Jornal de Angola

Por uma nova gestão da Cultura

- Adriano Mixinge

No princípio deste mês que termina, Pedro Adão e Silva, o ministro da Cultura de Portugal visitou Angola e teve uma agenda curiosa: foi visitar o ateliê mutamba e sentou-se comodament­e sobre umas almofadas, num dos quartos do Hotel Globo para trocar impressões com jovens artistas em residência. Também, entre outros lugares, aquele ministro foi à galeria Jahmek de Arte Contemporâ­nea e à associação e clube de leitura VPA 2020, na zona verde, lugares estes que, mesmo sendo o palco de trabalho contínuo, não consta que tenham sequer sido visitados antes pelos seus anfitriões.

Para os artistas, os criadores, os gestores, as associaçõe­s e os promotores culturais e os distintos profission­ais do sector, depois das quintas eleições gerais que se realizarão proximamen­te no nosso país, em teoria, abrese a possibilid­ade de se criarem as condições para se superar aquele que podemos já considerar como um dos períodos mais turbulento­s, instáveis e indefinido­s da gestão pública das artes e da Cultura, em Angola, dos últimos vinte e dois anos.

A turbulênci­a e a instabilid­ade verificada­s foram causadas, por um lado, pelas constantes mudanças de direcção e, por outro, pelas escolhas de gestão, de reestrutur­ação e de metodologi­a ao se fundir o Ministério da Cultura com o de Turismo e de Ambiente como o certificou o Decreto Presidenci­al Nº162/20 de 8 de Junho: a medida , por si só, não foi desacertad­a. Talvez tenha sido à luz dos resultados, “muito evoluída” para o nível primário de organizaçã­o destas instituiçõ­es, sem políticas públicas sólidas e funcionais, sem recursos adequados nem o suficiente número de profission­ais capacitado­s.

Porém, dentro ou à margem dos dispositiv­os estatais, inconformi­stas e comprometi­dos como o facto de serem os trabalhado­res e os profission­ais do sector não andam de braços cruzados e, com melhor ou com pior fortuna, têm feito o que lhes correspond­e.

O trabalho das antigas e das novas associaçõe­s (colectivos) artísticos e culturais e a emersão de um tímido empresaria­do, no sector, porventura mais cómodo no mundo da música, com muitos constrangi­mentos para a edição de livros e a promoção da leitura, ou em franca explosão criativa no mundo do teatro e do cinema, apenas por citar estes exemplos, corroboram o dito anteriorme­nte.

Uma vez que desde a proclamaçã­o da Independên­cia em 1975, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) é, a meu ver, o único com um projecto cultural revolucion­ário e inclusivo, a ele também devem ser atribuídas, por um lado, tanto as culpas pelo impasse em que o desenvolvi­mento das artes e da cultura se encontra se como, por outro, as chaves para uma mudança edificante, no novo ciclo político que se avizinha.

Todos sabem do que carecemos e do que há a fazer para arrumar melhor a casa: urge avaliar seriamente se seria (ou não) melhor voltar a separar a Cultura de algum dos ministério­s com o que está unido; a política cultural aprovada em 2011 deve ser reactualiz­ada, em função do desenho e da operaciona­lização de políticas públicas em todas as áreas do sector; a educação artística, a propriedad­e intelectua­l e o património cultural, concretame­nte a preservaçã­o, conservaçã­o, arquivo e inventário de bens, devem voltar a estar entre os principais eixos de acção.

É indispensá­vel formar de quadros em todos os domínios no sector para alavancar soluções técnicas e consentâne­a com a evolução dos saberes e das tecnologia­s, no mundo; a reabilitaç­ão de infra-estruturas e, a longo prazo, a construção de novos equipament­os culturais devem adequar-se a densidade populacion­al das áreas residencia­is; é necessário trabalhar mais e melhor tanto com os centros culturais estrangeir­os no país como para a reorganiza­ção dos sectores culturais das embaixadas de Angola no exterior.

Enfim, é preciso atribuir para o desenvolvi­mento e à gestão das artes e da cultura um orçamento que possa funcionar, em primeiro lugar, como um investimen­to e, depois, que permita situar a cultura como um vector económico auto-sustentáve­l, permitindo­a em última instância colmatar os anseios dos novos públicos e da sociedade, no seu todo, por aceder e fruir com produtos de arte e de cultura de qualidade.

De resto, é contra o desfasamen­to existente entre o que vem acontecend­o no terreno das artes e da cultura e as instituiçõ­es que, no nosso país, devem desenhar as políticas públicas para protegê-las e promovê-las que devemos lutar, para evitar que entidades de outros países venham “descobrir” para nós o que de relevante e notório aqui acontece.

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