Maioria dos idosos nos lares é abandonada pelos próprios filhos
O Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher controla 843 idosos, que vivem em lares de 11 províncias do país. Em 2021, foram assistidos 852 idosos, nos 18 lares, e 5.471 nas comunidades, segundo Santa Ernesto, do MASFAMU
Aos 90 anos, a anciã Adélia Ribeiro exibe um sorriso alegre. O segredo da longevidade reside na fé cristã e crença em Deus, que, apesar da idade, ainda adora. O bom vinho, boas práticas em prol da saúde, como a dança e óptimas relações interpessoais, saber perdoar e respeito ao próximo são alguns dos segredos.
Adélia Ribeiro tem o respeito e carinho dos filhos. Manuel Fernandes não esconde a satisfação em mimar a mãe, fruto da dedicação que recebeu durante anos. Ao contrário dessa idosa, inúmeras pessoas da terceira idade são despojadas dos seus aposentos pelos próprios parentes próximos. Uns chegam a ser abandonados à porta do Beiral e outros mesmo na rua. São inúmeras histórias de arrepiar contadas no referido lar de idosos.
Bartolomeu Costa vive com o pai, há quatro anos. O progenitor, André Manuel, 75 anos, tem problemas da próstata, o que exige cuidados especiais. Por conta da doença, o velho deixou de trabalhar na lavra, que tinha como fonte de sustento.
Numa manhã de sábado, Bartolomeu convocou os nove irmãos e comuncou-os que já não queria viver com o pai, por estar agastado com a doença do velho, que rouba muito tempo a todos de casa. Os nove irmãos negaram-se em viver com o pai, já velho, doente e fragilizado. O idoso também, presente, não acreditava no que ouvia dos filhos.
Um dos filhos, mesmo sem trabalhar, sensibilizado com a situação, acolheu o pai em casa, evitando, assim, que fosse parar no Beiral, como era vontade de outros filhos. O mais velho André ficou assim sob cuidados desse filho, ao passo que os outros irmãos não queriam saber da existência do ancião.
Em Luanda, são vários relatos de idosos que sofrem maus tratos, por parte da família e, até, mesmo de pessoas desconhecidas. Na sociedade, são casos que reportam maus tratos de idosos criando transtornos psicológicos, emocionais e físicos.
Os actos são cometidos, infelizmente, em muitos casos por membros da própria família e, noutros por pessoas conhecidas, segundo o psicólogo Manuel Fernandes.
O psicólogo considera que a crise social sem precedentes na sociedade, que se manifesta, também, por actos violentos, tomou uma dimensão patológica que nem sequer poupa os anciãos.
O idoso vítima de violência pode enquanto estiver em vida sofrer consequências, como a deterioração da qualidade de vida, temor pela continuidade da vida nas condições em que se encontra, abrindo, assim, uma crise acumulada que pode terminar em perda do sentido de vida, automutilação,terminando muitas vezes em suicídios.
Manuel Fernandes considera que os parentes que decidem abandonar os idosos ou expulsa-los de casa, devido à idade e, sob acusação de feitiçaria, podem sofrer de consequências no futuro, com destaque para o enfraquecimento das capacidades racionais, problemas mentais decorrentes do choque pelos actos dos familiares, problemas de saúde irreversíveis, o que pode acelerar a morte.
O psicólogo acredita que as razões que levam um filho a maltratar, abandonar ou negligenciar o próprio pai ou mãe sãos várias. A primeira tem a ver com a saúde mental ou comportamental que o
i ndivíduo experimenta. Porém, este desconhece que padece de um transtorno de personalidade, sendo incapaz de perceber que não está bem e precisa de ajuda do especialista em saúde mental.
Um filho pode ainda correr com o pai de casa decorrente da deformação educativa, influência negativa dos factores de socialização, família, amigos e outros factores, pelo que é importante, nestes casos, denunciar e optar pela prevenção secundária ou terciária, evitando alguma tragédia.
Todo e qualquer acto de violência intra ou extra familiar contra idoso deve ser condenado e repreensivelmente punido, com vista à prevenção e desencorajamento.
Manuel Fernandes explica que os idosos devem ser respeitados e vistos como seres humanos capazes de levar uma vida activa, não obstante possuírem algumas privações sensoriais, comprometimento da motricidade, dores e outros problemas próprios da idade. “É importante passar a mensagem de que, enquanto estão em vida, existe a possibilidade de serem integrados em todas as dimensões, flutuando em torno do passado, presente e futuro, despertando e cultivando neles uma imagem saudável da velhice”.
Considera que os cidadãos, sendo detentores de uma vida activa em quase todas as dimensões, poderiam fazer muito mais em prol do idoso, partindo do princípio de que se trata de uma fase da vida bastante complexa que requer intervenção de todos.
Adianta que, independentemente do grau académico, status socioeconómico, um mais velho é uma biblioteca viva, a julgar pelas vivências positivas e negativas, as adversidades e os momentos memoráveis de vivência e experiência, faculta sempre alguma sabedoria. “São memórias sem igual, das quais se pode retirar sempre algum aprendizado”, realçou.
Ninguém quer viver no lar
O sociólogo Marcelino Pintinho considera os idosos fundamentais na sociedade, por serem as bibliotecas vivas, por força da experiência e longos anos de vivência. Numa sociedade como a nossa, onde a política e a estratégia para com a pessoa idosa devia ser um instrumento real e não uma ficção científica, lamenta que quase só se fala da pessoa idosa no dia 30 de Novembro.
Considera que o envelhecimento é um processo inevitável, sendo que todos os seres humanos vão envelhecer. O maior problema consiste em saber como? quando? aonde? acrescentando que os idosos deviam ser tratados como grandes heróis, se termos em conta a esperança e qualidade de vida em Angola.
Em sociedades modernas, os idosos teriam centros de dia e de noite, para aprofundar a socialização, de modo a reduzir o isolamento e solidão que se regista por força do mercado de trabalho.
O também investigador na área de Gerontologia indica que as principais formas de violência contra a pessoa idosa continuam a ser o abandono, negligência, exploração financeira, física e psicológica.
Relativamente aos maus tratos, disse que ocorrem dentro da estrutura familiar, lugar em que o idoso deveria ser valorizado, mas, tornou-se num ambiente de elevada hostilidade, daí que alguns velhos preferem eles mesmo abandonar a casa, sob pena de não sobreviverem no dia seguinte.
Relativamente a alguns anciãos que são chamados de feiticeiros, disse que a percentagem não é superior a 10 por cento, segundo estudos. Sustenta que a condição de demência de muitos, aliada à apetência dos filhos em ficar com a herança dos idosos dão origem aos maus tratos, influenciados pela carga cultural de certas partes de Angola.
“O lugar do idoso é na família e não no lar de acolhimento, pois, ninguém nasceu para viver no lar. Não se pode esquecer de que o idoso de hoje foi o jovem de ontem, e o jovem de hoje será o idoso do amanhã. Por isso, o lugar do mais velho é dentro dos limites da estrutura familiar, junto dos netos e filhos para a construção de uma família de referência e pertença”, realçou o sociólogo Marcelino Pintinho.
Frisa que no passado a figura dos avós era vista como uma estrutura forte de apoio, manutenção, educação e crescimento dos netos. Hoje, há uma alteração na acção transgeracional, porque a função deles é partilhada com as creches e ATL.