A necessidade dos equilíbrios na mídia
Na impossibilidade de cumprimento rigoroso do que as leis e regras determinam, relativamente à cobertura política e eleitoral, e porque grande parte dos instrumentos legais acabam por ter mais uma natureza indicativa e programática, nas sociedades africanas, é sempre mais defensável a necessidade dos equilíbrios. Tratandose de um processo longo e complexo que, fruto do histórico da imprensa em Angola e dos contextos, é mais realista esperar pelos equilíbrios nas coberturas ao nível da mídia pública, uma realidade exequível e alcançável.
Grande parte das queixas contra a mídia pública não são infundadas na medida em que as pessoas avaliam o que lhes é dado a ver e, nalguns casos, chegam mesmo a existir iniciativas de monitoria dos tempos de antena nas rádios e televisões, bem como os espaços em jornais. Logo, não é sensato, mesmo na condição insuspeita, de sair em defesa de uma realidade, a cobertura desigual dos órgãos públicos aos actores políticos, que importa discutir, abordar e, à luz do que a lei e o bom senso determinam, fazer reparos. A manutenção do status quo não abona a ninguém e prejudicanos a todos
Hoje e inesperadamente, a imprensa pública, em grande medida por culpa própria, acaba por estar exposta com observações, críticas e ataques vindos de todos os lados. Já não é sequer sensato discutir a razoabilidade, pertinência ou veracidade do que se diz sobre a forma como a imprensa pública desempenha o seu papel, sendo mais importante reparar, equilibrar e partir para a excelência porquanto devemos admitir que se trata de um processo, que levará o seu tempo.
Alegam algumas vozes, até certo sentido com razão, que o país, ainda que efemeramente, já tinha feito progressos ao nível da abertura da mídia que, provavelmente, importa resgatar para o bom nome do Jornalismo que serve a democracia e o Estado de Direito.
Abrir aqui um parêntesis para dizer que é verdade que muitas das críticas vindas de sectores políticos, nomeadamente da UNITA, que gere uma rádio comercial onde não existe um exercício de equilíbrio que leve às pessoas a crer que levarão para os órgãos públicos amanhã e quando um dia forem poder, são muito discutíveis. É verdade que se tratam de analogias que não se colocam, comparações que não se fazem, entre a mídia pública e, por exemplo, a Rádio Despertar, é verdade, mas não há dúvidas de quem com o que é seu não dá exemplo, dificilmente dará quando gerir o que é de todos.
Que garantias dá a UNITA de que fará diferente que o MPLA com a mídia pública, quando ao nível da Despertar, onde o Presidente da República é abertamente ofendido, não evidencia o contrário, nem dá exemplos que asseguram às pessoas que fará melhor?
Com esta interrogação não se pretende minimizar o que se passa com a mídia pública, muito menos justificar as recentes observações de toda a sociedade, que apontam para um desequilíbrio nas coberturas, realidade que em minha opinião deve dar lugar aos equilíbrios sob pena da descredibilização e desprezo acabarem por “ferir” e deixar sequelas graves à nossa democracia.
Ainda vamos a tempo de reparo e de equilíbrio, numa altura em que a bola foi devolvida aos profissionais de comunicação social, instados por todos a desempenhar o seu papel com verdade, isenção, imparcialidade, objectividade e rigor. E disso espelha bem o pronunciamento do secretário do Bureau Político de Informação do partido no poder, Rui Pinto de Andrade, quando questionado sobre as eventuais e supostas orientações “baixadas aos órgãos públicos”, dizendo na primeira pessoa que “eu sou o secretário para a Informação e não baixei orientações.” Se por um lado, esse pronunciamento não encerra o problema, na medida em que abre possivelmente no seio da própria mídia o debate em torno dos excessos de zelo, auto-censura e outras práticas, por outro lado reforça a ideia, se calhar nada novo, de que os jornalistas precisam de ser mais sérios.
O político lançou a bola aos órgãos e aos profissionais, dando a entender que na maior parte dos acontecimentos tratam-se de casos de excesso de zelo e de autocensura da parte dos jornalistas, um facto que devia levar a classe a responder com o trabalho expectável à luz da lei, dos instrumentos de regulação e auto-regulação. Na verdade, as palavras de Rui Pinto de Andrade remete aos jornalistas da mídia pública que eventualmente “se excedem” e “se auto-censuram” a reflectirem sobre o que se diz sobre os mesmos, ganhando consciência de que devem apenas fazer o seu trabalho porque não há orientações. E isso deve ser levado a sério, embora exista quem persista na dúvida. Há quem faça analogia da existência das alegadas orientações aos órgãos com o famoso provérbio sobre a existência de bruxas, partindo do princípio que elas existem, mas provavelmente transformadas no que se disse, ou seja, em excesso de zelo ou auto-censura.
Em todo o caso, trabalhar com isenção e imparcialidade é possível e independentemente das queixas sobre a cobertura política e eleitoral, que existirão sempre e são atendíveis, é possível manter os equilíbrios. No fundo, uma coisa que não se pode negar é que os desequilíbrios na dimensão em que se observam são insustentáveis para o jogo democrático e, tal como muitos se questionam, a julgar pela trajectória e trabalho e preparação, nada indica que o partido no
poder precise de tais expedientes.
Que garantias dá a UNITA de que fará diferente que o MPLA com a mídia pública, quando ao nível da Despertar, onde o Presidente da República é abertamente ofendido, não evidencia o contrário, nem dá exemplos que asseguram às pessoas que fará melhor?