De África para as Áfricas diasporizadas
As diásporas africanas, desde o comércio transatlântico de escravos (entre os séculos XV e XIX) e mais modernamente com as migrações voluntárias, ajudaram a moldar as Américas e a Europa tal como as conhecemos hoje. Nas sociedades de destino os africanos e seus descendentes deixaram (e deixam) a sua marca na linguagem, nos costumes, na religião, na construção civil, na ciência, na literatura... Como escreveu Agostinho Neto “As minhas mãos / colocaram pedras / nos alicerces do Mundo”). A propósito do Dia de África (25 de Maio), no dia seguinte a Academia Angolana de Letras promoveu uma mesa-redonda online sobre o tema “De África para as Áfricas diasporizadas do mundo”, com moderação do sociólogo angolano José Octávio Van-dúnem e apresentações das académicas Patrícia Silva (angolana e norte-americana, a partir dos EUA), Silvany Euclênio (brasileira, a partir do Brasil) e Inocência Mata (são-tomense, a partir de Portugal) “É no continente americano onde vivem em maior número as populações afrodescendentes ou a população negra fora do continente africano. Cerca de 200 milhões de pessoas nas Américas se identificam como afrodescendentes. Infelizmente t ambém é u ma r e g i ã o e x t r e mamente desigual, social e economicamente. E essas desigualdades manifestam-se sobretudo onde essas populações negras representam uma minoria racial e étnica. São desigualdades sistémicas e bastante persistentes”, disse Patrícia Silva..
Essa desigualdade, segundo Patrícia Silva, que é doutorada em Sociologia e alta funcionária do Fundo das Nações Unidas para a População, manifestase na forma de investimentos limitados nas comunidades afrodescendentes e por leis nada inclusivas e que não levam em conta as especificidades históricas dessas populações.
“E quando essas políticas inclusivas existem encontram barreiras estruturais para a sua implementação”, frisou, acrescentando que os afrodescendentes, de forma geral, têm uma representatividade “bastante” limitada nos processos de tomada de decisão e formulação de políticas na maioria dos países. “E essa realidade desfavorável é pior para a mulher negra, que além do racismo
ainda tem de enfrentar o sexismo e a violência”.
Ainda no dizer de Patrícia Silva, em Nova Iorque por cada mulher branca que morre no parto morrem outras 12 mulheres negras durante o parto “por causas que muitas vezes podem ser prevenidas”. Além disso “as taxas de desemprego e subemprego são consideravelmente mais altas entre os afrodescendentes, que também estão muito mais representados nas populações que vivem nas ruas, encarceradas, que vivem com o HIV positivo e sofrem mais violência”.
De um modo generalizado no continente americano, afirmou Patrícia Silva, “os sistemas sociais e económicos não foram criados para incluir as pessoas negras emancipadas” e em mui
tos países “ainda existe um sentimento forte anti-negro devido ao racismo e à ideologia da supremacia branca que infelizmente continua a crescer”.
A socióloga diferenciou a diáspora descendente de pessoas escravizadas e a mais recente, maioritariamente formada por imigrantes voluntários. “Os imigrantes voluntários, na real i dade, beneficiam- se das oportunidades que só existem graças à luta de gerações de escravizados e seus descendentes”, salientou.
“Como é que África e as suas diásporas podem beneficiar-se das suas experiências e desafios, que muitas vezes são comuns, para crescerem juntos?”, interrogou-se Patrícia Silva, ao concluir a sua apresentação.