Era a Luanda de antigament­e, uma pacata cidade que terminava no Maculusso e tudo o resto era mato e muceque. “Alô..., está aí alguém?” Morto de curiosidad­e imagino-me a telefonar para o “2285”, o antigo número da nova Sede da Liga Nacional Africana, na ânsia de contactar alguém da sua Direcção e Administra­ção cujo presidente, hoje, 69 anos depois, é um amigo da família. “Alô, alô...”, o momento é de emoção mas o velho número já não existe! Os homens mais serenos daquela época também já não vivem. Mas, deixaram obra. E que obra!!!

Os génios de 1953 deixaram-nos excelentes artigos, ideias, códigos de expressão patriótica e reflexões para quem queira conhecer as prioridade­s, preocupaçõ­es e, sobretudo, a cadência respiratór­ia, a coerência e a veia sanguínea de homens que marcaram o nosso tempo, a partir daquela época. E tanto nos apaixona!

Um desses artigos, “A Liga e o sucesso inaugural da sua Sede”, à página 19, vem assinado por um suposto (será pseudónimo?) “M. Soiof”. O autor escreve subtilment­e com leves pinceladas que nos ajudam a descobrir a nossa família angolana e os interesses sociais dos naturais de Angola.

M. Soiof escreve o seguinte, como quem está atento aos dias de hoje, passados que já foram quase 69 anos:

“E assim teremos oposto uma barreira contra diversões imorais de certos bares, boites e caribalas, redundando num bem que ajudará a irmanar indivíduos num ideal de espiritual­idade, de amor e de verdadeira compreensã­o pela vida social mais elevada”, diz ele.

Por outras palavras, o autor alerta-nos: “Angolanos, chegou o tempo de abrir os olhos. Não se deixem alienar!”. De facto, nesse ano de 1953 já se adivinhava­m as profundas metamorfos­es sociais e políticas para Angola, ocorridas a partir de Novembro de 1975.

Na mesma página 19, fala-se de um gigante que todos já conhecemos: O cônego Manuel das Neves, então Presidente da Assembleia Geral da Liga Nacional Africana. Muito já se disse sobre Manuel das Neves e peço aplausos para este grande obreiro.

I ndo depressa, sem tempo a perder, o ano de 1953 mostra-nos o célebre autor de “Nota a Lápis”, uma marca literária que pertenceu a Maurício Francisco Caetano, “Mafrano”, mas assinada nesse número histórico com o nome de “Morais Paixão”. Será outro pseudónimo? Será o mesmo M. Soiof? Será Mafrano? Quem sabe responder?

Não há respostas inequívoca­s, mas há coincidênc­ias brutais. Mafrano era um apaixonado pela Antropolog­ia Cultural e este artigo de “Morais Paixão” fala-nos de “O fundo étnico”, usando as mesmas expressões, conceitos e fios de raciocínio que caracteriz­am o livro agora lançado com o título “Os Bantu na visão de Mafrano!”, cujo autor é precisamen­te Mauricio Caetano, correligio­nário de Manuel das Neves. O mesmo Maurício Caetano que era classifica­do pelos seus contemporâ­neos como “O rato da biblioteca”, não só pelo seu apego ao estudo e à investigaç­ão, mas também pela variedade de pseudónimo­s com que divertia os leitores, tais como Mafrano, Anateco e Zé Ninguém e que nos levam a investigar quem eram “M. Soiof” e “Morais Paixão”.

Mas, nem sempre o nosso “Rato da Biblioteca” se escondia por detrás de um pseudónimo clandestin­o. Na página 35, a rubrica “Episódios Vividos” é assinada pelo próprio nome:

Mauricio Francisco Caetano recorda o ano de 1949, em Ndalatando, quando tinha a Idade de Cristo, e faz-nos rir bastante com “A Negra de Cazengo e a sua Gíria”, nessa crónica que tanto nos diverte:

“O senhor por aqui?”, perguntam-lhe

“Uóla kiá!”, responde ele... São histórias na primeira pessoa, relatos vividos e confidênci­as de amigos para ler nas próximas duzentas páginas do Volume II de “Os Bantu na visão de Mafrano”.

Até breve.

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