Votar contra as causas de doença
Curiosos e desconfiados, mas animados, os dois amigos lá foram ao encontro com um dos co-fundadores do Partido da Saúde, atrasadamente ainda em gestação.
Pelo caminho o Marito foi provocando o Quim: – «Mais um partido injectado à última hora para dispersar o voto…» –gozando–«já estou a ver o comité de especialidade dos cardiologistas deste partido a acenar-nos com slogans tipo "Este sim, o partido do coração!", ou o dos ortopedistas: "Partidos...? Engessamos!"» .
Para início de conversa com o Dr. X – que pediu para manter o anonimato, pelo menos até conseguir desvincular-se do partido em que ainda militava – Quim, avançou:
– «Ninguém duvida que a saúde é fundamental para o bem estar das pessoas e o desenvolvimento, humano e económico. O que questionamos é: o que o vosso partido tem a propor de diferente do que tem sido feito?».
Com voz grave e pausada, excelente para os comícios vindouros, Dr. X respondeu :– «O nosso programa é simples: centrarmo-nos na promoção e na defesa da saúde, em vez de só reagir à doença, que é o que tem sido feito, de forma muito ineficaz!» . – «Conversa bonita mas vaga… não? »– desafiou o Quim.
– «De forma alguma! É muito concreto e vou-lhe já demonstrar com um exemplo: se as casas de banho públicas (em especial as das escolas) estiverem sujas, a funcionar mal ou encerradas – como é geralmente o caso –não há como não ter sempre muitos doentes. Vamos colocar um posto médico ao lado de cada escola que não tem a casa de banho a funcionar?» .
– «Vamos é apostar na educação para promover a higiene e um ambiente saudável. Clarificando que ‘higiene’ não é apenas limpeza! Inclui hábitos alimen
tares, exercício físico, gestão do stress, a par de cuidar do ambiente que nos rodeia - na natureza e nos aglomerados populacionais» – pregava o Dr. X (‘ Não seremos nós mesmos a extensão do ambiente natural?’– remoeu Marito, sempre pertinente).
– «Querem convencer-nos que dessa forma ninguém ficará doente nem necessitará de hospitais ou medicamentos!?» – questionouo Quim.
– «É claro que não! Mas temos de entender que isso drenará os ‹serviços de saúde›– ('que deveriam mazé chamar-se ‹serviços de doentes›', pensou o Marito) – sempre inundados com problemas evitáveis. E, assim, permitir que se dedique mais atenção aos pacientes que sempre surgirão» – reagiu Dr. X, acrescentando:
– «Para além de que não confundiremos edifícios com serviços. Um hospital ou um centro médico é muito mais do que um edifício com um letreiro a darlhe o estatuto respectivo. O fundamental está na organização, nos procedimentos e sistemas que devem funcionar com continuidade e consistência, com uma visão de manutenção e uso racional dos recursos. Que a actividade hospitalar seja complementada por uma ampla rede, próxima dos cidadãos,focada nos cuidados primários. E sem nos esquecermos de promover a investigação, que nos capacitará a gerir as pandemias, melhor do que fizémos com a COVID 19» .
O Dr. X, cada vez mais sério: – «Continuidade e consistência na orçamentação, no aperfeiçoamento dos procedimentos, no ajustamento das práticas… enfim, na gestão. Dar ‘alma’ ao todo: dinheiro, máquinas, peritos, só dançam juntos se houver uma música de fundo a dar coerência e sentido ao que se faz». ‘A conversa de vendedor’, pensou Marito, ‘ necessária para fazer campanha, estava quase afinada.mas pelo menos apelava à inteligência, o que já não era mau'… Animou-se:
–« Ó Dr Malcom, desculpe-me mas o que vocês defendem aplica-se à generalidade dos sectores, não? Pensar global, pensar sistémico, pensar holístico, etc., etc., é paleio que já ouvi de muitos… Não andarmos só a correr atrás do prejuízo mas agir com sentido estratégico para atacar a raíz dos problemas, antes de eles se revelarem, certo?» – disparou Marito, armado em sabichão.
– «Malcom???, concordamos é tratarem-me por X, no que escrevessem…» – corrigiu o médico e político – « Mas tem razão… o nosso Partido da Saúde também propõe que se torne tudo mais saudável, incluindo o funcionamento da economia e sobretudo as relações humanas. Desde que consigamos legalizar o partido a tempo…» (‘...de receber a massa para a campanha…’ pensou corrosivamente Marito).
Mas, no fundo, concluíram que se tratava de uma iniciativa séria. Só que o tempo de entrevista tinha acabado, e regressavam:tinham de devolver a viatura. Tocava a música na berra “cibernética, paranóica, esquizofrénica…” o que lhes recordou não se ter falado em saúde mental… tão importante. Contaram ao Tomé as ideias do Dr. X que, afinal,eram preocupações sentidas por tantos…
– «Como vês, Tomé» – rematou o Quim – «valeu a pena termos ido falar com o PDS… Foi uma boa conversa, com boas ideias! Um bom ponto de partida. O desafio será concretizar o que pensam e dizem… ».
Só que, claro, o Marito não podia se deixar: –
Mas, no fundo, concluíram que se tratava de uma iniciativa séria. Só que o tempo de entrevista tinha acabado, e regressavam:tinham de devolver a viatura. Tocava a música na berra “cibernética, paranóica, esquizofrénica…” o que lhes recordou não se ter falado em saúde mental… tão importante. Contaram ao Tomé as ideias do Dr. X que, afinal,eram preocupações sentidas por tantos…