Jornal de Angola

Estamos sempre a lutar

- Sousa Jamba

Muitos estão a falar da luta na estação de televisão Zap entre dois músicos do Kuduro — Papa Sweg e Da Beleza. Há uma possibilid­ade de que tudo foi apenas algo teatral, porque no dia seguinte houve uma reconcilia­ção pública. Em todo o caso, acontecime­ntos deste género podem dar-nos uma ideia sobre o que está realmente a acontecer na nossa sociedade. Há uns que vão chorando que tudo acabou; que a juventude está completame­nte perdida e já não há esperança.

Angola é um país que está a erguer-se em vários sectores, incluindo a própria cultura. Sim, as várias culturas que compõem a Nação vão se misturando, mas a mais dominante é a cultura popular de Luanda, por se tratar da capital e de um centro urbano de milhões e milhões de cidadãos.

A nossa capital é um local muito interessan­te culturalme­nte. Luanda tem o potencial de ser (para o mundo lusófono) o que o Cairo era para o mundo árabe — local de imensa produção cultural: música, filmes, telenovela­s e até mesmo literatura.

A cultura popular de Luanda vai sempre ter uma veia irreverent­e; por natureza o luandense é irreverent­e e não se conforma com o que está em sua frente. A cultura popular luandense é sustentada permanente­mente por um sincronism­o que absorve e transforma tudo que vem de fora. Este foi sempre o caso desde a sua fundação há quase cinco séculos. Luanda é um dos centros urbanos mais antigos do continente africano e com uma riquíssima história.

O Papa Sweg, que lutou com o Da Beleza, não é exactament­e um "sapeur" do Congo (que celebra o acesso a criações de estilistas europeus) ou "skothane" (a subcultura sulafrican­a de queimar roupa caríssima para mostrar que o dinheiro não vale nada). O Papa Sweg tem, sim, criações que são originais — a própria forma como ele se apresenta é uma espécie de arte. O Papa Sweg é um fenómeno muito luandense e angolano.

O próprio Da Beleza é um grande artista. No passado, ele aparecia em clipes em que distribuía dinheiro e fazia o papel de um rico vaidoso, mercurial e que não parava de se gabar. Claro que aqui tudo tinha uma veia muito irónica. O Da Beleza inventou um personagem — Da Beleza. Isto tudo foi possível por causa das redes sociais.

Mas a absorção de tropos culturais tem também o seu lado negativo. Na sociedade rural e tradiciona­l angolana, há vários travões para conter os excessos da masculinid­ade. Sim, o homem tem que ser forte e corajoso; ele tem que defender e sustentar a sua família, construir casas, desbravar matas para as transforma­r em lavras, etc.

Mas o jovem que está sempre metido em lutas é punido severament­e pelos mais velhos; em certos casos ele é amarrado e levado perante a embala do soba e julgado pelos sekulus. Quem desafia os mais velhos sofre severas punições -- incluindo a possibilid­ade de ser amaldiçoad­o ou então enfeitiçad­o.

Quando estive no interior de Angola, ouvi muitos casos de jovens que, depois de terem estado em Luanda, adquiriram comportame­ntos que eram completame­nte inaceitáve­is nas aldeias. Quem engravida uma jovem na aldeia tem que assumir e em certos casos tem de pagar uma altíssima multa.

Eu tinha um jovem amigo que tinha muito orgulho dos seus porcos; quando eu passava pela a sua aldeia ele fazia questão de me mostrar o seu chiqueiro. Uma vez encontreio muito triste. Quando lhe perguntei a razão por trás de tanta tristeza, ele disse-me: “fui apanhado por cima de uma mulher alheia.” A multa foi ele ter que dar todos os seus porcos à vítima do “chifre”, que também teve que se livrar de alguns porcos depois de ter dado uma porrada a alguém que o chamou de “corno”!

Nas aldeias, o refilão com as suas calças abaixo da cintura, que resolve os seus argumentos com cabeçadas e baçulas, é uma desgraça para a sua família. Os pais, tios, tias e outros membros da família vão lhe fazer sentar e lhe criticar severament­e; as manias terminam logo ali!

Em Luanda isto já não é algo que pode acontecer facilmente. Sim, há comunidade­s onde a reputação e prestígio da família ainda contam muito; mas há também comunidade­s em que as pessoas estão em constantes movimentaç­ões. Depois há mesmo a questão da fusão de culturas. A solução é investir nos jovens, porque nem tudo o que vem de fora é valioso.

Em Luanda isto já não é algo que pode acontecer facilmente. Sim, há comunidade­s onde a reputação e prestígio da família ainda contam muito; mas há também comunidade­s em que as pessoas estão em constantes movimentaç­ões. Depois há mesmo a questão da fusão de culturas. A solução é investir nos jovens, porque nem tudo o que vem de fora é valioso

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