Conferência Ministerial debate levantamento de patentes de vacinas
Aproveitando o encontro que decorre em Genebra, Suíça, várias organizações não governamentais protestaram, ontem, ostentando uma faixa onde se lia: “Acabem com o ‘apartheid’ vacinal”
Os ministros da Organização Mundial do Comércio admitem levantar patentes de vacinas contra a Covid-19 e aliviar barreiras à circulação de produtos médicos cruciais, mas persistem profundas diferenças entre países, noticiou, ontem, a Lusa.
Para lembrar a importância desta questão aos diplomatas que, até amanhã, estão reunidos em Genebra, na Suíça, na 12ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), várias organizações não governamentais (ONG) protestaram, ontem, ostentando uma faixa onde se lia: “Acabem com o 'apartheid' vacinal!”
“A propriedade intelectual é a antítese do livre comércio. Monopólios ligados à propriedade intelectual aumentam os preços e sufocam a concorrência”, disse, à AFP, uma das manifestantes, Deborah James, apontando o dedo às regras da OMC.
Sob a mesa da conferência ministerial da OMC, estão dois textos em discussão: Um vai no sentido de facilitar a circulação dos materiais necessários ao combate às pandemias e o outro visa permitir a suspensão temporária das patentes das vacinas anti-covid. Este último tema tem estado, contudo, na base de algumas divisões, com a indústria farmacêutica e a Suíça a encararem esta possibilidade como um enfraquecimento da propriedade intelectual, enquanto para as ONG o texto não vai suficientemente longe.
Já os Médicos sem Fronteiras lamentam que seja limitado no tempo e que não se estenda a outros obstáculos à propriedade intelectual, como segredos industriais.
O resultado das negociações em curso é incerto. Como a OMC funciona por consenso, será necessário que os 164 países membros cheguem a um acordo. Mais de dois anos após o aparecimento da Covid19, o balanço traçado é amargo: a taxa de vacinação continua insuficiente nos países pobres, particularmente na África.
E, se as vacinas são agora produzidas em quantidades suficientes, elas continuavam a faltar, no auge da pandemia, nos países desfavorecidos, enquanto as populações dos países desenvolvidos já estavam a receber a dose de reforço. No seu discurso na conferência, o ministro do Comércio da Índia, Piyush Goyal, cujo país lançou, ao lado da África do Sul, a ideia de renunciar aos direitos de propriedade intelectual para todos os dispositivos médicos Covid, lamentou que a OMC não tenha “sabido reagir rapidamente”.
“Os países ricos devem fazer uma introspecção! Devemos baixar as nossas cabeças de vergonha pela nossa incapacidade de reagir a tempo à pandemia”, afirmou. Para a directora executiva do UNAIDS, Winnie
Byanyima, “durante uma pandemia, compartilhar tecnologias é uma questão de vida ou morte”. “E nós escolhemos a morte”, acrescentou.
Projecto de acordo
O actual projecto de acordo sobre propriedade intelectual prevê que “países em desenvolvimento elegíveis” poderão produzir vacinas “sem o consentimento do titular do direito por meio de qualquer instrumento disponível na legislação” daquele país.
Contudo, os negociadores deixaram vários parêntesis relativamente a diversas questões não resolvidas. Assim, a minuta do acordo propõe que os países em desenvolvimento com capacidade para exportar vacinas sejam “incentivados” a não fazer uso da renúncia de patentes.
Prevê-se também que os países em desenvolvimento cuja quota nas exportações globais de doses de vacinas contra a Covid-19 em 2021 tenha sido superior a 10% não possam recorrer ao levantamento de patentes, o que, na prática, exclui a China.
E, se a China prometeu não usar as facilidades concedidas aos países em desenvolvimento por este projecto de acordo, segundo vários diplomatas, os Estados Unidos gostariam que esse compromisso fosse assumido por escrito. O texto prevê também a possibilidade de estender o acordo a testes e tratamentos, seis meses após a sua adopção, mas ainda não há consenso neste tema.
Já o segundo texto destaca as restrições enfrentadas por alguns países em termos de fornecimento de vacinas, tratamentos, meios de diagnóstico e outros produtos médicos essenciais ligados à Covid.
Neste sentido, apela a que todas as medidas comerciais de emergência destinadas a combater a pandemia sejam “direccionadas, proporcionais, transparentes, temporárias e que não criem obstáculos desnecessários ao comércio ou interrupções desnecessárias nas cadeias de abastecimento”.