“Angola é um país dos que estão dispostos a fazer a mudança”
Enfrentou grandes dificuldades diárias, mas a jovem do Cazenga persistiu sempre e, hoje, é uma pequena empresária
Dulce Viegas dos Santos nasceu no bairro Tala Hady, município do Cazenga, província de Luanda, a 11 de Novembro de 1994. É filha de Reis dos Santos, contabilista, e de Lucrécia Daniel Viegas, cozinheira.
Dulce Viegas dos Santos apresenta-se como oriunda de uma família pobre, em termos materiais, mas rica em sabedoria e na arte de empreender.
Os pais, há alguns anos atrás, trabalharam na antiga Caop (empresa portuguesa), que, actualmente, pertence ao Ministério da Agricultura. “Houve uma época em que esse Ministério ficou muito tempo sem pagar salários e a minha mãe teve de abandonar o trabalho e começar a vender, para sustentar a família”.
Nessa altura, a mãe de Dulce vendia tomate e outros produtos do campo, um esforço que fazia para não deixar os filhos morrerem à fome, enquanto o pai permaneceu no Ministério, mesmo sem auferir os ordenados, só para salvaguardar o emprego.
Apesar das dificuldades, Dulce Viegas dos Santos frequentou o ensino de base, no Colégio Adventista do Sétimo Dia de Emissão I. Depois, conseguiu concluir o ensino médio no Instituto Médio Polivalente do Regimento de Polícia Militar. “A minha maior dificuldade no campo académico começou quando ingressei no Ensino Superior. A falta de dinheiro, para entrar numa Universidade estatal ou privada, obrigaram-me a optar por um curso não desejado, o de Psicologia, que nunca foi a minha paixão. Mas, os meus pais não tinham condições para pagar um curso mais caro”.
A jovem considera que ser estudante universitária em Angola não é fácil, principalmente, quando os sonhos vão além do que uma Universidade pode oferecer. Mas, ela foi sempre uma menina de voos altos, mesmo estando no chão.
Por isso, a falta de dinheiro e transporte para a levar de casa para a escola, os constantes assaltos nocturnos e outras dificuldades não a impediram de concluir a licenciatura em Psicologia da Educação.
Enquanto lutava para concluirosestudos,amãe,também, nunca desistiu e, hoje, é cozinheira e pasteleira, no Mercado do Asa Branca, no Cazenga.
“Quando mais novos, passámos por muitas dificuldades, mas a vida ensinou-nos a pegar nas perdas, na fome, na sede e em tudo que não dava certo e torná-las nas nossas maiores fontes de aprendizagem e conquistas”, diz Dulce Viegas dos Santos.
A jovem recorda com tristeza o quão difícil e desgastante era ter de dormir no chão, por falta de uma cama. “Diante da pobreza, olhei para a vida com ambição e vontade de crescer. O meu crescimento como empreendedora e profissional começou quando decidi aprender a Língua Inglesa. O inglês mudou a minha vida e tornou-me uma líder com garra”.
Depois de cursar inglês, no Centro Profissional do Cazenga, com uma bolsa da Embaixada dos Estados Unidos em Angola, estudou Liderança e Engajamento Cívico, nos Estados Unidos, durante cinco semanas.
“Tornei-me líder de mim mesma e tomei consciência de que as mulheres mais ricas do mundo não dependem de um salário para crescerem em termos económicos, mas produzem o seu próprio dinheiro”.
Dulce sempre trabalhou como professora de Inglês e de Psicologia. E, é psicóloga voluntária em várias escolas do Cazenga e Viana. “De 2017 a 2019, o meu salário não passava de 30 mil kwanzas, mas juntei dinheiro e, com muito sacrifício e ajuda das irmãs Lina Santos e Maria Helena Alfredo, inscrevi-me no curso pós-laboral de Pós
graduação em Agregação Pedagógica, na Universidade Agostinho Neto”.
A jovem refere que foi muito ousado da sua parte arriscar tanto, mas recorre ao ditado popular, para realçar que “quem não arrisca não petisca”. Por exemplo, salienta que trabalhava em
Viana-capalanga, vivia no Cazenga e estudava, à noite, na Marginal (Universidade Agostinho Neto).
Devido à Covid-19, acabou desempregada, porque todas as portas tinham se fechado. E questionou-se como sobreviver diante desta situação.
A resposta veio com actos. Criou, então, dois projectos, o “Dulmarspace”, atelier de beleza para cuidados capilares, que podia gerar estabilidade económica, e o “Meu sonho, Minha comunidade”, que lhe daria satisfação pessoal como profissional da área de Saúde Mental.
“O foco deste último projecto é a formação de mulheres jovens na área da maquilhagem, cabeleireiro, cuidados capilares, para as profissionalizar e, assim, diminuir o índice de gravidez precoce no Cazenga. Até agora, já estão capacitadas mais de 20 raparigas.
Quanto ao “Dulmarspace”, Dulce Viegas dos Santos reconhece que lançou o projecto de forma precária, num quintal e com parcos recursos e só tinha cinco clientes. Pouco tempo depois, em 2020, começou a criar um atelier “de verdade”, num espaço cedido pela mãe, dentro do Mercado do Asa Branca.
“A minha mudança começou com poucos recursos, trabalhava sozinha, mas o número de clientes cresceu e contratei a primeira funcionária” e, a partir daí começa a aprimorar o atelier e abre uma loja de cosméticos e produtos naturais.
Em função de tudo por que passou, a jovem tem a ideia de que “Angola não é um país para quem se queixa a toda hora da pobreza e da fome, mas é o lugar dos fortes, dos que estão dispostos a fazer a mudança”, conclui.