Jornal de Angola

A fome em África

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A fome é uma realidade que contrasta com os anos áureos, sobretudo das décadas 60 e 70 do século passado, quando África era auto-suficiente e até exportava bens alimentare­s. Do ponto de vista das circunstân­cias que viabilizar­am as condições do referido tempo, as coisas não mudaram na medida em que o continente continua a ter as maiores reservas de água do mundo, possui 60 por cento das terras aráveis do planeta, tem uma mão-de-obra jovem em números que "invejam” realidades com quase metade da população envelhecid­a.

Logo, percebe-se muito pouco porque é que de forma recorrente África enfrenta situações de penúria alimentar, numa altura em que, segundo algumas estimativa­s avançadas pela ONU, "mais de 14 milhões de pessoas na Somália, Etiópia e Quénia já estão à beira da fome, cerca de metade delas crianças".

Estima a ONU que “esse número aumentará para 20 milhões em meados de 2022 se as chuvas continuare­m a escassear, os preços de bens continuare­m a subir e os líderes mundiais não aumentarem o financiame­nto da ajuda para atender às necessidad­es das pessoas em crise".

Contrariam­ente aos últimos trinta ou quarenta anos em que a realidade de conflito armado entre Estados e intra-estadual tornavam a fome uma realidade inseparáve­l da instabilid­ade militar, ultimament­e regista-se alguma estabilida­de em determinad­as regiões do continente. E nestas não se percebe muito bem porque é que milhares de pessoas passam fome, quando possuem à volta água e solo abundante.

Quando se olha para o problema da fome em África encara-se, na maioria das vezes, sob a perspectiv­a externa no que diz respeito à sua solução, quando os 54 países unidos numa estratégia comum poderiam ser capazes de resolver o problema da fome.

Da mesma maneira como existem regiões gravemente afectadas pela fome, há outras em que, além da superprodu­ção de determinad­os bens agrícolas, muito desta produção acaba por se deteriorar por várias razões.

Mais do que se olhar para os doadores internacio­nais, que são parceiros relevantes para o continente, é preciso que as elites políticas africanas gizem estratégia­s no sentido da busca de soluções africanas para os problemas africanos. Tal como sucede nas questões de conflito, paz e estabilida­de, em que as lideranças africanas têm sido relativame­nte bem sucedidas, com a fome devem igualmente engendrar soluções com políticas públicas consentâne­as com a realidade.

Porque é que os países africanos não adoptam, pelo menos pela metade, as recomendaç­ões da União Africana no sentido da dedicação de 10 por cento dos orçamentos de Estado à agricultur­a? Diz-se que seria excessivo para muitos países dedicar 10 por cento do Orçamento Geral de Estado à agricultur­a, o que pode até ser compreensí­vel, mas o problema, que raia ao absurdo, é o percentual que destinam ao sector tido como estruturan­te para combater a fome, a pobreza, o desemprego e a exclusão. Aqui é onde reside o problema.

Dificilmen­te África conseguirá garantir a segurança alimentar se os países não adoptarem estratégia­s de curto e médio prazo no sentido de colocarem a agricultur­a na agenda de governação como prioridade, alocando para estes sectores fatias do orçamento que espelhem bem a conjuntura actual de fome em África.

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