As dez formas de intervenção do Estado
Ao aproximarmo-nos do final do exercício do Governo actual, uma questão fundamental, no universo mineiro, chama a nossa atenção: o actual Executivo procedeu a mudanças substanciais na forma de gestão do sector, mas estas são para durar? Houve legitimidade para que as alterações fossem feitas em nome do Estado?
Para responder a esta questão teremos de olhar para o conceito do Estado, o modo de intervenção e entender o legado que nos deixará o presente Governo.
Estado é uma entidade com poder soberano para governar um povo dentro de uma área territorial delimitada. Assim, pode-se dizer que os elementos constitutivos do Estado são: poder, povo, território, governo e leis.
Para o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), o que define o Estado é o monopólio do uso legítimo da força. Isto é, dentro de determinados limites territoriais, nenhum outro grupo ou instituição além do Estado tem o poder de obrigar, cobrar, taxar e punir.
Na sua forma moderna, o Estado é constituído por um conjunto de instituições permanentes que organizam e controlam o funcionamento da sociedade. Os chamados três poderes (executivo, legislativo e judiciário) dividem entre si essas funções.
O Governo é um grupo de pessoas que governa (dirige, administra) o Estado. Portanto, a principal diferença entre os dois é que o Governo é um órgão que faz parte do Estado, cumprindo as funções de gerir os mais diversos serviços públicos e executar as leis.
Em linha com o avançado sobre o Estado, no âmbito mineiro, é legítimo reconhecer tanto a legitimidade da sua acção, como reconhecer dez formas fundamentais da sua intervenção: -Criação de entidades reguladoras e concessionárias, -Participação em produções mineiras,
-Direito de requisitar produções mineiras,
-Declarar zonas de reserva mineira,
-Definir áreas disponíveis para a actividade mineira,
-Criar áreas de reserva de segurança,
-Proteger direitos das comunidades,
-Garantir realojamentos,
-Proteger a força de trabalho local,
-Proteger o mercado nacional.
Aqui chegados, naveguemos, brevemente, por cada uma das áreas de intervenção.
Criação de entidades reguladoras e concessionárias– de um modo geral, o Estado pode intervir economicamente no sector mineiro, quer através de entidades reguladoras e concessionárias nacionais, quer através de empresas operadoras, ficando todos esses entes sujeitos aos princípios e regras estabelecidos no Código Mineiro do País e na legislação sobre investimento público e sobre empresas públicas ou de capitais públicos. Em verdade, em nome do Estado,o Governo em exercício pode criar instituições públicas reguladoras das actividades mineiras sempre que haja necessidade de regular de modo específico o exercício da actividade mineira respectiva, ou o mercado, ou os preços, ou as exportações, ou a saúde pública, ou outros factores específicos relevantes.
Participação em produções mineiras - o Estado participa na apropriação do produto da mineração como contrapartida pela concessão dos direitos mineiros de exploração e comercialização, podendo usar uma das seguintes formas ou ambas conjugadas:a) Participação, através de uma empresa do Estado, no capital social das sociedades comerciais a criar, não podendo essa participação ser inferior a 10%;b) Participação em espécie no produto mineral produzido em proporções a definir ao longo dos ciclos de produção, subindo a participação do Estado à medida que a Taxa Interna de Rentabilidade (TIR) for aumentando. Entretanto, compete ao Titular do Poder Executivo aprovar os critérios de participação social das empresas do Estado nas sociedades comerciais e da comparticipação em espécie nas produções de minerais produzidos face à TIR, podendo delegar essa competência no titular do órgão de tutela, no caso o Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás.
Direito de requisitar produções mineiras - sempre que os interesses comerciais do País o exijam, relativamente ao tratamento, enriquecimento, ou acréscimo no mercado local de valor aos minerais produzidos, o Estado pode requisitar a compra das produções, ou parte delas, e adquiri-las a preços do mercado, destinando-as à indústria local.o direito de requisição do Estado aplica-se independentemente do uso, ou não, das produções na indústria local de minerais, sempre que estes tenham interesse estratégico para a segurança nacional.
Declarar zonas de reserva mineira – as áreas do domínio territorial e marítimo sob jurisdição da República de Angola que não tenham sido atribuídas para efeitos do exercício de outras actividades, ou a elas não estejam afectadas, são consideradas disponíveis para efeitos de concessão de direitos mineiros. Neste sentido, o Executivo
pode declarar zonas de reserva mineira as partes do território nacional que apresentem potencial mineiro considerável e que, em função disso, exijam a observância de restrições quanto à circulação de pessoas e bens nessas áreas. A declaração e criação de zonas de reserva mineira deve ter em conta a necessidade de garantir ou perturbar o menos possível o desenvolvimento económico e social integrado das regiões, a estabilidade social e cultural das populações locais e a segurança dos direitos e dos bens patrimoniais públicos e privados.
Definir áreas disponíveis para a actividade mineira– tendo em vista assegurar o desenvolvimento harmonioso da economia nacional, proteger os interesses relacionados com a defesa nacional, a fauna, a flora e o ambiente, o Poder Executivo pode, nos termos da lei, estabelecer áreas excluídas ou condicionadas para a actividade geológico-mineira. Em verdade, são considerados indisponíveis para a actividade mineira, os terrenos que fazem parte do domínio público, para uso comum ou privativo do Estado, enquanto dele não forem desafectados, e as áreas que estejam excluídas da actividade geológica e mineira.
Criar áreas de reserva de segurança - a configuração das áreas geográficas objecto dos títulos de concessão de direitos mineiros têm forma poligonal, tão regular e simples quanto possível, e é identificada através de pontos fixos definidos por coordenadas geográficas ou geodésicas ou por acidentes naturais, em conformidade com o que é estabelecido pelo órgão de tutela.
Proteger direitos das comunidades - a política mineira deve sempre ter em conta os costumes das comunidades das áreas em que é desenvolvida a actividade de mineração e contribuir para o seu desenvolvimento económico e social sustentável. Entretanto, o órgão de tutela, em coordenação com os órgãos locais do Estado e os titulares dos direitos mineiros, deve criar mecanismos de consulta que permitam às comunidades locais afectadas pelos projectos mineiros participar activamente das decisões relativas à protecção dos seus direitos, dentro dos limites constitucionais. O mecanismo de consulta deve integrar pessoas de reconhecida idoneidade e reputação junto das comunidades, escolhidas de acordo com os usos e costumes locais, desde que não contrariem a Constituição. A consulta é obrigatória em todos os casos em que da implementação dos projectos mineiros possa resultar a destruição ou danificação de bens materiais, culturais ou históricos pertencentes à comunidade local como um todo.
Garantir realojamentos – as populações locais que sofram prejuízos habitacionais que impliquem a sua deslocação ou a perturbação das suas condições normais de alojamento por causa das actividades mineira têm direito a ser realojadas pelo titular da concessão respectiva. Contudo, o processo de realojamento deve respeitar os hábitos, costumes, tradições e outros aspectos culturais inerentes às referidas comunidades, desde que não contrariem a Constituição.
Proteger a força de trabalho local - os titulares de direitos mineiros devem assegurar o emprego e a formação de técnicos e trabalhadores angolanos, preferencialmente dos que residirem nas áreas da concessão mineira, de acordo com o que estiver estabelecido legalmente.
Proteger o mercado nacional - em condições de preços que não excedam 10% e de prazos de entrega que não ultrapassem oito dias úteis, os titulares dos direitos mineiros devem dar preferência à utilização de materiais, serviços e produtos nacionais, cuja qualidade seja compatível com a economia, segurança e eficiência das operações mineiras. Entretanto, as entidades que se sentirem prejudicadas no direito de protecção legal neste âmbito podem requerer das autoridades, administrativas ou judiciais competentes, a protecção ou o restabelecimento do mesmo, nos termos gerais do direito.
Tomando, o leme intervencionista do Estado, o Governo actual aprovou um Novo Modelo de Governação, integrado que trouxe novas instituições e reconfigurou outras, como seu legado construíodo nestes últimos cinco anos:
Agência Nacional de Recursos Minerais (ANRM), criada em Junho de 2020, que para além de desenvolver as funções de concessionária nacional, é responsável pela regulação e fiscalização do sector mineiro angolano, exercendo também as funções de negociar e gerir contratos mineiros, bem como monitorizar a sua execução,
IGEO, órgão de gestão indirecta do Estado que recolhe, guarda, gere, promove e disponibiliza a informação geológica, propriedade do Estado,
ENDIAMA – E. P., cujo processo de restruturação está em curso, deixou de ser concessionária para os diamantes, concentrando-se no seu negócio nuclear, como operadora mineira de diamantes,
SODIAM – E. P., empresa de domínio público, com a responsabilidade de assegurar a implementação da Nova Política de Comercialização de Diamantes e a futura operacionalização da Bolsa de Diamantes,
Bolsa de Diamantes, ente constituído pela SODIAM e ENDIAMA, que deverá assegurar as transacções de diamantes em Angola, sob a supervisão da SODIAM, aumentando a transparência e a credibilidade na comercialização de diamantes,
Comissão Nacional do Processo Kimberley,aumentada a notoriedade desta entidade administrativa, órgão responsável pelos procedimentos de certificação legal dos diamantes.
Ao aproximarmo-nos do final do exercício do Governo actual, fica o legado e a demonstração, clara, de que, através do Governo, o Estado pode operar mudanças substanciais na forma de gestão do Sector de Recursos Minerais, tantas quantas a competência e o sentido de compromisso dos seus executivos o permitam.