Violência atinge áreas até agora “intocáveis”
Acossados pelo Exército, em operações apoiadas por forças internacionais, os insurgentes que actuam no Norte de Moçambique estão a fugir para zonas que até agora estavam tranquilas
Pelo menos sete pessoas foram mortas, quatro delas decapitadas, em recentes ataques jihadistas no Nordeste de Moçambique, violência que agora atinge áreas até agora intocáveis, causando novos deslocamentos em massa.
De acordo com a ONU e a ONG Save the Children, citadas pela Reuters, na terça-feira, 10 mil pessoas abandonaram as aldeias. O país é atormentado desde 2017 pela violência jihadista que já matou quase 4 mil pessoas, segundo a ONG Acled, e forçou cerca de 800 mil a fugir.
Os grupos armados estavam, principalmente, no extremo Nordeste da província de Cabo Delgado, região rica em recursos, perto da fronteira com a Tanzânia. Mas no início de Junho, uma série de ataques ocorreu mais ao Sul, no distrito de Ancuabe, a 45 quilómetros da cidade portuária de Pemba, capital da província. Uma área considerada “segura” até agora, observa a Save the Children.
“Pelo menos quatro pessoas foram decapitadas nestes ataques recentes, o primeiro no distrito”, disse a ONG em comunicado. Moradores das aldeias vizinhas que fugiram descreveram decapitações, estupros, incêndios em casas e sequestros, disse a ONG. Num outro ataque, na semana passada, dois seguranças que trabalhavam numa mina no mesmo distrito foram mortos.
Segundo fontes diplomáticas e humanitárias, as viagens foram restringidas desde o início do mês, devido ao aumento da violência.
Após um grande ataque no ano passado, no entanto, a violência diminuiu em intensidade, em parte, devido ao envio de forças militares regionais.
Um ataque mortal à cidade portuária de Palma, em Março de 2021, forçou a companhia francesa de energia Totalenergies a suspender um projecto de gás natural de 16,5 mil milhões de euros a poucos quilómetros de distância.
Desde Julho, o Rwanda e países vizinhos da África Austral enviaram mais de 3.100 soldados para apoiar o Exército moçambicano em dificuldades. No entanto, grupos jihadistas do interior continuaram a realizar ataques esporádicos, adoptando tácticas de guerrilha mais tradicionais.
As forças regionais (Samim) disseram em comunicado, na quinta-feira, que mataram “vários terroristas” numa operação. Os militares perderam um homem e seis ficaram feridos. Por sua vez, o portavoz do Secretário-geral da ONU disse que mais de 17 mil pessoas, maioritariamente mulheres e crianças, foram forçadas a fugir das casas nos distritos de
Ancuabe e Chiure, na província moçambicana de Cabo Delgado, após os ataques da semana passada.
Emconferênciadeimprensa, o porta-voz do SecretárioGeral, Stéphane Dujarric, fez uma breve actualização sobre a situação em Moçambique após os ataques registados na semana anterior, indicando que, até ao momento, as organizações humanitárias ajudaram mais de 1.700 pessoas, enquanto o serviço aéreo humanitário da ONU continua a transportar suprimentos.
Moçambique tenta regularmente tranquilizar os seus investidores sobre os progressos na luta contra os jihadistas. A descoberta, em 2010, das maiores reservas de gás natural da África subsahariana levou o Governo a esperar biliões em receitas anuais de projectos de gás, um ganho inesperado para o país, cujo PIB é de cerca de 13 biliões de euros. A maioria desses projectos está agora parada.
A violência também causou uma crise humanitária entre a população deslocada. Os Estados Unidos anunciaram, terça-feira, durante a visita a Moçambique da diplomata número três, Victoria Nuland, 28,3 milhões de euros de ajuda através do Programa Alimentar Mundial (PAM).