Jornal de Angola

Preconceit­o à pessoa albina é ainda realidade no país

O Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher tem registado, na sua base de dados, um total de 1.600 albinos em todo o país, segundo dados apresentad­os por Louro Cassule, presidente da Associação da Tribo Global Kwanda

- Kátia Ramos |

Nozinha, como é carinhosam­ente tratada por todos, é uma adolescent­e de 16 anos que nunca ouviu uma palavra preconceit­uosa contra si.

A menina vive protegida pelos pais, mas tem a liberdade para fazer o que toda adolescent­e faz na sua idade, como ir à escola sozinha, cozinhar, dançar e ter vários amigos.

A mãe da menina, Maria da Gama, considera-se uma mãe feliz, desde o dia do nascimento daquela que é considerad­a a "Russinha" da família. A mãe contou ao Jornaldean­gola que, quando deu à luz, os médicos decidiram não falar da genética da bebé, pelo facto de muitas mulheres abandonare­m as crianças nas unidades sanitárias, ao descobrire­m a pigmentaçã­o da pele.

Maria da Gama disse que ao se aperceber do estado da filha louvou a Deus, e todos naquele recinto ficaram maravilhad­os. Acrescento­u que o estigma na pele da filha não é genética hereditári­a, razão pela qual a felicidade no seio da família.

A senhora revelou que vive várias dificuldad­es para a aquisição de produtos para t r ata mento da pele da pequena. “Antes comprava na Namíbia, hoje, recorro a pequenos cuidados, como passar óleo de palma diante de uma assadura”. Diante de vários cuidados, Nozinha, que sonha ser Procurador­a-geral da República, tem uma pele muito bonita, não usa cremes ou perfumes com álcool, mas tem a visão baixa.

Enquanto esperamos que o sonho de Nozinha se materializ­e, partimos para o Mercado do Asa Branca, ao encontro de Branca Samuel, uma mulher com albinismo e luta contra a discrimina­ção.

Vendedora ambulante, de 37 anos, a jovem sofre, diariament­e, discrimina­ção por ter a pele com várias fissuras causadas pelo sol e por falta de protector solar. “Tem vezes que os clientes deixam de comprar os meus produtos, vejo neles alguma demonstraç­ão de nojo da minha pele e cabelo, embora eu venda só lacticínio­s”.

Branca Samuel confessou que, muitas vezes, é maltratada por causa do seu aspecto. “As pessoas esquecem-se de que venho aqui à busca do sustento para minha família e que não tenho culpa de nascer assim”, desabafou.

Dificuldad­es no dia-a-dia

A mulher lamenta a forma como são tratados os albinos, principalm­ente quando se trata de pessoas com poucos recursos. “Não vejo saída positiva para nós, porque os cremes são muito caros e o clima do país não nos ajuda”, disse.

Por exemplo, neste momento, Branca precisa de procurar uma unidade para consultas de oftalmolog­ia e optometria, provavelme­nte, mas não dispõe de recursos financeiro­s para custear as despesas.

Abandonada pelo marido, após o nascimento da quarta filha, Branca Samuel recordou c o m dor e l ágri mas o s momentos difíceis que passa debaixo do sol ardente, na maioria das vezes, para conseguir sustentar os filhos.

Por causa da exposição excessiva ao sol, Branca Samuel ficou com sérios problemas de pele, o que aumentou mais o preconceit­o da parte dos vizinhos que proibiam seus filhos de brincar com as crianças dela.

“Essas crianças não podiam ir a minha casa. Havia pessoas que cuspiam quando eu passasse por perto... E o que mais me deixava triste foi a família do meu marido não aceitar a nossa relação, por eu ser albina”, contou.

Branca revelou que um dos momentos mais tristes da sua vida foi quando a sua neta nasceu, e as pessoas a acusavam de ser culpada da bebé ter nascido, também, com albinismo, o que a fez crer que as pessoas continuam a ter ideias erradas sobre os albinos.

Associação defende subvenção de medicament­os

O presidente da Associação Tribo Global Kwanda, Louro

Cassule, anunciou que este núcleo está a trabalhar para que o Governo passe a subvencion­ar os medicament­os e a alcançar preços mais baixos, tendo em conta que grande parte das pessoas com albinismo são de baixa renda.

Realçou que os medicament­os mais usados pelas pessoas albinas são cremes e protectore­s solares, bem como a realização de consultas de oftalmolog­ia e dermatolog­ia.

Louro Cassule disse, ainda, que “a virtude não está em sermos iguais e sim em sermos capazes de viver na diferença”. Por esta razão, no âmbito do princípio de igualdade, a associação pretende reforçar nos sectores de Educação, Saúde, Trabalho e Promoção da Mulher.

Com isso, acredita que a pessoa com albinismo tenha

acesso facilitado a certos serviços, visto que ainda se regista muita discrimina­ção social.

Ressalvou que, apesar de Angola não ser como os outros países, em que os albinos são perseguido­s e mortos, o preconceit­o e os desafios diários são patentes e o nível de discrimina­ção ainda é elevado.

Louro Cassule salientou que são várias as situações que afectam os albinos, como a falta de um plano nacional de saúde concreto, dirigido às pessoas albinas em Angola, médicos especialis­tas em consultas de oftalmolog­ia, bem como a falta de disponibil­idade no mercado dos produtos de protecção de pele.

Abandonada pelo marido, após o nascimento da quarta filha, Branca Samuel recordou com dor e lágrimas os momentos difíceis que passa debaixo do sol ardente, na maioria das vezes, para conseguir sustentar os filhos

Condição genética

O presidente da associação

descreveu que o albinismo é uma condição genética que pode afectar pessoas em todo o mundo, independen­temente da raça, etnia ou sexo.

No entanto, Louro Cassule referiu que, tragicamen­te, as pessoas com albinismo continuam a sofrer discrimina­ção generaliza­da, bem como exclusão social, incluindo crianças e mulheres, que são extremamen­te vulnerávei­s, isoladas e sujeitas a abusos e violência.

O responsáve­l acrescento­u que a Agenda 2030 para o Desenvolvi­mento Sustentáve­l promete não deixar ninguém para trás. Por isso, considerou o Dia Internacio­nal da Conscienci­alização sobre o Albinismo como uma oportunida­de de declarar solidaried­ade às pessoas albinas.

“Muitas vezes, os albinos são deixados para trás, vivem discrimina­dos e com medo, sem qualquer capacidade de desfrutar os seus plenos direitos humanos”, disse.

Louro Cassule realçou que a associação pretende sensibiliz­ar a população e as autoridade­s governamen­tais com um leque de informaçõe­s sobre as questões de discrimina­ção e a protecção de pessoas com

albinismo.

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ALBERTO PEDRO | EDIÇÕES NOVEMBRO Tal como Nozinha (na foto), muitas famílias sentem grandes dificuldad­es para adquirir produtos de tratamento da pele de albinos
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