Boa governação
Diariamente, aqui na Zâmbia, os ministros do antigo Governo estão a ser detidos, acusados de terem feito fortunas ilicitamente. Recentemente, o antigo ministro da Defesa, Geoffrey Bwalya Mwamba, foi detido, acusado de ter feito milhões de dólares em transacções ilícitas, em que o mesmo é acusado de ter feito negócios com as suas próprias empresas.
Em África, o grito contra os políticos fazerem negócios consigo mesmos está a vir do sector privado que, curiosamente, está a crescer, em certos casos, com fundos desviados do Estado. Na Zâmbia e no Zimbabwe, por exemplo, está a surgir o fenómeno de empresas de construção locais; em certos casos, estas são sustentadas por capitais vindos de vários sócios com fortes conexões com as instituições chaves governamentais. Algumas destas empresas de construção são mesmo muito boas e que vão insistindo que os contratos a virem do Governo sejam feitos através de concursos transparentes e genuínos. Há casos em que uma empresa estrangeira ganha o concurso, mas — através da terceirização — a obra é feita por uma empresa local.
No vizinho Malawi, está a falar-se muito de Zuneth Sattar, um empresário que foi detido pelas autoridades britânicas por sérias acusações de corrupção; Sattar é acusado de ter vendido ao Governo malawi veículos blindados, canhões de água e rações de combate a preços claramente exagerados! Sattar é visto como um pequeno Gupta. Os Guptas são uma família indiana que praticamente passou a “capturar” o Estado sul-africano, porque tinham todos os políticos com influência nos seus bolsos.
Lembro-me de um grande escândalo em 2018, quando membros da família Gupta foram para um casamento em aviões a jacto privados que aterravoar num aeroporto militar. Os procedimentos de sempre, aterravam a imigração e alfândega, por exemplo, não aconteceram; os Guptas até tiveram escolta com sirenes piscando e tudo. O público sul-africano não gostou e isso resultou em vários inquéritos e relatórios. O que aconteceu na África do Sul foi seguido atentamente noutros países africanos.
Em vários países africanos há uma expressão que se vai repetindo: ‘overpricing’, ou sobrefacturação. Os africanos estão cada vez mais a abrir os olhos; a sobrefacturação nem sempre passa despercebida. Quando, com empréstimos da China, se constroem estádios, muitos agora querem saber qual exactamente foi o custo e qual será o valor económico do projecto.
O sector da segurança atrai muitos peritos internacionais de sobrefacturação, já que tudo fica oculto por causa do segredo de Estado. Em muitos países africanos a segurança absorve muito dinheiro, que não resulta na formação de quadros, que é mais importante. Não faz sentido ter jactos de combate caríssimos sem gente que os possa tripular.
Um outro sector da sobrefacturação é o da saúde. Isto é muito triste. Há máfias no Ministério de Saúde africanos que importam medicamentos que já expiraram. Em certos casos, importantes equipamentos caríssimos para os hospitais que não são apropriados.
O que está a acontecer agora é que existem muitas agências que observam cuidadosamente os gastos dos países africanos. O Malawi é um dos países mais pobres do mundo; parte do seu orçamento do Estado é sustentado por doadores. Não faz sentido doar milhões a um país que vão acabar nas contas de espertalhões no Ocidente ou Ásia.
Muitos africanos agora têm interesse no poder e o seu potencial de gerir dinheiro ilicitamente. Há quem não queira ouvir falar de boa governação; o povo está cada vez mais interessado em como as coisas poderiam ser. Também ninguém quer ouvir alguém a justificar a pobreza do povo citando a herança colonial.
Os africanos agora vão olhando atentamente para os governantes e como eles são governados. Como é que o ministro meses depois da sua nomeação passa a ostentar uma casa matulona e a lidar com uma vida de milionário? Os africanos agora se interrogam se as falhas na governação têm a ver com os quadros ou os sistemas.
Aqui na Zâmbia, os cidadãos faziam lembrar os políticos dos discursos de cinco anos atrás em que prometiam vários empreendimentos e uma melhoria na vida dos cidadãos. Isto aconteceu no Malawi, África do Sul e até na Namíbia, onde partidos que pareciam ser imbatíveis nas urnas perderam votos, provando que não são gigantes intransponíveis.
É impossível esconder os desenvolvimentos do mundo dos africanos. Estamos a caminho de um continente que vai sofrer transformações profundas nos próximos anos. Alguém numa área rural africana pode, através da Internet, seguir formas de aumentar a sua produção agrícola vendo gravações da Argentina. Este africano vai se interrogando porque razão a sua vida não muda para melhor. Na minha aldeia ancestral, no Planalto Central, há um grupo de jovens que se dedica a aprender o Inglês através do Youtube; alguns seguem o noticiário no Reino Unido e Estados Unidos. Estes estão interessados na Boa Governação…