Será o século XXI, o século africano?
Do ponto de vista da transformação estrutural, tendo em vista os eventos do século XX, em particular do final do século, assistimos a um reaparecimento da China na economia global e também nalgumas questões geopolíticas, sobretudo a partir do momento em que adoptaram a premissa de um país e dois sistemas;
Alguns filósofos como Jacques Atalli, há alguns anos anunciaram o messianismo de um século XXI consagrado ao renascimento africano, olhando para a sua pujança demográfica, prevendo-se que até 2050 a população africana seja superior à população da China e Índia juntas. Mas a maioria dos analistas e estudiosos sobre as questões africanas colocam em causa essa anunciação na medida em que, dependendo do ângulo de análise, o factor demográfico pode ser uma determinante de sucesso ou um obstáculo ao desenvolvimento.
Mas a enunciação do chamado século africano obriga-nos acima de tudo a olhar primeiramente para a componente de estabilidade. Ou seja, em que medida os episódios de instabilidade comprometem os esforços para a transformação. De resto, a recente cimeira da União Africana, realizada à semana passada em Malabo é disso testemunho, ou seja, do engajamento político de alguns líderes africanos ali presentes, em particular o Presidente João Lourenço, que mantém a perspectiva de Angola enquanto peacemaker na região, contra o que Sheila Khan designa de “terrorismo social” ou entronização do poder.
O Presidente angolano recebeu um mandato muito claro dos seus pares ao nível da União Africana para que persista nesse boulot, com acções diplomáticas e de influência positiva, tendo mesmo como premissa a experiência angolana de pacificação e reconciliação.
Há aqui também uma perspectiva geracional e de mudança das lideranças políticas sendo capazes de absorver de forma diferente os valores da modernidade, sem perder de vista a idiossincrasia do pensamento africano e da sua relação com o mundo. No fundo, como evidencia Sheila Khan na conversa que mantivemos recentemente no podcast desta coluna, “essa geração, eu diria que não é só insubmissa no sentido em que interpela todas essas lógicas de subalternidade, de uma espécie de uma prisão mental mas é uma geração que se coloca no sentido de um diálogo transparente e criativo com o passado. Isto é, uma geração que olha para o passado, que o respeita e tem uma consciência claríssima do que este passado significa para o seu presente mas não fica parado. E reconhece que há determinadas formas que não podem ser toleradas e mantidas, em particular esse sentido de subalternidade. É uma geração que diz não”.
É um racional que deve ser aplicado intramuros com o engajamento de todos os africanos, em particular das suas lideranças e elites intelectuais, que precisam de uma parceria capaz de evadir-se dos pesadelos do passado, criticando as nossas acções que nos levam para caminhos terríveis, colocando em causa a estabilidade, a paz e o crescimento económico. Procurando uma lógica de desenvolvimento, de progresso e de mudança ante o status quo, marcado por uma abordagem retrógrada para o desenvolvimento dos nossos povos.
Em definitivo temos de abandonar o contágio negativo que ocorre em muitos países. É por exemplo o caso das vagas de golpes de Estado que vamos assistindo ciclicamente. As vagas de entronização do poder pela via da força. As vagas de acidentes naturais de grande magnitude e que afectam os nossos territórios. Tirando proveito do dividendo demográfico, na lógica do que dizia anteriormente, ou seja, transformando o potencial da juventude para rejeitar o atraso cultural, científico e tecnológico e buscar soluções que respondam aos nossos problemas e anseios. Uma geração do presente que tenha uma compreensão perspicaz e sagaz para responder às questões do presente. Não nos podemos colocar no perigo do que é estático, não obstante as dificuldades que a pandemia agudizou.
Para que o século XXI seja o século africano, parece-me de todo evidente estabilizar dois aspectos: em primeiro lugar melhorar o funcionamento das instituições, em particular das instituições do Estado democrático. E aqui temos de olhar necessariamente para uma questão também cultural e de mentalidade. Tal qual a atenção que devemos prestar à adopção de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento. É vital resolver o problema da fome – o Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, lembra-nos bem, “África tem condições de se tornar no celeiro do mundo”; da electrificação, da industrialização, da urbanização das periferias das cidades, criando cadeias de valor e sinergias de complementaridade entre os nossos países. Como é óbvio, essas políticas têm de ser inclusivas e redistributivas. O bolo não pode ser apenas de alguns. O bolo tem de servir e saciar a fome de todos. Aí sim, poderemos falar de um século africano.
Para que o século XXI seja o século africano, parece-me de todo evidente estabilizar dois aspectos: em primeiro lugar melhorar o funcionamento das instituições, em particular das instituições do Estado democrático. E aqui temos de olhar necessariamente para uma questão também cultural e de mentalidade