Sinais para apostar forte na “soberania alimentar”
A guerra que opõe a Rússia à Ucrânia, dois dos principais produtores mundiais de trigo, fez, nas últimas semanas, soar o alarme sobre a possibilidade de uma crise alimentar global, devido, em parte, ao bloqueio das exportações ucranianas desse cereal a partir do Porto de Odessa, no Mar Negro.
A Rússia flexibilizou, entretanto, a sua posição e, quarta-feira, o ministro das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, à frente de uma delegação, reuniu-se, em Istambul, com o seu homólogo turco, Mevlut Cavusoglu, para analisar as condições para a facilitação do trânsito marítimo no Mar Negro. O acesso ao Porto de Odessa encontra-se impedido, devido à presença de minas marítimas, colocadas pelas autoridades de Kiev, para bloquear eventuais desembarques de forças russas na região.
Desde que a guerra eclodiu, a 24 de Fevereiro, os preços de commodities como o trigo, milho, soja e sementes de girassol (importante para a produção de óleo de girassol), bem como de outras, conheceram aumentos consideráveis, levando os especialistas a advertir para as consequências da “extrema volatilidade dos mercados”. O trigo, que em Janeiro estava a 275 euros a tonelada, no mercado internacional, já estava cotado em 400 euros a tonelada em Abril. Diversos organismos internacionais, como a ONU, o PAM, a FAO e o FMI, têm vindo a expressar preocupação sobre o impacto da guerra na situação alimentar mundial, uma vez que está a afectar tanto a produção como as cadeias de distribuição.
De acordo com dados divulgados, a Ucrânia é o principal fornecedor de trigo para cerca de 36 países, que compram mais de metade das suas necessidades em grãos. Egipto, Indonésia, Paquistão e Bangladesh, por essa ordem, são os principais clientes do país europeu, seguindo-se outros, que, embora com menor volume de consumo, estão a ser duplamente prejudicados – primeiro, pela escassez do produto no mercado, segundo, pelo preço elevado que têm de pagar, o que acaba por representar despesa acrescida no orçamento. A Índia, também um grande exportador de trigo, decidiu suspender as vendas, devido à baixa nas colheitas por causa das extremas temperaturas registadas no país (49.2º C) e, também, como forma de salvaguardar o mercado interno.
O trigo é consumido em larga escala sob diferentes formas, em alimentos essenciais como pão, massas alimentícias, bolos, etc., cujo aumento acentuado dos preços é susceptível de provocar, como já aconteceu no passado, em alguns países, situações de instabilidade social. Este é um cenário que levou várias instituições financeiras multilaterais a traçar um plano conjunto contra a insegurança alimentar. Ao debruçar-se sobre o assunto, a directora executiva do Fundo Monetário Internacional, Kristalina Georgieva, considerou que “a invasão da Ucrânia pela Rússia precipitou uma série de consequências económicas e sociais pelo mundo”, sendo uma das mais preocupantes o corte no fornecimento de cereais e fertilizantes e o aumento dos preços do petróleo, uma situação particularmente grave para os países africanos.
“Estas pressões ocorrem numa altura em que as finanças públicas dos países já estão pressionadas, devido à pandemia, e o fardo da dívida pública é elevado. Com a inflação a atingir os níveis mais elevados em décadas, os rendimentos dos agregados familiares mais vulneráveis, nos países de baixo e médio rendimento, ficam em risco grave de insegurança alimentar e a história mostra-nos que a fome, muitas vezes, desencadeia agitação social e violência” - disse. Por seu lado, no rescaldo de uma reunião realizada em Nova Iorque, para analisar a segurança alimentar global, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu que a Rússia permita as exportações de cereais ucranianos e, ao Ocidente, que permita o acesso dos mercados mundiais aos fertilizantes russos, para combater de forma eficaz a crise alimentar mundial.
A guerra russo-ucraniana está a enviar ao mundo diversos sinais, um dos quais é a necessidade de os países com condições para tal apostarem fortemente na produção agrícola diversificada. Angola, que se pode dar por feliz, por possuir três grandes zonas climáticas, estando em condições, por isso, de apostar em culturas de climas frios como nas típicas de épocas quentes, tem a obrigação de trabalhar de forma árdua, para alcançar aquilo de que tanto se fala nos dias de hoje, que é a soberania alimentar.
Essa condição é fundamental para alicerçar a soberania política e, do ponto de vista económico, é uma das mais fortes e a que se apresenta, na actualidade, como tarefa urgente, porque, segundo os prognósticos mais sombrios, “os grandes problemas ainda estão por vir. Se o conflito se prolongar, pelo menos na Ucrânia, não será possível realizar o plantio e a colheita como habitualmente”. Esta é a opinião do economista agrícola Matin Qaim, director do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento, em Bona, na Alemanha, em declarações reproduzidas pela Deutsche Welle.
A guerra russo-ucraniana está a enviar ao mundo diversos sinais, um dos quais é a necessidade de os países com condições para tal apostarem fortemente na produção agrícola diversificada. Angola, que se pode dar por feliz, por possuir três grandes zonas climáticas, estando em condições, por isso, de apostar em culturas de climas frios como nas típicas de épocas quentes, tem a obrigação de trabalhar de forma árdua