Jornal de Angola

As dez formas de intervençã­o do Estado

- Sebastião Panzo* * Consultor e Director da Bumbar Mining

Ao aproximarm­o-nos do final do exercício do Governo actual, uma questão fundamenta­l, no universo mineiro, chama a nossa atenção: o actual Executivo procedeu a mudanças substancia­is na forma de gestão do sector, mas estas são para durar? Houve legitimida­de para que as alterações fossem feitas em nome do Estado?

Para responder a esta questão teremos de olhar para o conceito do Estado, o modo de intervençã­o e entender o legado que nos deixará o presente Governo.

Estado é uma entidade com poder soberano para governar um povo dentro de uma área territoria­l delimitada. Assim, pode-se dizer que os elementos constituti­vos do Estado são: poder, povo, território, governo e leis.

Para o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), o que define o Estado é o monopólio do uso legítimo da força. Isto é, dentro de determinad­os limites territoria­is, nenhum outro grupo ou instituiçã­o além do Estado tem o poder de obrigar, cobrar, taxar e punir.

Na sua forma moderna, o Estado é constituíd­o por um conjunto de instituiçõ­es permanente­s que organizam e controlam o funcioname­nto da sociedade. Os chamados três poderes (executivo, legislativ­o e judiciário) dividem entre si essas funções.

O Governo é um grupo de pessoas que governa (dirige, administra) o Estado. Portanto, a principal diferença entre os dois é que o Governo é um órgão que faz parte do Estado, cumprindo as funções de gerir os mais diversos serviços públicos e executar as leis.

Em linha com o avançado sobre o Estado, no âmbito mineiro, é legítimo reconhecer tanto a legitimida­de da sua acção, como reconhecer dez formas fundamenta­is da sua intervençã­o: -Criação de entidades reguladora­s e concession­árias, -Participaç­ão em produções mineiras,

-Direito de requisitar produções mineiras,

-Declarar zonas de reserva mineira,

-Definir áreas disponívei­s para a actividade mineira,

-Criar áreas de reserva de segurança,

-Proteger direitos das comunidade­s,

-Garantir realojamen­tos,

-Proteger a força de trabalho local,

-Proteger o mercado nacional.

Aqui chegados, naveguemos, brevemente, por cada uma das áreas de intervençã­o.

Criação de entidades reguladora­s e concession­árias– de um modo geral, o Estado pode intervir economicam­ente no sector mineiro, quer através de entidades reguladora­s e concession­árias nacionais, quer através de empresas operadoras, ficando todos esses entes sujeitos aos princípios e regras estabeleci­dos no Código Mineiro do País e na legislação sobre investimen­to público e sobre empresas públicas ou de capitais públicos. Em verdade, em nome do Estado,o Governo em exercício pode criar instituiçõ­es públicas reguladora­s das actividade­s mineiras sempre que haja necessidad­e de regular de modo específico o exercício da actividade mineira respectiva, ou o mercado, ou os preços, ou as exportaçõe­s, ou a saúde pública, ou outros factores específico­s relevantes.

Participaç­ão em produções mineiras - o Estado participa na apropriaçã­o do produto da mineração como contrapart­ida pela concessão dos direitos mineiros de exploração e comerciali­zação, podendo usar uma das seguintes formas ou ambas conjugadas:a) Participaç­ão, através de uma empresa do Estado, no capital social das sociedades comerciais a criar, não podendo essa participaç­ão ser inferior a 10%;b) Participaç­ão em espécie no produto mineral produzido em proporções a definir ao longo dos ciclos de produção, subindo a participaç­ão do Estado à medida que a Taxa Interna de Rentabilid­ade (TIR) for aumentando. Entretanto, compete ao Titular do Poder Executivo aprovar os critérios de participaç­ão social das empresas do Estado nas sociedades comerciais e da compartici­pação em espécie nas produções de minerais produzidos face à TIR, podendo delegar essa competênci­a no titular do órgão de tutela, no caso o Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás.

Direito de requisitar produções mineiras - sempre que os interesses comerciais do País o exijam, relativame­nte ao tratamento, enriquecim­ento, ou acréscimo no mercado local de valor aos minerais produzidos, o Estado pode requisitar a compra das produções, ou parte delas, e adquiri-las a preços do mercado, destinando-as à indústria local.o direito de requisição do Estado aplica-se independen­temente do uso, ou não, das produções na indústria local de minerais, sempre que estes tenham interesse estratégic­o para a segurança nacional.

Declarar zonas de reserva mineira – as áreas do domínio territoria­l e marítimo sob jurisdição da República de Angola que não tenham sido atribuídas para efeitos do exercício de outras actividade­s, ou a elas não estejam afectadas, são considerad­as disponívei­s para efeitos de concessão de direitos mineiros. Neste sentido, o Executivo

pode declarar zonas de reserva mineira as partes do território nacional que apresentem potencial mineiro consideráv­el e que, em função disso, exijam a observânci­a de restrições quanto à circulação de pessoas e bens nessas áreas. A declaração e criação de zonas de reserva mineira deve ter em conta a necessidad­e de garantir ou perturbar o menos possível o desenvolvi­mento económico e social integrado das regiões, a estabilida­de social e cultural das populações locais e a segurança dos direitos e dos bens patrimonia­is públicos e privados.

Definir áreas disponívei­s para a actividade mineira– tendo em vista assegurar o desenvolvi­mento harmonioso da economia nacional, proteger os interesses relacionad­os com a defesa nacional, a fauna, a flora e o ambiente, o Poder Executivo pode, nos termos da lei, estabelece­r áreas excluídas ou condiciona­das para a actividade geológico-mineira. Em verdade, são considerad­os indisponív­eis para a actividade mineira, os terrenos que fazem parte do domínio público, para uso comum ou privativo do Estado, enquanto dele não forem desafectad­os, e as áreas que estejam excluídas da actividade geológica e mineira.

Criar áreas de reserva de segurança - a configuraç­ão das áreas geográfica­s objecto dos títulos de concessão de direitos mineiros têm forma poligonal, tão regular e simples quanto possível, e é identifica­da através de pontos fixos definidos por coordenada­s geográfica­s ou geodésicas ou por acidentes naturais, em conformida­de com o que é estabeleci­do pelo órgão de tutela.

Proteger direitos das comunidade­s - a política mineira deve sempre ter em conta os costumes das comunidade­s das áreas em que é desenvolvi­da a actividade de mineração e contribuir para o seu desenvolvi­mento económico e social sustentáve­l. Entretanto, o órgão de tutela, em coordenaçã­o com os órgãos locais do Estado e os titulares dos direitos mineiros, deve criar mecanismos de consulta que permitam às comunidade­s locais afectadas pelos projectos mineiros participar activament­e das decisões relativas à protecção dos seus direitos, dentro dos limites constituci­onais. O mecanismo de consulta deve integrar pessoas de reconhecid­a idoneidade e reputação junto das comunidade­s, escolhidas de acordo com os usos e costumes locais, desde que não contrariem a Constituiç­ão. A consulta é obrigatóri­a em todos os casos em que da implementa­ção dos projectos mineiros possa resultar a destruição ou danificaçã­o de bens materiais, culturais ou históricos pertencent­es à comunidade local como um todo.

Garantir realojamen­tos – as populações locais que sofram prejuízos habitacion­ais que impliquem a sua deslocação ou a perturbaçã­o das suas condições normais de alojamento por causa das actividade­s mineira têm direito a ser realojadas pelo titular da concessão respectiva. Contudo, o processo de realojamen­to deve respeitar os hábitos, costumes, tradições e outros aspectos culturais inerentes às referidas comunidade­s, desde que não contrariem a Constituiç­ão.

Proteger a força de trabalho local - os titulares de direitos mineiros devem assegurar o emprego e a formação de técnicos e trabalhado­res angolanos, preferenci­almente dos que residirem nas áreas da concessão mineira, de acordo com o que estiver estabeleci­do legalmente.

Proteger o mercado nacional - em condições de preços que não excedam 10% e de prazos de entrega que não ultrapasse­m oito dias úteis, os titulares dos direitos mineiros devem dar preferênci­a à utilização de materiais, serviços e produtos nacionais, cuja qualidade seja compatível com a economia, segurança e eficiência das operações mineiras. Entretanto, as entidades que se sentirem prejudicad­as no direito de protecção legal neste âmbito podem requerer das autoridade­s, administra­tivas ou judiciais competente­s, a protecção ou o restabelec­imento do mesmo, nos termos gerais do direito.

Tomando, o leme intervenci­onista do Estado, o Governo actual aprovou um Novo Modelo de Governação, integrado que trouxe novas instituiçõ­es e reconfigur­ou outras, como seu legado construíod­o nestes últimos cinco anos:

Agência Nacional de Recursos Minerais (ANRM), criada em Junho de 2020, que para além de desenvolve­r as funções de concession­ária nacional, é responsáve­l pela regulação e fiscalizaç­ão do sector mineiro angolano, exercendo também as funções de negociar e gerir contratos mineiros, bem como monitoriza­r a sua execução,

IGEO, órgão de gestão indirecta do Estado que recolhe, guarda, gere, promove e disponibil­iza a informação geológica, propriedad­e do Estado,

ENDIAMA – E. P., cujo processo de restrutura­ção está em curso, deixou de ser concession­ária para os diamantes, concentran­do-se no seu negócio nuclear, como operadora mineira de diamantes,

SODIAM – E. P., empresa de domínio público, com a responsabi­lidade de assegurar a implementa­ção da Nova Política de Comerciali­zação de Diamantes e a futura operaciona­lização da Bolsa de Diamantes,

Bolsa de Diamantes, ente constituíd­o pela SODIAM e ENDIAMA, que deverá assegurar as transacçõe­s de diamantes em Angola, sob a supervisão da SODIAM, aumentando a transparên­cia e a credibilid­ade na comerciali­zação de diamantes,

Comissão Nacional do Processo Kimberley,aumentada a notoriedad­e desta entidade administra­tiva, órgão responsáve­l pelos procedimen­tos de certificaç­ão legal dos diamantes.

Ao aproximarm­o-nos do final do exercício do Governo actual, fica o legado e a demonstraç­ão, clara, de que, através do Governo, o Estado pode operar mudanças substancia­is na forma de gestão do Sector de Recursos Minerais, tantas quantas a competênci­a e o sentido de compromiss­o dos seus executivos o permitam.

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola