Por uma nova gestão da Cultura
No princípio deste mês que termina, Pedro Adão e Silva, o ministro da Cultura de Portugal visitou Angola e teve uma agenda curiosa: foi visitar o ateliê mutamba e sentou-se comodamente sobre umas almofadas, num dos quartos do Hotel Globo para trocar impressões com jovens artistas em residência. Também, entre outros lugares, aquele ministro foi à galeria Jahmek de Arte Contemporânea e à associação e clube de leitura VPA 2020, na zona verde, lugares estes que, mesmo sendo o palco de trabalho contínuo, não consta que tenham sequer sido visitados antes pelos seus anfitriões.
Para os artistas, os criadores, os gestores, as associações e os promotores culturais e os distintos profissionais do sector, depois das quintas eleições gerais que se realizarão proximamente no nosso país, em teoria, abrese a possibilidade de se criarem as condições para se superar aquele que podemos já considerar como um dos períodos mais turbulentos, instáveis e indefinidos da gestão pública das artes e da Cultura, em Angola, dos últimos vinte e dois anos.
A turbulência e a instabilidade verificadas foram causadas, por um lado, pelas constantes mudanças de direcção e, por outro, pelas escolhas de gestão, de reestruturação e de metodologia ao se fundir o Ministério da Cultura com o de Turismo e de Ambiente como o certificou o Decreto Presidencial Nº162/20 de 8 de Junho: a medida , por si só, não foi desacertada. Talvez tenha sido à luz dos resultados, “muito evoluída” para o nível primário de organização destas instituições, sem políticas públicas sólidas e funcionais, sem recursos adequados nem o suficiente número de profissionais capacitados.
Porém, dentro ou à margem dos dispositivos estatais, inconformistas e comprometidos como o facto de serem os trabalhadores e os profissionais do sector não andam de braços cruzados e, com melhor ou com pior fortuna, têm feito o que lhes corresponde.
O trabalho das antigas e das novas associações (colectivos) artísticos e culturais e a emersão de um tímido empresariado, no sector, porventura mais cómodo no mundo da música, com muitos constrangimentos para a edição de livros e a promoção da leitura, ou em franca explosão criativa no mundo do teatro e do cinema, apenas por citar estes exemplos, corroboram o dito anteriormente.
Uma vez que desde a proclamação da Independência em 1975, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) é, a meu ver, o único com um projecto cultural revolucionário e inclusivo, a ele também devem ser atribuídas, por um lado, tanto as culpas pelo impasse em que o desenvolvimento das artes e da cultura se encontra se como, por outro, as chaves para uma mudança edificante, no novo ciclo político que se avizinha.
Todos sabem do que carecemos e do que há a fazer para arrumar melhor a casa: urge avaliar seriamente se seria (ou não) melhor voltar a separar a Cultura de algum dos ministérios com o que está unido; a política cultural aprovada em 2011 deve ser reactualizada, em função do desenho e da operacionalização de políticas públicas em todas as áreas do sector; a educação artística, a propriedade intelectual e o património cultural, concretamente a preservação, conservação, arquivo e inventário de bens, devem voltar a estar entre os principais eixos de acção.
É indispensável formar de quadros em todos os domínios no sector para alavancar soluções técnicas e consentânea com a evolução dos saberes e das tecnologias, no mundo; a reabilitação de infra-estruturas e, a longo prazo, a construção de novos equipamentos culturais devem adequar-se a densidade populacional das áreas residenciais; é necessário trabalhar mais e melhor tanto com os centros culturais estrangeiros no país como para a reorganização dos sectores culturais das embaixadas de Angola no exterior.
Enfim, é preciso atribuir para o desenvolvimento e à gestão das artes e da cultura um orçamento que possa funcionar, em primeiro lugar, como um investimento e, depois, que permita situar a cultura como um vector económico auto-sustentável, permitindoa em última instância colmatar os anseios dos novos públicos e da sociedade, no seu todo, por aceder e fruir com produtos de arte e de cultura de qualidade.
De resto, é contra o desfasamento existente entre o que vem acontecendo no terreno das artes e da cultura e as instituições que, no nosso país, devem desenhar as políticas públicas para protegê-las e promovê-las que devemos lutar, para evitar que entidades de outros países venham “descobrir” para nós o que de relevante e notório aqui acontece.